domingo, 29 de novembro de 2009

Imperialismo ianque impõe farsa eleitoral diante do co-governo Micheletti, Zelaya e Frente de Resistência


Às vésperas da concretização da farsa eleitoral convocada pela ditadura cívico-militar, Zelaya e a Frente Nacional de Resistência contra o Golpe de Estado (FNRG) resolveram chamar teatralmente a população a não votar em 29 de novembro. A convocação ao “boicote pacífico” trata-se de mais um capítulo na vergonhosa política patrocinada por Zelaya e a FNRG.

Estes foram forçados a chamar formalmente o não comparecimento às urnas porque o presidente deposto, de tanto fazer concessões ao imperialismo e aos golpistas, acabou por ser colocado em um segundo plano no co-governo, de fato, imposto para frear as massas, depois que aceitou o acordo patrocinado pela Casa Branca. Sua restituição ao cargo de presidente fantoche está descartada temporariamente até a finalização da farsa montada pela ditadura, orquestrada com o aval do imperialismo ianque. Tanto que o secretário para América Latina do Departamento de Estado norte-americano, Craig Kelly, esteve em Honduras por duas vezes nas semanas que antecedem as “eleições” e declarou que “ninguém tem o direito de impedir o povo hondurenho de votar e eleger seus líderes” (IPS, 16/11).




ZELAYA: A FRANQUIA CHAVISTA DO “SOCIALISMO DO SÉCULO XXI” VÍTIMA DE SUA PRÓPRIA POLÍTICA BURGUESA

Zelaya e a FNRG agora se ressentem das manobras do imperialismo, chegando inclusive a pedir o adiamento do pleito para permitir novas negociações que o coloque em situação menos vexatória. O presidente deposto escreveu uma carta a Barak Obama para reclamar do não cumprimento do acordo e a conclui pedindo pateticamente que “os EUA ajudem a propiciar, em Honduras, um clima de reconciliação nacional e um conseqüente processo eleitoral constitucional, limpo, com garantias de participação igualitária para todos os hondurenhos” (Vermelho, 11/11). Em “resposta”, os EUA declararam que os termos negociados não previam a restituição imediata de Zelaya, condicionada à aprovação do Congresso Nacional que anteriormente havia apoiado o golpe, ou seja, primeiro o acordado era desarmar o movimento de resistência e legitimar um governo entre ambos bandos burgueses, depois se trataria de ver o cronograma da restituição de Zelaya.

O fundamental para os capitalistas é que foi imposta a dinâmica ditada pelos golpistas e o imperialismo, ou seja, a resistência ao golpe foi desmoralizada e a burguesia está conseguindo, aos poucos, recompor o regime político em crise. A própria participação da Unificação Democrática (UD) na farsa eleitoral, principal partido de centro-esquerda do país, que apoiava Zelaya e o número insignificante de renúncia de candidaturas, revela que a manobra eleitoral está cumprindo seus objetivos, apesar da abstenção altíssima que deve ocorrer neste 29 de novembro.


O não retorno de Zelaya ao posto presidencial antes da concretização do circo eleitoral, ainda que este não tivesse qualquer poder de fato, ocorreu porque com a celebração do acordo, desarmou-se politicamente a resistência popular e o presidente deposto ficou completamente dependente da vontade do imperialismo ianque e da classe dominante hondurenha. Zelaya e o chavismo foram vítimas de sua própria política burguesa, limitada à retórica populista e nacionalista. Percebendo esse quadro, a Casa Branca tratou, junto com as FFAA e o grande empresariado, de impor o calendário do acordo, utilizando em papel secundário Zelaya, porque já havia conseguido que as massas saíssem de cena, domesticadas pelas negociações patrocinadas por Obama e Lula. Esse desfecho confirma o que afirmamos um dia depois da celebração do acordo: “Este novo pacto condiciona a posse de Zelaya à aprovação do Congresso Nacional e retira todos os poderes constitucionais do presidente da República, estabelecendo inclusive um rígido calendário para a aplicação do que foi estabelecido entre as partes como forma de manter Zelaya refém até o fim do mandato. O papel fantoche de Zelaya é tamanho que Micheletti declarou em entrevista a uma rádio local que, apesar do acordo, o status do presidente deposto como abrigado na Embaixada do Brasil, cercada pelas FFAA, não muda até que o Congresso aprove formalmente o texto. Pelo documento, somente depois de um parecer prévio da Suprema Corte de Justiça, declaradamente golpista, o Congresso Nacional poderá restituir a presidência a Zelaya. Esta condição está claramente voltada a ditar o ritmo da transição mantendo a base popular que apóia Zelaya disciplinada segundo os limites impostos pelo acordo celebrado pelo imperialismo” (Acordão em Honduras made in USA - A incapacidade histórica da franquia do “Socialismo do Século XXI” e a falência programática do pseudotrotskismo, Luta Operária, 184, Edição Especial - Outubro/09).


DA “REVOLUÇÃO” À FARSA ELEITORAL, REVISIONISTAS DEFENDEM UMA ÚNICA SAÍDA: CONSTITUINTE PARA ESTABILIZAR O REGIME POLÍTICO

O conjunto da esquerda revisionista, dentro e fora de Honduras, aderiu ao boicote às eleições. Os que antes vendiam que estava em curso uma revolução, ou mesmo uma insurreição popular em Honduras, agora, desmoralizados pelos próprios acontecimentos, tratam de saudar a FNRG por chamar formalmente o não comparecimento pacífico às urnas. Maquiam assim a realidade, pois a conduta da FNRG não corresponde a uma medida de enfrentamento direto contra o regime ditatorial, mas reflete a própria tentativa desesperada de Zelaya em voltar a barganhar com o imperialismo em melhores condições, já que a maioria dos governos da centro-esquerda burguesa do continente declaram que não reconhecerão os resultados eleitorais, posição formal assumida pela própria OEA.

Anteriormente, mesmo sabendo que a restituição do presidente deposto era uma formalidade para impor o acordo patrocinado pela Casa Branca, todo o arco pseudotrotskista apostava na candidatura de Carlos H. Reyes que, diante das novas circunstâncias, foi forçado a se retirar da disputa. O próprio Reyes já aponta a perspectiva que esses setores delineiam para o próximo período: “Para nós será um governo ilegítimo e não respaldado pelo povo. Temos uma crise econômica bárbara. O próximo governo terá grande instabilidade. Será derrubado pelo povo ou poderá ser obrigado a convocar uma assembléia constituinte para voltar à ordem constitucional. É o caminho da resistência pacífica” (Rádio Nederland). Trata-se de levar a cabo o programa que defendia em campanha eleitoral, ou seja, “O melhor espaço para resolver a fundo esta crise é em uma Assembléia Nacional Constituinte que elabore uma nova Constituição que será um Pacto Social para sair do atraso e da dependência” (Sítio MAS argentino). Aqui, como antes, se verifica o real objetivo do boicote passivo às eleições: marcar posição para forçar o “novo governo” a convocar uma constituinte para celebrar um pacto social com a burguesia, a fim de dar estabilidade ao frágil regime político. O próprio MAS e seu partido-irmão em Honduras, o PST-H, segue a mesma linha e aponta que “o novo governo de Pepe Lobo poderá emergir ferido de morte e abrir-se uma conjuntura de contra-ofensiva do movimento popular pela mão da consigna mais sentida: a da Assembléia Constituinte” (Idem)


O MAS argentino celebra que “Logo depois da saída de Reyes, a novidade é que acaba de se voltar a reunir a Coordenação Nacional da Resistência Popular. E esta acaba de fixar uma posição não só pelo boicote às eleições de 29, mas foi além: acabou de decidir a possibilidade de convocar uma paralisação cívica nacional contra as eleições fraudulentas na semana prévia ao dia da eleições” (sítio MAS argentino)”. Já a LIT, que até às vésperas da celebração do acordo, elogiava a conduta da FNRG e depois se limitou a aconselhar sua direção a “rever sua posição”, declara: “O próximo processo eleitoral hondurenho será totalmente antidemocrático e fraudulento. A LIT-QI chama o povo hondurenho e suas organizações políticas de esquerda, sindicais e populares a boicotá-las. Por isso, coincidimos com o chamado que está sendo feito pela Frente da Resistência e outras organizações” (sítio PSTU). Mas não só! Além de embelezar novamente a política burguesa da FNRG, nega-se a denunciar a Unificação Democrática, partido que irá através de seu candidato presidencial, César Ham, legitimar a farsa golpista. A LIT escolhe, mais uma vez, a política diplomática do centrismo, que joga mais confusão entre as massas e se limita a fazer apelos inócuos: “Chamamos César Heam e os setores da UD a reverem sua posição: qualquer participação nesse processo eleitoral fraudulento só servirá para legitimar o regime golpista” (Idem). Desta forma, os morenistas agem como se tivesse aconselhando ingênuos, negando-se a denunciar os trânsfugas comprados pela ditadura que traíram a resistência do povo hondurenho.


Saudando a posição da FNRG, o conjunto da esquerda revisionista busca encobrir sua capitulação política a essa direção burguesa, que é parte do co-governo de fato, e volta novamente a patrocinar ilusões sobre a realidade em curso. Agora, apontam supostas condições favoráveis para uma “contra-ofensiva operária, camponesa e popular”, como declara o MAS argentino ou a CMI de Allan Woods. Esta última corrente, vendo sua política ilusionista naufragar depois de apresentar Zelaya como líder revolucionário de uma insurreição e defender a participação nas eleições desde que o presidente deposto estivesse no posto de “Rainha da Inglaterra”, chega a uma conclusão tragicômica, vendendo que as massas estão agora em melhores condições de lutar: “Agora, ao menos, a situação ficou mais clara para o movimento de massas: a única forma de vencer o golpe é através da mobilização de massas, não mediante negociações. Como assinalou Tomás Andino corretamente, um dos representantes da ala esquerda da UD: ‘A única coisa que pode salvar a situação é que a Resistência do Povo rompa o elo’. Primeiro de tudo, negando-se a reconhecer o acordo de Tegucigalpa e mobilizando-se para prevenir a farsa eleitoral da oligarquia no 29/11. Desta forma, nós estaríamos impedindo que o acordo satisfaça um de seus maiores objetivos, que é legitimar o golpe através de eleições e só desta maneira estaremos em condições de derrotar o regime golpista a médio prazo e lograr o objetivo de nossa luta: a Assembléia Constituinte” (Sítio CMI).




Como se vê a mesma esquerda partidária de que estava em curso uma revolução em Honduras, sem propor consignas próprias e necessárias de um processo revolucionário, como greve geral política de poder, ocupações de fábricas e terras, milícias operárias armadas, organismo de duplo poder para derrubar a ditadura e impor um governo operário e camponês, apontando como solução para a crise a convocação de uma constituinte, agora, depois da ofensiva golpista que impôs uma séria derrota à resistência e nas vésperas das eleições fraudulentas, chama as massas a boicotar as eleições para pressionar o “novo” governo a convocar... uma Assembléia Constituinte!!! Estamos diante de uma fórmula política que esses filisteus recorrem tanto para uma conjuntura de suposto ascenso revolucionário como a uma realidade de profunda derrota das massas, mas que deve sempre ser aplicada para impedir que os trabalhadores adotem um genuíno programa revolucionário, que passa neste momento pela convocação de um greve geral política como parte do boicote ativo para inviabilizar a farsa eleitoral.

GREVE GERAL E BOICOTE ATIVO PARA INVIABILIZAR AS ELEIÇÕES GOLPISTAS!

Agindo de forma preventiva, Micheletti, com apoio de Zelaya, anunciou que as FFAA reprimirão os que organizarem qualquer tipo de boicote mais violento: “O voto é uma obrigação constitucional e, por isso, procederemos legalmente contra todos aqueles que tentarem boicotar as eleições, tanto em palavra quanto de fato. Também processaremos quem sair na imprensa dizendo que não vai votar e quem fizer ou protagonizar escândalos nas mesas eleitorais. Vamos proceder séria e severamente conforme a lei, contra todos eles” (EFE, 21/11).


Os golpistas também ordenaram um desarmamento geral da população: “Decidimos por um desarmamento geral a partir de 23 de novembro, para que qualquer pessoa (que) possa prejudicar a vida dos demais ou provocar outras ações contra o processo eleitoral não o faça”, disse o ministro de Imprensa, Rafael Pineda Ponce e arrematou “Não importa se têm permissão, a arma será retida, naturalmente registrada e devolvida a seu dono (depois do pleito)” (Idem).

O chamado ao boicote ativo para inviabilizar as eleições fraudulentas, com a convocação de uma greve geral política e comitês de luta, faz parte do combate para a classe operária derrotar o golpe militar pela sua ação direta independente com o objetivo de construir uma alternativa revolucionária de poder dos trabalhadores. Só os trabalhadores com seus próprios métodos de luta podem defender as liberdades democráticas dentro do próprio regime burguês atacadas pelos generais e empresários. Estas devem ser defendidas pelos trabalhadores, através de sua ação direta, utilizando os seus próprios métodos como greves, paralisações, piquetes, ocupações de fábrica e terra, cortes de rua e controle dos trabalhadores das empresas capitalistas. Os explorados da cidade e do campo também devem se organizar para enfrentar a repressão em curso legitimada pelo co-governo. É necessário organizar comitês de autodefesa armados, construir milícias operárias, estudantis e camponesas que preparem o armamento geral da população para evitar massacres futuros e inviabilizar a manobra eleitoral em curso.


Desde a LBI lutamos pela derrota do golpe reacionário e denunciamos a farsa eleitoral. Em Honduras está colocada a convocação de uma verdadeira greve geral com a mais ampla mobilização da classe operária e das massas para derrotar o golpe de estado e pôr um fim ao circo burguês montado pelo imperialismo. Como parte desse combate, convocamos os trabalhadores para lutar por uma alternativa de classe, independente tanto da ultra-direita reacionária como da centro-esquerda burguesa representada pelo caudilho Zelaya, que não faz mais que preparar novas derrotas e visa manter intactas as instituições do regime.



domingo, 22 de novembro de 2009

CASO BATTISTI SERÁ DEBATIDO 3ª FEIRA, NO SINDICATO DOS JORNALISTAS DE SP


Celso Lungaretti 

... Serei um dos participantes do debate Cesare morto? CESARE LIVRE!, organizado pelo Comitê de Solidariedade a Cesare Battisti, que terá lugar no auditório do Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de São Paulo (rua Rego Freitas, 530 - sobreloja), terça-feira (24), às 18h30.



 
 
 


Aberto aos jornalistas e ao público em geral, o debate será transmitido ao vivo no Passa Palavra.

Além do Caso Battisti em si, estará em discussão a abordagem inacreditavelmente parcial e tendenciosa que lhe deu a grande imprensa brasileira e o papel que a internet começa a desempenhar, de alternativa para quem busca informação completa.


Se levasse em conta as boas práticas jornalísticas, a imprensa deveria oferecer espaço para o outro lado e conceder direito de resposta. Atualmente, ou ignora completamente as solicitações de ambos, ou as burla com expedientes matreiros.

P. ex., quando de um artigo tendenciosíssimo da Folha de S. Paulo, a que eu tinha total direito de responder como um dos personagens mais ligados ao tema em questão, o jornal encontrou a seguinte escapatória para negar-me espaço sem dar muito na vista: pinçou uma professora de uma universidade do interior, sem nenhuma vinculação real com aquele debate, para escrever um texto chôcho, nem sim, nem não, muito pelo contrário...

Minha resposta seria devastadora. A dela foi uma mera elocubração teórica, nem sequer apontando as falácias evidentes do artigo questionado.



Como as próprias votações no Supremo Tribunal Federal evidenciaram, o Caso Battisti é um dos mais polêmicos das últimas décadas. No entanto, quem o acompanha pela grande imprensa, fica com a imprensa de não haver dúvida nenhuma a respeito: o terrorista italiano matou quatro cidadãos angelicais e agora está sendo protegido pelos terroristas do Governo Lula. Fim de papo.



Deixa-se de informar aos leitores que, na sentença de 1979, Battisti (então réu presente) não foi condenado por nada disso, apenas por subversão contra o Estado.

Que o processo foi reaberto em 1987, a partir das delações premiadas do chefe do grupúsculo a que Battisti pertenceu, o Proletários Armados para o Comunismo.



Que o tal Mutti atirou sobre Battisti a culpa por crimes que ele próprio praticou, uma prática quase sempre impugnada pela Justiça.

Que só corroboraram as acusações de Mutti outros réus interessados nos favores da Justiça italiana.



Que os promotores, dando total crédito às fantasias interesseiras de Mutti (o qual, noutro processo, seria repreendido nas atas por um magistrado, pelas sucessivas mentiras desmascaradas), passaram pelo vexame de serem confrontados com a impossibilidade física de Battisti ser responsável por duas mortes a ele atribuídas, já que ocorreram com intervalo de duas horas em localidades que distavam 500 quilômetros. Então, simplesmente reescreveram a acusação, mantendo-o como autor direto de um dos homicídios e atribuindo-lhe autoria intelectual do outro (o do joalheiro Torregiani).


Que a acusação ousou apresentar testemunhas menores de idade e uma que evidenciava problemas mentais. Mesmo assim, foram acolhidas.

Que não foram feitas ou não foram apresentadas ao tribunal perícias obrigatórias num caso desses.


Que os defensores de Battisti já comprovaram, de forma irrefutável (laudo de respeitadíssima perita francesa), ter sido ele representado nesse julgamento por advogado que utilizou procuração adulterada e com quem ele tinha conflito de interesses.



Que, portanto, seu direito de defesa foi escamoteado, pois, foragido, não há prova real nenhuma de que Battisti tenha sequer tomado conhecimento da realização desse julgamento (a que foi aceita pelo tribunal, comprovou-se depois não passar de uma tosca falsificação).



Que, no julgamento de 1987, Battisti foi enquadrado numa lei instituída para combater a subversão contra o Estado e por ela condenado, o que a sentença cita nada menos do que 34 vezes, não havendo a mais remota alusão a crimes comuns (aliás, se fosse este o caso, cada um dos homicídios atribuídos a Battisti deveria julgado à parte, não os quatro de uma vez).



Que a Itália não combateu nem julgou de forma democrática os grupos de ultraesquerda, pois as torturas e as distorções jurídicas estão fartamente documentadas, inclusive em sucessivos relatórios da Anistia internacional.



Que a pena cujo cumprimento a Itália reclama já prescreveu, o que o ministro Marco Aurélio de Mello, em seu voto no STF, estabeleceu de forma definitiva.



Que os serviços secretos italianos tramaram o sequestro de Battisti em 2004, buscando mercenários para executarem a tarefa, mas estes acabaram recusando-a por discordarem do preço do "serviço" (e tudo acabou vazando para a imprensa);



Que membros de associação de carcereiros prometeram retaliar Battisti caso ele caia nas suas garras.

Que o ministro italiano da Defesa, Ignazio La Russa, neofascista notório (chegou a discursar em homenagem aos fascistas da República de Saló que enfrentaram as tropas aliadas), é inimigo pessoal de Battisti, pois se enfrentaram cara a cara em conflitos de rua da década de 1970, e agora dá declarações dúbias, insinuando, também, retaliações.



Tudo isto foi omitido dos leitores da grande imprensa, ou apresentado com ínfimo destaque.



Da mesma forma, a mídia esconde que, entre os juristas brasileiros (inclusive os luminares do Direito), a tendência predominante é favorável a Battisti.



Que a Lei do Refúgio brasileira é essenciamente humanitária, daí conter vários preceitos que impunham o reconhecimento de Battisti como tal, obrigando o relator Cezar Peluso a grotescas distorções factuais e malabarismos jurídicos para negar seu enquadramento em cada uma das situações que o beneficiavam.

Que as comissões respectivas da Câmara Federal e do Senado são contrárias à extradição.


Que, longe de serem apenas uma "ruidosa minoria", os defensores de Battisti são maioria entre quem tem acesso às versões dos dois lados - caso, p. ex., dos internautas.



Finalizando, quero citar um dos exemplos mais emblemáticos do viés tendencioso da grande imprensa.



A greve de fome de Battisti só foi noticiada perifericamente pela Folha de S. Paulo que, entretanto, escancarou espaço enorme para a greve de fome bufônica de um dirigente de associação de vítimas da ultraesquerda, exatamente como resposta à de Battisti.



Enquanto isso, ignorou olimpicamente o apelo de Anita Leocadia ao presidente Lula, no sentido de que não seja repetido o vergonhoso episódio da entrega de sua mãe, Olga Benário, para a morte nos cárceres nazistas, por decisão do STF e com a omissão de Getúlio Vargas (que não lhe concedeu clemência).



Assim como não deu uma linha sequer para o posicionamento de João Vicente Goulart, filho do presidente João Goulart, acusando o Supremo de colocar "o Brasil de joelhos diante da Itália".



Para qualquer pauteiro isento de uma imprensa de verdade, seria matéria obrigatória esta comparação entre o Caso Battisti e outros tão marcantes do passado, suscitada por personagens indiscutivelmente qualificados para os abordar.

Para a Folha, o que vale mesmo são os factóides italianos...

Celso Lungaretti












É Jornalista e Escritor



Disponível em: http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/2009/11/caso-battisti-sera-debatido-3-no.html

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Cesare Battisti e os 40 anos de 68


Artigo em solidariedade a Cesare Battisti
___________________________
Numa dessas quintas feiras. Dia de visita na Policia Federal de Brasília. O lugar não inspira muita confiança, claro. Policiais entram e saem, com as suas mais diversas caras e disfraces. Enquanto nós esperamos pela nossa hora.




15hrs. Passamos com duas sacolas cheias: 4 pacotes de biscoito, 4 pêras, 4 goiabas, 4 maçãs, algumas garrafas de suco, cigarros, 2 livros, 5 folhas de papel soltas, tudo isso até a proxima quinta. Entramos na sala onde vamos encontrar o motivo de estarmos ali. Do outro lado do vidro, do outro lado do interfone, está Cesare Battisti.

Cesare Battisti tem 53 anos e esta preso em Brasília fazem 10 meses. Passou boa parte da sua vida na clandestinidade. E isso por que, como nós agora, acreditou e acredita em um mundo novo.

Na Itália dos anos 70, Cesare integrou os PAC- Proletários Armados para o Comunismo, grupo de vertente autonomista e divergente da organização mais famosa da epoca - As Brigadas Vermelhas.




Diferentemente das Brigadas, os PAC não acreditavam no centralismo operário como o grande motor revolucionário. Vários dos seus membros já tinham participado de outras organizações armadas, mas as tinham deixado por discordarem dos princípios maoístas-leninistas, da linha divisória entre teoria e ação e da hierarquia tradicional dos partidos. Segundo Cesare, "os PAC queriam se diferenciar dos outros grupos rejeitando o nome de "organização". Eram apenas uma sigla, representativa de "novos" princípios. Qualquer desconhecido podia agir em nome dessa sigla, sem limites geográficos e com total autonomia. Éramos uma palavra de ordem, que poderia ser apropriada por qualquer sujeito revolucionário que recusasse a doutrina da tomada do poder, tal como era entendida na época."




Fascinado pelas idéias dos Pac, Cesare passou a integrá-los em 1976. Mas a sua participação não chegou a durar 2 anos completos. Quando as Brigadas Vermelhas assasinam a Aldo Moro, em 9 de maio de 1978, Cesare e outros/as integrantes passam a repensar o uso da violência como resistência e o próprio grupo.


Daí se tira novo slogan dos PAC: "Sim à defesa armada, não aos atentados que acarretem morte humana". Mas, pelas próprias características da organização - descentralização, autonomia dos coletivos - qualquer tipo de controle não se mostra muito efetivo. E é assim que alguns meses depois, um assassinato de um carcereiro em Milão é reivindicado por um grupo que se identifica também como PAC.




Com esse assassinato, vários/as integrantes dos PAC decidem que, nesse momento, não se podia continuar revindicando "meia luta armada", como pretendiam com o slogan. Era necessário deixá-la de vez. É e então que Cesare resolve não só sair do grupo, como também tentar disolvê-los, conversando vezes e vezes com seu ex-companheiro Pietro Mutti.




Anos depois, o mesmo Pietro Mutti que o chamou de traidor por essa tentativa de dissolução dos PAC, é preso, torturado, e se torna um "Arrependido". "Arrependidx" é como aquelxs guerrilheirxs que, depois de presxs pelo governo italiano, e em busca de redução de pena ou liberdade, optaram por colaborar com o governo, delatando ex companheirxs de luta.




Pietro Mutti foi um dos grandes organizadores e idealizadores dos PAC. Depois, vira um dos mais famosxs arrependidxs. Denunciou a tanta gente, que sua pena de prisão perpétua foi anulada e hoje ele está em liberdade. Contou tantas histórias diferentes, que chegou a ser ameaçado pelo governo de ser devolvido as celas junto com seus ex-companheirxs se não maneirasse nas invenções.




Pois é esse Pietro Mutti que denuncia a Cesare como autor de 4 homicídios. Apenas um deles aconteceu quando Cesare estava na organização. Dois deles aconteceram simultaneamente, só que em lugares que distam 500 km um do outro (assim que, ao final, Cesare foi acusado de executor de um e idealizador de outro). Cesare foi julgado pelos 4 homicídios na Itália, a revelia, e condenado a prisão perpétua.





Quatorze anos atrás, quando estava refugiado na França, a Itália pediu sua extradição. O processo é julgado e a extradição negada. Cesare passa então a viver em Paris.





Em 2006, no entanto, a Itália pede outra vez a extradição de Bastiti à França. Batistti é preso e uma grande campanha, inclusive da mídia corporativa, pede para que ele seja solto. Várias milhares de mobilizações são feitas pela sua liberdade.





De uma hora para outra, de acordo com o relato do proprio Cesare em seu livro, a grande mídia começa a mudar sua posição. O antes injusticado italiano, que estava sendo julgado duas vezes sem que o processo apresentasse nenhum elemento novo, passa a ser retratado por todos os grandes jornais como um assassino cruel, um terrorista, um monstro. A extradição é concedida no dia 30 de junho.





Alguns meses depois, um jornal italiano publica o que se sabia sobre a negociação com a França pela extradição de Battisti. Segundo o redator, em troca da extradição, a Itália estava assinando um acordo para a linha Lyon-Turim do TGV (trem bala), prometia uma participação na compra do Airbus e um sim ao novo tratado constitucional europeu.





A vida inteira de um homem tinha sido negociada.




Cesare, com algum apoio, foge pro Brasil. Fica algum tempo em liberdade, no Rio, até que é preso outra vez em março do ano passado. A Itália então pede a extradição ao Brasil.





Só 10 meses depois de sua prisão Cesare passa por seu primeiro interrogatório. Foi aí que nós o vimos pela primeira vez, cobrindo o interrogatorio para o Centro de Mídia Independente. Até então, o processo não tinha andado e Cesare seguia confinado na Policia Federal de Brasília.





A pregunta que Cesare se faz todo o tempo no seu livro, "porque eu?", ele sabe responder bem na entrevista que fazemos com ele: "Eles nunca me calaram. Uma das imagens que tem de mim é que eu estive todo esse tempo fugindo, me escondendo. Mas eu nunca deixei de atuar políticamente, mesmo que de maneira mínima."



Os seus livros são uma voz rebelde contra o esquecimento ao qual os poderosos da Itália querem relegar à decada de 70, quando não havia uma ditadura oficial instaurada, mas uma série de praticas fascistas, grupos paramilitares e terroristas pagos pelo governo, prisões, torturas de ativistas politicos. "Dos atentados a bomba perpetrados por certos departamentos de Estado, ninguém falava. As ações mortíferas de extrema direita, os golpes de estado organizados pela famosa Loggia P2 - de que fizeram parte o atual chefe do governo e seu ministro do interior - tudo isso tinha sido apagado." Sua voz não deixa esquecer.



Cesare agora está escrevendo o terceiro livro da trilogía que conta essa parte da sua vida, a de eterno clandestino político. "Minha Fuga Sem Fim" é o primeiro e já foi lançado, o segundo esta detido com a Polícia Federal de Brasilia, dentro do computador de Cesare. O terceiro, ele escreve pouco a pouco, com as 5 folhas que tem direito por semana.




"Este tempo na cadeia tem servido de reflexão. Uma maneira de avaliar, de maneira mais distante, o que aconteceu há 30 anos atrás."


E justo neste ano, se comemoram 40 anos do maio de 68. O ano que marcou por sua rebeldia, em que explodiram rebeliões na Europa e em especial na França, a geração da qual Cesare fez parte.

"O meu caso não pode ser analisado isoladamente. Temos que aproveitar esse caso para falar de tudo o que se conquistou em 68. As vezes fica a impressão de que tudo o que foi conquistado foi dado pelos governos. Os governos não nos deram nada de presente, tudo o que se conquistou foi pago com a vida e com a morte. Quando se pensa em 68, logo se associam imagens de guerrillas, terrorismo. A guerrilha foi uma pequena parte de tudo o que aconteceu. O movimento de 68 era um movimento de gente que queria viver, e não morrer. De Chumbo eram os anos deles. Os nossos eram os anos de amor".


A 40 anos de 68, aqueles momentos não pertencem nem aos governos, que revindicam as conquistas como benesses, nem àqueles e àquelas que participaram ativamente de tudo, mas que trocaram a atuação pelas "doces memorias de juventude".




1968 pertence a gente como Cesare, que com "um monte de amor que me acompanhava por toda parte, até na mais infame das celas italianas, tinha me ajudado a amar mais e, principalmente, a não baixar a cabeça." Gente que não desistiu e não desiste, mesmo em momentos de refluxo. Aos e às zapatistas, aos e as piqueterxs, aos e às okupas, às Casas das Pombas, às barricadas de Oaxaca, aos e às catraqueirxs, aos e às sem terra, desempregadxs, a todos e todas que nao abandonaram o sonho e a luta por um mundo novo.


Texto extraido de: http://cesare.revolt.org/