Todo dia 7 de setembro é motivo de festejos e alegrias para o povo brasileiro.
Mas este dia sete de setembro de 2007 me remeteu ao passado e fez com que eu não deixasse de comentar aquilo que durante muitos anos ficou reprimido nos meus sentimentos, dentro da minha cabeça e no gene mental da minha consciência política.
Hoje eu não tive coragem de ligar a televisão, o radio, ou de ler jornais.
Decididamente não estava querendo saber nada sobre as comemorações do dia da Independência do Brasil.
Todos nós temos um dia que marca a nossa vida, seja lá qual for o motivo, e eu não sou diferente de ninguém.
Por isso decidi trazer a tona esta historia que vivenciei de corpo presente nos idos dos anos 70. Era o ápice da Ditadura Militar e dos seus projetos mirabolantes de construção da Transamazônica, das usinas de Itaipu bi-nacional etc.
Na Indochina, os Vietcongs estavam próximos de imporem uma derrota humilhante aos invasores norte americano. E, na contramão de tudo, os russos buscavam a implementação da “Détente” enquanto os americanos apostavam no sucesso do SALT II. Era a chamada “Guerra Fria” em constante ebulição.
Neste sentido, os Vietcongs avançavam para a vitória final que alteraria sensivelmente a formatação da geopolítica no planeta. Suas técnicas de luta em guerra de guerrilhas, de vencer o inimigo pela exaustão e na luta permanente, estavam sendo disseminadas e aplaudidas, mas também temidas por vários Exércitos do mundo inteiro.
O todo poderoso Exercito norte americano sentiram na pele e foram à cobaia destes experimentos. Aqui no Brasil, o nosso Exercito, comandado pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM, saiu na dianteira aperfeiçoando e associando estas novas técnicas de guerrilhas com as já existentes e, aplicou a da guerrilha dos Vietcongs no uso de “Armadilhas Punji”.
Na verdade, isto caiu como luvas num país de grandes florestas como a nossa Amazônia, e de dimensões continentais como o Brasil.
Não havia um único exercício militar de Sobrevivência, Assalto e Guerrilhas que eu tenha participado, e que não tivéssemos praticado as técnicas Vietcongs com o uso de armadilhas de “Estacas Punji” do tipo “Teto Baiano”, “Muro Malaio”, “Fura Cara”, “Quebra Canelas”, “Tiro Amarrado” etc. No Brasil, desde o inicio dos anos 70, estava aumentando a resistência popular contra a Ditadura Militar.
No mesmo período, o Exercito vinha ampliando a criação dos Batalhões de Infantaria de Selva, na formação de novas Companhias de Operações Especiais, de Batalhões de Pára-quedistas e de Destacamentos de fronteira.
Na verdade, o “gene” proliferador dessa expansão estratégica, era representado por oficiais e graduados formados nos Cursos de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva do CIGS, nas Brigadas Pára-quedista do Rio de Janeiro e também nos Grupamentos de Fuzileiros Navais da Marinha de Guerra. A Aeronáutica dava suporte em todas as operações realizadas.
Mas este dia sete de setembro de 2007 me remeteu ao passado e fez com que eu não deixasse de comentar aquilo que durante muitos anos ficou reprimido nos meus sentimentos, dentro da minha cabeça e no gene mental da minha consciência política.
Hoje eu não tive coragem de ligar a televisão, o radio, ou de ler jornais.
Decididamente não estava querendo saber nada sobre as comemorações do dia da Independência do Brasil.
Todos nós temos um dia que marca a nossa vida, seja lá qual for o motivo, e eu não sou diferente de ninguém.
Por isso decidi trazer a tona esta historia que vivenciei de corpo presente nos idos dos anos 70. Era o ápice da Ditadura Militar e dos seus projetos mirabolantes de construção da Transamazônica, das usinas de Itaipu bi-nacional etc.
Na Indochina, os Vietcongs estavam próximos de imporem uma derrota humilhante aos invasores norte americano. E, na contramão de tudo, os russos buscavam a implementação da “Détente” enquanto os americanos apostavam no sucesso do SALT II. Era a chamada “Guerra Fria” em constante ebulição.
Neste sentido, os Vietcongs avançavam para a vitória final que alteraria sensivelmente a formatação da geopolítica no planeta. Suas técnicas de luta em guerra de guerrilhas, de vencer o inimigo pela exaustão e na luta permanente, estavam sendo disseminadas e aplaudidas, mas também temidas por vários Exércitos do mundo inteiro.
O todo poderoso Exercito norte americano sentiram na pele e foram à cobaia destes experimentos. Aqui no Brasil, o nosso Exercito, comandado pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM, saiu na dianteira aperfeiçoando e associando estas novas técnicas de guerrilhas com as já existentes e, aplicou a da guerrilha dos Vietcongs no uso de “Armadilhas Punji”.
Na verdade, isto caiu como luvas num país de grandes florestas como a nossa Amazônia, e de dimensões continentais como o Brasil.
Não havia um único exercício militar de Sobrevivência, Assalto e Guerrilhas que eu tenha participado, e que não tivéssemos praticado as técnicas Vietcongs com o uso de armadilhas de “Estacas Punji” do tipo “Teto Baiano”, “Muro Malaio”, “Fura Cara”, “Quebra Canelas”, “Tiro Amarrado” etc. No Brasil, desde o inicio dos anos 70, estava aumentando a resistência popular contra a Ditadura Militar.
No mesmo período, o Exercito vinha ampliando a criação dos Batalhões de Infantaria de Selva, na formação de novas Companhias de Operações Especiais, de Batalhões de Pára-quedistas e de Destacamentos de fronteira.
Na verdade, o “gene” proliferador dessa expansão estratégica, era representado por oficiais e graduados formados nos Cursos de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva do CIGS, nas Brigadas Pára-quedista do Rio de Janeiro e também nos Grupamentos de Fuzileiros Navais da Marinha de Guerra. A Aeronáutica dava suporte em todas as operações realizadas.
Durante esta expansão, o Governo Militar aprofundava a repressão contra os grupos de resistência armada no Araguaia e também estabelecia uma forte ação contra as células da resistência urbana.
Com esta investida, a situação torna-se explosiva em várias unidades militares. E foi justamente neste período da historia, que me vi dentro do epicentro político e ideológico ali estabelecido.
Na unidade militar onde eu servia aquele sete de setembro de 1973, tinha sido um dia atípico em todos os sentidos, e fatalmente, tornara-se um prelúdio do que viria acontecer.
Com esta investida, a situação torna-se explosiva em várias unidades militares. E foi justamente neste período da historia, que me vi dentro do epicentro político e ideológico ali estabelecido.
Na unidade militar onde eu servia aquele sete de setembro de 1973, tinha sido um dia atípico em todos os sentidos, e fatalmente, tornara-se um prelúdio do que viria acontecer.
O nosso dia começou as 03h30min da manhã e parecia que nunca acabaria, foi uma eternidade. Acordamos no horário conforme havia sido programado no dia anterior. Rapidamente e de forma ordenada, tratamos de tomar banho, fazer a barba e vestir nosso uniforme.
Oficiais, graduados e praças se vestiam com coturnos especiais e impermeáveis de couro e lona com sobre-sola de aço, uniforme camuflado ou verde oliva, com suas boinas e emblemas estampados.
Na verdade, de acordo com a especialidade de cada um dentro daquela unidade de Operações Especiais. O entusiasmo da maioria era visto na velocidade dos preparativos.
Esta era a 2a Companhia de Oprações Especiais do 18o Batalhão de Infantaria Motorizada (Porto Alegre/RS) conhecida naquele período da história do Brasil como a melhor e mais preparada unidade de elite do III Exército, que abrange os Estados do RS, SC e PR.
Aquele dia, aparentemente pareceria ser um dia normal como qualquer outro, exceto por ser o dia da comemoração da Independência do Brasil, o que pra nós na condição de cidadão seria motivo de orgulho em poder participar.
Enfim, estávamos todos preparados para o evento que como sempre, era mais uma oportunidade das Forças Armadas do Brasil e do Governo Militar de mostrarem a sua organização, disciplina e poderio bélico. Alias, este era um dia tipicamente de atividades cívico-militar que faria uma boa propaganda da coesão e do controle do país pela Ditadura.
E, há muito tempo, eu já estava posicionado contra aquele estado de coisas (sic).
Na vida militar, ninguém tem hora certa para dormir ou acordar a seu bel prazer como na vida civil. Tudo é feito com muita disciplina e o militar tem que estar sempre preparado pra qualquer situação, a qualquer momento e em qualquer lugar.
Naquele dia 7 de setembro de 1973, foi muito diferente. Muitos dos nossos amigos e companheiros de farda demonstraram não estarem preparados para aquilo que internamente teria sido apenas uma fatalidade? Após as viaturas estarem simetricamente organizadas, fizemos uma ultima revista nos armamentos e nos apetrechos que usaríamos no desfile militar.
Essa é uma regra a ser seguida por qualquer unidade, e por se tratar de uma especializada em contra guerrilhas e de assalto, fazíamos o uso continuo de munição real num estado permanente de prontidão. Aos integrantes das outras unidades, este quesito era uma prerrogativa somente dos chamados “soldados do núcleo base ou prontos” ou quando estivessem em serviço.
No nosso caso, o mais novo integrante tinha no mínimo dois anos de serviço dentro da força. Seguindo no relato, já era cerca de 05h30min e após as viaturas iniciarem o deslocamento, pude observar atentamente o tamanho do aparato de combate ali concentrado.
Era fenomenal a quantidade daquele contingente sui gêneris e, fortemente armados e municiados que integrava a 2a Cia OP. Na carroceria de cada caminhão, por cima da cabine, estava postada num mono pé, uma metralhadora Browning ponto 50 de alto poder de fogo, (suficiente para derrubar helicópteros ou aeronaves de pequeno porte) e que estavam municiadas com cerca de mil projeteis.
Cada elemento de nossa viatura dispunha de um FAL (Fuzil Automático Leve) com 60 cartuchos, sendo 20 no carregador da arma e quarenta no cinto VO.
Outros elementos dispunham do FAP (Fuzil Automático Pesado), ou carregavam consigo os morteiros 81 mm com placas base e granadas. Havia também o transporte de dois canhões 57 mm. Os oficiais e os graduados portavam as metralhadoras Beretta 9 mm (recém incorporadas) e pistolas Colt 45.
Ainda compondo o arsenal individual e básico, uma faca de trincheira, duas granadas defensivas ou ofensivas e uma fulmigena, além de ração operacional para dois dias de combate. O nosso comboio era formado por 10 caminhões, sendo 8 de transporte de tropas, 1 de combustível e outro de suprimentos.
Além disso, acompanhava uma viatura do tipo “pipa d’água”, mais 4 pick-up’s armadas com uma metralhadora Browning ponto 50, cada uma ou as recém incorporadas e poderosíssimas metralhadoras MAG 7,62 (fabricação belga 1972) e ainda mais dois jipes sendo um com o comandante da companhia e outro de apoio e comunicações.
Também pude observar a diversidade de armamentos em outras viaturas do Batalhão, e dentre estes, eu pude visualizar em algumas viaturas da 1a Cia de fuzileiros (tropa regular) as já absoletas, mas mortíferas metralhadoras “Madsen” calibre 7,62 (padrão OTAN).
Estas metralhadoras de fácil transporte foram usadas em guerrilha e também como aramas antiaéreas por pequenos grupos de combate em vários conflitos pelo mundo afora, incluindo aí a guerra de Biafra na África.
Essas armas faziam parte do arsenal de muitos Exércitos do Cone Sul, e dispunham de um carregador na parte superior e um espalha chama que lembra um funil, na boca do cano de saída.
Passados alguns minutos de nossa saída pelo portão das armas nos fundos da unidade, entramos diretamente na Avenida Ipiranga. Já estávamos na altura da antiga fabrica de moveis Santa Cecília e no meio de uma curva acentuada, foi quando comentei (sem sair daquela posição uniforme) ao meu amigo Lima o seguinte:
Oficiais, graduados e praças se vestiam com coturnos especiais e impermeáveis de couro e lona com sobre-sola de aço, uniforme camuflado ou verde oliva, com suas boinas e emblemas estampados.
Na verdade, de acordo com a especialidade de cada um dentro daquela unidade de Operações Especiais. O entusiasmo da maioria era visto na velocidade dos preparativos.
Esta era a 2a Companhia de Oprações Especiais do 18o Batalhão de Infantaria Motorizada (Porto Alegre/RS) conhecida naquele período da história do Brasil como a melhor e mais preparada unidade de elite do III Exército, que abrange os Estados do RS, SC e PR.
Aquele dia, aparentemente pareceria ser um dia normal como qualquer outro, exceto por ser o dia da comemoração da Independência do Brasil, o que pra nós na condição de cidadão seria motivo de orgulho em poder participar.
Enfim, estávamos todos preparados para o evento que como sempre, era mais uma oportunidade das Forças Armadas do Brasil e do Governo Militar de mostrarem a sua organização, disciplina e poderio bélico. Alias, este era um dia tipicamente de atividades cívico-militar que faria uma boa propaganda da coesão e do controle do país pela Ditadura.
E, há muito tempo, eu já estava posicionado contra aquele estado de coisas (sic).
Na vida militar, ninguém tem hora certa para dormir ou acordar a seu bel prazer como na vida civil. Tudo é feito com muita disciplina e o militar tem que estar sempre preparado pra qualquer situação, a qualquer momento e em qualquer lugar.
Naquele dia 7 de setembro de 1973, foi muito diferente. Muitos dos nossos amigos e companheiros de farda demonstraram não estarem preparados para aquilo que internamente teria sido apenas uma fatalidade? Após as viaturas estarem simetricamente organizadas, fizemos uma ultima revista nos armamentos e nos apetrechos que usaríamos no desfile militar.
Essa é uma regra a ser seguida por qualquer unidade, e por se tratar de uma especializada em contra guerrilhas e de assalto, fazíamos o uso continuo de munição real num estado permanente de prontidão. Aos integrantes das outras unidades, este quesito era uma prerrogativa somente dos chamados “soldados do núcleo base ou prontos” ou quando estivessem em serviço.
No nosso caso, o mais novo integrante tinha no mínimo dois anos de serviço dentro da força. Seguindo no relato, já era cerca de 05h30min e após as viaturas iniciarem o deslocamento, pude observar atentamente o tamanho do aparato de combate ali concentrado.
Era fenomenal a quantidade daquele contingente sui gêneris e, fortemente armados e municiados que integrava a 2a Cia OP. Na carroceria de cada caminhão, por cima da cabine, estava postada num mono pé, uma metralhadora Browning ponto 50 de alto poder de fogo, (suficiente para derrubar helicópteros ou aeronaves de pequeno porte) e que estavam municiadas com cerca de mil projeteis.
Cada elemento de nossa viatura dispunha de um FAL (Fuzil Automático Leve) com 60 cartuchos, sendo 20 no carregador da arma e quarenta no cinto VO.
Outros elementos dispunham do FAP (Fuzil Automático Pesado), ou carregavam consigo os morteiros 81 mm com placas base e granadas. Havia também o transporte de dois canhões 57 mm. Os oficiais e os graduados portavam as metralhadoras Beretta 9 mm (recém incorporadas) e pistolas Colt 45.
Ainda compondo o arsenal individual e básico, uma faca de trincheira, duas granadas defensivas ou ofensivas e uma fulmigena, além de ração operacional para dois dias de combate. O nosso comboio era formado por 10 caminhões, sendo 8 de transporte de tropas, 1 de combustível e outro de suprimentos.
Além disso, acompanhava uma viatura do tipo “pipa d’água”, mais 4 pick-up’s armadas com uma metralhadora Browning ponto 50, cada uma ou as recém incorporadas e poderosíssimas metralhadoras MAG 7,62 (fabricação belga 1972) e ainda mais dois jipes sendo um com o comandante da companhia e outro de apoio e comunicações.
Também pude observar a diversidade de armamentos em outras viaturas do Batalhão, e dentre estes, eu pude visualizar em algumas viaturas da 1a Cia de fuzileiros (tropa regular) as já absoletas, mas mortíferas metralhadoras “Madsen” calibre 7,62 (padrão OTAN).
Estas metralhadoras de fácil transporte foram usadas em guerrilha e também como aramas antiaéreas por pequenos grupos de combate em vários conflitos pelo mundo afora, incluindo aí a guerra de Biafra na África.
Essas armas faziam parte do arsenal de muitos Exércitos do Cone Sul, e dispunham de um carregador na parte superior e um espalha chama que lembra um funil, na boca do cano de saída.
Passados alguns minutos de nossa saída pelo portão das armas nos fundos da unidade, entramos diretamente na Avenida Ipiranga. Já estávamos na altura da antiga fabrica de moveis Santa Cecília e no meio de uma curva acentuada, foi quando comentei (sem sair daquela posição uniforme) ao meu amigo Lima o seguinte:
- Pô Lima, ta faltando mesmo é alguma ação de verdade, quem sabe alguns tirinhos pra gente queimar a adrenalina né?
E sem se mexer do lugar, o meu amigo Lima respondeu:
- É mesmo Carlos Alberto, ia ser muito legal, isso ia agitar a rapaziada he he.
Não demorou mais que 10 segundos do nosso comentário quando escutei a primeira metralhada, imediatamente me abaixei num instinto de sobrevivência, o Lima fez o mesmo, mas outros, alguns eu pude ver, permaneceram imóveis.
Ë tudo muito rápido e de impulsos automáticos. Num primeiro instante pensei que estávamos sendo atacados? Fiquei confuso por fração de segundos quando visualizei de onde viam os tiros, vi claramente a aquele ponto de fogo em nossa direção.
A metralhada partia do topo de um caminhão da 1a Cia de fuzileiros que vinha atrás do nosso último caminhão. Talvez por sorte de estarmos exatamente no ponto alto da curva é que escapamos de ser atingidos, mas o mesmo não aconteceu com o caminhão que estava na nossa frente.
Em todos os treinamentos que havia recebido durante a minha passagem pelo Exercito, aquela situação me levaria a responder instantaneamente, aliás, a todos nós. Imediatamente várias viaturas de nossa companhia frearam, e outras ficaram quase que de lado em posição de combate. Cheguei a preparar o meu FAL em posição de tiro e com a intenção de pular da viatura, quando repentinamente escutei uma gritaria horrenda e generalizada.
O meu amigo Lima estava incrédulo diante do acontecido. Num primeiro instante não conseguia falar nada, ficou com os olhos esbugalhados e cara de pavor com o que acabara de ver. Os gritos vinham do caminhão de nossa companhia que estava bem a nossa frente, havia muitos companheiros estirados na viatura e gemendo de dores, completamente ensangüentados.
Num passar de segundos escutei a voz de comando do Tenente Siqueira (Oficial R/1-Selva), um jovem carioca de 24 anos que comandava nosso pelotão na companhia, e que bem alto gritava: Ninguém desce das viaturas que já estamos iniciando os procedimentos e fiquem calmos que está tudo sobre controle? Neste momento eu vejo o meu amigo Soldado Rosa nos braços do Ten Siqueira e auxiliado pelo Sargento Lopes carregando nosso companheiro com o peito todo ensangüentado e, o que senti naquele momento é que ele já não estava mais aqui.
O Rosa era um sarará bem forte, se destacava muito nas missões que eram confiadas a ele, era o tipo de sujeito militarmente de confiança. Participávamos juntos dos treinamentos de combate corpo a corpo e dos ensinamentos de Karatê do estilo Wadô que recebíamos na 2a Cia OP do então campeão mundial da modalidade no ano de 1972, o mestre paulista e professor Luis Watanabe que estava radicado em Porto Alegre e tornara-se instrutor oficial de varias unidades de elite do Exercito.
O mestre Watanabe tinha varias academias em Porto Alegre, e eu cheguei a treinar algumas vezes numa dessas que ficava no Bairro Cidade Baixa, muito próximo da Avenida João Pessoa, mas não estou lembrado do nome da rua.
O nosso companheiro Rosa também tinha o seu lado descontraído, muitas vezes nós saiamos juntos com outros companheiros para aquilo que hoje a rapaziada chama de “balada”. O camarada Rosa era um sujeito muito extrovertido.
Fizemos parte duma turma num cursinho preparatório ao Curso de Formação de Sargentos. Estas lembranças eu guardo até hoje. Logo atrás da tentativa de salvarem o meu amigo, passou correndo outro grupo de oficiais e Sgtos de nossa Cia carregando mais uns feridos e neste momento também reconheceram o meu amigo Soldado Paixão (nome de guerra) com o pescoço e o rosto virado (sic) em puro sangue, o SD Paixão ainda se mexia e gemia muito. Soube mais tarde que o SD Paixão tinha levado um tiro que tirou um pedaço do seu queixo e outro transfixou o seu braço esquerdo.
A seguir várias viaturas de pequeno porte se enfileiraram e saíram em disparada levando os diversos feridos e os prováveis mortos em direção ao HGPA (Hospital de Guarnição de Porto Alegre). Apesar da confusão e do estado emocional que vivia naquele instante, consegui observar o grau de organização e disciplina que tínhamos apresentado diante daquela situação.
Aquela era uma situação inimaginável por todos nós e do qual jamais havíamos previsto, ou seja, sofrer um ataque de forças supostamente amigas?
Nosso comboio ficou parado não mais que 10 minutos, foi quando recebemos ordens de prosseguir em direção ao local do desfile. Foi muito difícil ver e, ter que suportar o estado emocional de nossa tropa frente ao acontecido.
Nunca tinha visto e, mesmo em outras situações semelhantes, ter que desfilar e compartilhar com os olhos cheios de lagrimas o sofrimento coletivo pela perda prematura de amigos. O dever imposto pela circunstancia nos colocava perfilados de forma mecânica diante de uma população alegre e ansiosa por assistir o desfile militar.
Não se comentava nada do acontecido, que, aliás, nem era permitido em conformidade com o RGE (Regulamento Geral do Exercito). A imprensa escrita ou televisiva local, não divulgou nenhuma linha sequer a respeito do fato.
Os oficiais e comandantes de pelotões de nossa companhia e das outras que compunham o 18o B.I. Mtz estavam tão incrédulos quanto ao restante da tropa e, agiam como se nada tivesse acontecido. Mas ninguém é de ferro, e de volta ao desfile logo após deixar nossos companheiros aos cuidados da corporação médica, pude observar o Tenente Siqueira fazendo um esforço descomunal para esconder as lágrimas, afinal, ele conhecia cada um de seus comandados.
O desfile continuou com os aplausos da população que enchia todos os espaços possíveis para assistir a nossa passagem e, festejar o dia da independência do país. De volta ao 18o Batalhão e durante a formatura da tropa, os murmúrios começaram de forma sutil.
O Coronel Brochado (sic) comandante do Batalhão fez um discurso elogioso ao nosso comportamento, mas nada nos confortaria ou acalmaria. Sobre o ocorrido, seus argumentos não me convenceram, ou seja, explica, mas não justifica.
Ninguém podia comentar o acontecimento, mas segurar a boca e a ansiedade da tropa era praticamente impossível. As primeiras informações corriam de maneira dispersa, mas eu particularmente só queria saber o nome do elemento que estava no comando daquela “Metralhadora Madsen”, que no meu entendimento e de outros companheiros, fora postado propositadamente para nos provocar o maior número de baixas possíveis, que alias, aparentemente seria fácil de dissimular.
Uma das maneiras era o de interpretar como se fosse algum acidente provocado pelo manuseio de um praça aparentemente despreparado.
Mas Isto não me convenceria o suficiente pra que eu tivesse este entendimento, já que ali naquele Batalhão, estava a Companhia número 1 do III Exercito. A sorte me ajudou, e eu consegui ver a cara do assassino dos meus amigos dentro da 2a Seção (de informações e contra informações) do Batalhão.
Ele conversava com o oficial encarregado do IPM, (Inquérito Policial Militar) e eu o reconheci. Este sujeito já era um soldado pronto, eu já tinha cruzado por ele em algum lugar dentro do quartel, mas não me lembrava onde, talvez pudesse ter sido na barbearia, na alfaiataria ou mesmo no Rancho do quartel, mas enfim, que importância ou, no que resolveria lembrar-me onde havia visto aquele canalha?
O tal sujeito, vergonhosamente havia sido apresentado como um integrante do período de formação, êpa (sic) se o bandido era um recruta (não era verdade) por que raios ele foi designado ao comando daquela metralhadora?
Dizem que o FDP ficou preso apenas por 30 dias. Tive vontade de “arrancar” as entranhas daquele covarde ou, de “empalar” o desgraçado.
O nosso ódio pelo sujeito era tão grande que seriamos capazes de arrancar ele e seus protetores da toca, como se arranca um tatu em fuga. Os facínoras se comportavam como se o acontecido tivesse sido apenas um acidente, ou mesmo uma fatalidade.
Mas o nosso grupo sabia o que verdadeiramente tinha sido armado. Após o incidente? A escala de serviços sofreu mudanças, e encerrado o IPM, o canalha nunca mais foi visto na unidade. Mas seguramente fora transferido e até mesmo promovido por aquela façanha macabra. Os motivos daquele suposto incidente (?), pra mim seriam fáceis de entender.
Vários integrantes de nossa unidade passaram por treinamentos especializados, fortes e contínuos com o objetivo de integrarem as forças do Exercito no combate a Guerrilha do Araguaia e em outras frentes no país. Essa tarefa já estava sendo vista como se fossem mandar a “Raposa cuidar das galinhas”.
Esta situação já é histórica no Brasil. Muitos militares e ex-militares integraram grupos de guerrilhas e de resistência em várias épocas da historia política do país. Sem fazer comparações ideológicas ou partidárias, posso citar o líder Osvaldão do Exercito do Povo no Araguaia (Ex-Oficial R/2 do Exercito Brasileiro), O Capitão do Exercito e ex-Senador Luis Carlos Prestes do PCB e que comandou a “Coluna Prestes”, O Ex Tenente (Expedicionário) Salomão Malina (um dos líderes da ala militar do PCB), o também Capitão do Exercito Carlos Lamarca, líder maior da VPR (Vanguarda Popular Revolucionara), e tantos outros oficiais, graduados e praças das Forças Armadas, que com suas vidas, construíram a historia da resistência no Brasil.
Na continuidade do relato, o comandante do “Pelotão assassino” da 1a Cia de Fuzileiros tinha sido exatamente o 1o comandante de meu pelotão na 2a Cia Op, depois do acontecido, eu nunca mais vi o 2o Ten R/1 Demo, nem mesmo durante todo o restante do tempo que permaneci no 18o B. I. Mtz (fui considerado desertor em 14 de junho de 1974).
Este foi justamente o oficial encarregado de direcionar os praças aptos a assumirem o comando das metralhadoras prontas para o desfile.
O Tenente “Demo” (apelido do oficial) tinha sido um dos melhores alunos do curso de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva que são ministrados pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM, e, isto fazia dele uma referencia no nosso adestramento. Sob o comando deste oficial, eu fui um dos alunos bem sucedidos no Curso de Sobrevivência, Guerrilhas, Operações Especiais e também no de embarque e desembarque de Aeronaves em movimento que foi realizado no 5o ETA (Esquadrão de Transporte Aéreo) da Base Aérea de Canoas/RS.
Putz, mas este Curso foi uma loucura mesmo, dizer que pulamos e embarcamos com todos os apetrechos de combate num avião em movimento é coisa de outro mundo, mas para o Exercito, é o momento oportuno de desembarcar tropas de elite num aeroporto ou território eventualmente ocupado por tropas inimigas.
Ë tudo muito rápido e de impulsos automáticos. Num primeiro instante pensei que estávamos sendo atacados? Fiquei confuso por fração de segundos quando visualizei de onde viam os tiros, vi claramente a aquele ponto de fogo em nossa direção.
A metralhada partia do topo de um caminhão da 1a Cia de fuzileiros que vinha atrás do nosso último caminhão. Talvez por sorte de estarmos exatamente no ponto alto da curva é que escapamos de ser atingidos, mas o mesmo não aconteceu com o caminhão que estava na nossa frente.
Em todos os treinamentos que havia recebido durante a minha passagem pelo Exercito, aquela situação me levaria a responder instantaneamente, aliás, a todos nós. Imediatamente várias viaturas de nossa companhia frearam, e outras ficaram quase que de lado em posição de combate. Cheguei a preparar o meu FAL em posição de tiro e com a intenção de pular da viatura, quando repentinamente escutei uma gritaria horrenda e generalizada.
O meu amigo Lima estava incrédulo diante do acontecido. Num primeiro instante não conseguia falar nada, ficou com os olhos esbugalhados e cara de pavor com o que acabara de ver. Os gritos vinham do caminhão de nossa companhia que estava bem a nossa frente, havia muitos companheiros estirados na viatura e gemendo de dores, completamente ensangüentados.
Num passar de segundos escutei a voz de comando do Tenente Siqueira (Oficial R/1-Selva), um jovem carioca de 24 anos que comandava nosso pelotão na companhia, e que bem alto gritava: Ninguém desce das viaturas que já estamos iniciando os procedimentos e fiquem calmos que está tudo sobre controle? Neste momento eu vejo o meu amigo Soldado Rosa nos braços do Ten Siqueira e auxiliado pelo Sargento Lopes carregando nosso companheiro com o peito todo ensangüentado e, o que senti naquele momento é que ele já não estava mais aqui.
O Rosa era um sarará bem forte, se destacava muito nas missões que eram confiadas a ele, era o tipo de sujeito militarmente de confiança. Participávamos juntos dos treinamentos de combate corpo a corpo e dos ensinamentos de Karatê do estilo Wadô que recebíamos na 2a Cia OP do então campeão mundial da modalidade no ano de 1972, o mestre paulista e professor Luis Watanabe que estava radicado em Porto Alegre e tornara-se instrutor oficial de varias unidades de elite do Exercito.
O mestre Watanabe tinha varias academias em Porto Alegre, e eu cheguei a treinar algumas vezes numa dessas que ficava no Bairro Cidade Baixa, muito próximo da Avenida João Pessoa, mas não estou lembrado do nome da rua.
O nosso companheiro Rosa também tinha o seu lado descontraído, muitas vezes nós saiamos juntos com outros companheiros para aquilo que hoje a rapaziada chama de “balada”. O camarada Rosa era um sujeito muito extrovertido.
Fizemos parte duma turma num cursinho preparatório ao Curso de Formação de Sargentos. Estas lembranças eu guardo até hoje. Logo atrás da tentativa de salvarem o meu amigo, passou correndo outro grupo de oficiais e Sgtos de nossa Cia carregando mais uns feridos e neste momento também reconheceram o meu amigo Soldado Paixão (nome de guerra) com o pescoço e o rosto virado (sic) em puro sangue, o SD Paixão ainda se mexia e gemia muito. Soube mais tarde que o SD Paixão tinha levado um tiro que tirou um pedaço do seu queixo e outro transfixou o seu braço esquerdo.
A seguir várias viaturas de pequeno porte se enfileiraram e saíram em disparada levando os diversos feridos e os prováveis mortos em direção ao HGPA (Hospital de Guarnição de Porto Alegre). Apesar da confusão e do estado emocional que vivia naquele instante, consegui observar o grau de organização e disciplina que tínhamos apresentado diante daquela situação.
Aquela era uma situação inimaginável por todos nós e do qual jamais havíamos previsto, ou seja, sofrer um ataque de forças supostamente amigas?
Nosso comboio ficou parado não mais que 10 minutos, foi quando recebemos ordens de prosseguir em direção ao local do desfile. Foi muito difícil ver e, ter que suportar o estado emocional de nossa tropa frente ao acontecido.
Nunca tinha visto e, mesmo em outras situações semelhantes, ter que desfilar e compartilhar com os olhos cheios de lagrimas o sofrimento coletivo pela perda prematura de amigos. O dever imposto pela circunstancia nos colocava perfilados de forma mecânica diante de uma população alegre e ansiosa por assistir o desfile militar.
Não se comentava nada do acontecido, que, aliás, nem era permitido em conformidade com o RGE (Regulamento Geral do Exercito). A imprensa escrita ou televisiva local, não divulgou nenhuma linha sequer a respeito do fato.
Os oficiais e comandantes de pelotões de nossa companhia e das outras que compunham o 18o B.I. Mtz estavam tão incrédulos quanto ao restante da tropa e, agiam como se nada tivesse acontecido. Mas ninguém é de ferro, e de volta ao desfile logo após deixar nossos companheiros aos cuidados da corporação médica, pude observar o Tenente Siqueira fazendo um esforço descomunal para esconder as lágrimas, afinal, ele conhecia cada um de seus comandados.
O desfile continuou com os aplausos da população que enchia todos os espaços possíveis para assistir a nossa passagem e, festejar o dia da independência do país. De volta ao 18o Batalhão e durante a formatura da tropa, os murmúrios começaram de forma sutil.
O Coronel Brochado (sic) comandante do Batalhão fez um discurso elogioso ao nosso comportamento, mas nada nos confortaria ou acalmaria. Sobre o ocorrido, seus argumentos não me convenceram, ou seja, explica, mas não justifica.
Ninguém podia comentar o acontecimento, mas segurar a boca e a ansiedade da tropa era praticamente impossível. As primeiras informações corriam de maneira dispersa, mas eu particularmente só queria saber o nome do elemento que estava no comando daquela “Metralhadora Madsen”, que no meu entendimento e de outros companheiros, fora postado propositadamente para nos provocar o maior número de baixas possíveis, que alias, aparentemente seria fácil de dissimular.
Uma das maneiras era o de interpretar como se fosse algum acidente provocado pelo manuseio de um praça aparentemente despreparado.
Mas Isto não me convenceria o suficiente pra que eu tivesse este entendimento, já que ali naquele Batalhão, estava a Companhia número 1 do III Exercito. A sorte me ajudou, e eu consegui ver a cara do assassino dos meus amigos dentro da 2a Seção (de informações e contra informações) do Batalhão.
Ele conversava com o oficial encarregado do IPM, (Inquérito Policial Militar) e eu o reconheci. Este sujeito já era um soldado pronto, eu já tinha cruzado por ele em algum lugar dentro do quartel, mas não me lembrava onde, talvez pudesse ter sido na barbearia, na alfaiataria ou mesmo no Rancho do quartel, mas enfim, que importância ou, no que resolveria lembrar-me onde havia visto aquele canalha?
O tal sujeito, vergonhosamente havia sido apresentado como um integrante do período de formação, êpa (sic) se o bandido era um recruta (não era verdade) por que raios ele foi designado ao comando daquela metralhadora?
Dizem que o FDP ficou preso apenas por 30 dias. Tive vontade de “arrancar” as entranhas daquele covarde ou, de “empalar” o desgraçado.
O nosso ódio pelo sujeito era tão grande que seriamos capazes de arrancar ele e seus protetores da toca, como se arranca um tatu em fuga. Os facínoras se comportavam como se o acontecido tivesse sido apenas um acidente, ou mesmo uma fatalidade.
Mas o nosso grupo sabia o que verdadeiramente tinha sido armado. Após o incidente? A escala de serviços sofreu mudanças, e encerrado o IPM, o canalha nunca mais foi visto na unidade. Mas seguramente fora transferido e até mesmo promovido por aquela façanha macabra. Os motivos daquele suposto incidente (?), pra mim seriam fáceis de entender.
Vários integrantes de nossa unidade passaram por treinamentos especializados, fortes e contínuos com o objetivo de integrarem as forças do Exercito no combate a Guerrilha do Araguaia e em outras frentes no país. Essa tarefa já estava sendo vista como se fossem mandar a “Raposa cuidar das galinhas”.
Esta situação já é histórica no Brasil. Muitos militares e ex-militares integraram grupos de guerrilhas e de resistência em várias épocas da historia política do país. Sem fazer comparações ideológicas ou partidárias, posso citar o líder Osvaldão do Exercito do Povo no Araguaia (Ex-Oficial R/2 do Exercito Brasileiro), O Capitão do Exercito e ex-Senador Luis Carlos Prestes do PCB e que comandou a “Coluna Prestes”, O Ex Tenente (Expedicionário) Salomão Malina (um dos líderes da ala militar do PCB), o também Capitão do Exercito Carlos Lamarca, líder maior da VPR (Vanguarda Popular Revolucionara), e tantos outros oficiais, graduados e praças das Forças Armadas, que com suas vidas, construíram a historia da resistência no Brasil.
Na continuidade do relato, o comandante do “Pelotão assassino” da 1a Cia de Fuzileiros tinha sido exatamente o 1o comandante de meu pelotão na 2a Cia Op, depois do acontecido, eu nunca mais vi o 2o Ten R/1 Demo, nem mesmo durante todo o restante do tempo que permaneci no 18o B. I. Mtz (fui considerado desertor em 14 de junho de 1974).
Este foi justamente o oficial encarregado de direcionar os praças aptos a assumirem o comando das metralhadoras prontas para o desfile.
O Tenente “Demo” (apelido do oficial) tinha sido um dos melhores alunos do curso de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva que são ministrados pelo CIGS (Centro de Instrução e Guerra na Selva) de Manaus/AM, e, isto fazia dele uma referencia no nosso adestramento. Sob o comando deste oficial, eu fui um dos alunos bem sucedidos no Curso de Sobrevivência, Guerrilhas, Operações Especiais e também no de embarque e desembarque de Aeronaves em movimento que foi realizado no 5o ETA (Esquadrão de Transporte Aéreo) da Base Aérea de Canoas/RS.
Putz, mas este Curso foi uma loucura mesmo, dizer que pulamos e embarcamos com todos os apetrechos de combate num avião em movimento é coisa de outro mundo, mas para o Exercito, é o momento oportuno de desembarcar tropas de elite num aeroporto ou território eventualmente ocupado por tropas inimigas.
Para tentar impedir, ou inibir qualquer eventual adesão, o comando da unidade afixava em vários pontos do quartel uma “Carta de Arrependimento” supostamente escrita por um suposto “guerrilheiro arrependido” que conclamava a todos a abandonarem a luta armada, porque não valeria a pena lutar contra o “Brasil” e blá blá blá...
Num desses dias que fiquei de guarda na cadeia onde havia um grupo de presos, conheci um cara que tinha mais ou menos 45 anos, ele tinha os cabelos negros, mas já estavam despontando pequenas mexas branca, era um pouco calvo, e aparentemente sofria de estrabismo, (como eu mesmo tenho e adquiri em decorrência de um acidente no Exercito uns quatro anos após ter desertado).
Ele inicialmente se apresentou como sendo um pedreiro da construção civil. Segundo Miguel (este era o nome usado por ele e, se era verdade ou mentira, pra mim pouco importava). Segundo ele me disse, tinha sido preso por estar fazendo panfletagem em frente a uma fabrica na grande Porto Alegre, e era uma atitude que foi considerada subversiva pelos órgãos da repressão. Miguel havia passado por varias unidades militar pelo período de seis meses em cada uma. Já havia passado pela 1a Cia de Guardas, pelo 3o BPE, pelo QG do III Exercito e, ali estava sem a menor perspectiva de ser libertado ou mesmo com esperanças de sair vivo.
Após adquirir a confiança e o respeito de Miguel, que mais tarde se identificou como simpatizante da VPR (Vanguarda Popular Revolucionaria) do então líder Capitão Carlos Lamarca, e do qual eu também era simpatizante, ficamos amigos. A partir dali, passamos a trocar idéias, e muitas vezes conversamos sobre a situação no país.
Em certas ocasiões eu comprava cigarros com o meu soldo (a maioria dos presos, a família não localizava, e estes omitiam a existência, até por uma questão de segurança), e lembro bem da marca, “Continental” de maço azul e branco que o Miguel gostava de fumar e pedia pra eu fornecer a ele, obviamente eu fazia isto com extremo cuidado.
Na hora do “Rancho” (almoço, café ou jantar) sempre que podia, eu aproveitava e colocava bastante pão, carne e frutas na bandejão que levava ao Miguel e aos outros presos no qual fizera uma aproximação. Chegamos a fomentar a idéia de facilitar a fuga dos presos ali do quartel, e somente deixamos de lado diante de novos encaminhamentos internos que incluía a tomada da unidade num ato de sublevação.
Loucura? Eu não pensava assim. Nós não tínhamos o direito de vacilar ou de errar, se fossemos pegos, seriamos mortos de imediato. O 18o B.I. Mtz foi o inicio da minha adesão na idéia de combater a Ditadura Militar por dentro, e isso eu pude perceber na vontade de muitos companheiros que contrariados com o que acontecia no país, se manifestavam abertamente para os companheiros que consideravam de confiança.
Com o aumento dos efetivos nos combates no front do Araguaia, e a transferência de praças e graduados, ficou evidente o descontentamento interno sobre o que acontecia. Naqueles dias houve um aumento nos índices de deserções com finalidades políticas.
Essas deserções aconteceram justamente pelo vazamento sutil da possibilidade de tomada das unidades onde servíamos. Mas enquanto estivéssemos ali, nós tínhamos que discutir e inicializar uma política de mudanças que previa todas essas possibilidades. Diante do aumento da repressão contra os grupos organizados da resistência, nós não poderíamos ficar de braços cruzados. Uma das maneiras que consideramos mais adequados para o funcionamento do nosso núcleo marxista seria nos encontros realizados em locais fora da unidade.
Por várias vezes nos reunimos em boates, lanchonetes ou mesmo na casa de algum integrante pra fazermos um churrasco de final de semana, que eram muito comuns no relacionamento entre praças e graduados.
Por força de nossa segurança eles aconteciam com um número reduzido de participantes, Estas situações possivelmente nos colocaria fora de qualquer “suspeita”, e deste jeito à gente aproveitava o momento pra colocar os assuntos em dia diante dos últimos acontecimentos. Até aquele momento era o mínimo que poderíamos fazer embora nossa vontade maior fosse a de partir para o ataque frontal contra as tropas leais ao governo no nosso próprio ninho.
O surgimento destes núcleos deu-se também a partir de uma vertente de remanescentes de um grupo de militares que apoiavam o Capitão Carlos Lamarca, quando de sua passagem pelo 3o BPE (Batalhão de (Policia do Exercito) em Porto Alegre nos anos 60. Aliás, Lamarca deixou um numero infindável de admiradores e seguidores políticos e ideológicos, dentre estes eu me incluo e, mesmo não o tendo conhecido pessoalmente.
Esta simpatia por Lamarca dentro do Exercito ficou evidente pra mim num fato acontecido no ano de 1971. Neste ano eu servia no 22o GAC (Grupo de Artilharia de Campanha) então comandado pelo Ten Cel paraquedista Dickson Melges Grael (pai dos medalhistas Torben e Lars Grael) que foi um dos pioneiros do pára-quedismo militar no Brasil. Mais tarde, nós descobrimos que o Ten Cel Dickson era um agente e chefe da Regional de fronteiras do SNI (Serviço Nacional de Informações) no Rio Grande do Sul.
Naquela unidade eu incorporei com apenas 16 anos e fui um dos primeiros a freqüentar o curso de pára-quedismo em Uruguaiana. Um dos melhores saltadores na nossa unidade era o então Capitão Victor Pacheco Motta que era o comandante da 2a Bia Can (Bateria de Canhões) onde estava sediado o PELOTAR que eu era integrante.
O Capitão Motta tinha sido instrutor de pára-quedismo nas Brigadas Pára-quedista do Rio de Janeiro, na AMAN (Academia Militar de Agulhas Negras), e ainda instrutor dos Cursos de Comando, Sobrevivência e Guerra na Selva do CIGS. O Capitão Motta era também um especialista do Curso de Operações Psicológicas desenvolvido pelo Exercito naquele período.
Mas enfim, ali estavam alguns dos “Falcões” da Doutrina Militar brasileira e da “Casta da Ditadura”. As fronteiras brasileiras eram objetos de vigilância e mapeamento do fluxo de pessoas que por ali transitavam.
O Ten Cel Dickson Melges Grael era o Provável chefe da Operação Condor da região das fronteiras e que vigorava naqueles dias. Lembro-me que no mês de julho de 1971 aconteceu uma reunião gigantesca e de caráter secreto, de altas autoridades militares da mais alta patente do Exercito Brasileiro. Isto no meu entendimento foi em decorrência do prestigio do Ten Cel Dickson Melges Grael junto ao Governo Central.
O Ten Cel Dickson Esteve nos EUA e se especializou em muitos cursos junto ao Exercito Americano, incluindo aí o de Pára-quedismo Militar realizado na década de 40/50 e que posteriormente ajudou a implantar no Brasil.
Eu me divertia muito observando o posto de cada um dos integrantes ali presentes, contava as estrelas que cada um ostentava na platina da farda, e se eram gemadas ou não. Enfim, eu realmente fiquei impressionado com o numero de medalhas e condecorações que muitos oficiais ostentavam no peito, e me lembrava do jargão “cabeça erguida, peito pra fora”.
Quando eu era criança, nem pensava em seguir a carreira militar, mas por um destino, fui devolvido aos cuidados do Estado por uma família de empresários que eram fazendeiros , que me adotaram juntamente com minha irmã de idade 1 ano mais nova. Com eles, ela permaneceu até atingir a maioridade e vir a casar.
Neste ponto, fico eternamente agradecido pelo humanismo despertado por aquela família. Esta situação me levou a optar pelo serviço militar voluntário que foi a forma que encontrei pra me livrar daquele “aprisionamento” forçado no meio de mais de 160 meninos considerado abandonados ou em risco social por uma serie de motivos.
Tudo isto já existia naquele tempo (Lamarca tinha razão) que alias, me lembro muito bem de ter escutado a Copa do Mundo de 1966 num radinho de pilhas que pertencia a um menino daquele Educandário Rural.
Outra lembrança foi a de ter assistido o homem descendo na lua em 1969. Esta façanha eu assisti sentado num chão gelado ao lado de vários meninos. Era uma televisão grande de madeira ficava no alto e tinha a imagem bastante tremida e chamuscada, o volume era muito baixo e qualquer um que abrisse o bico, levava um safanão na orelha.
Mas voltando ao encontro da ECEME, o menor posto entre os participantes era o de Capitão, que na maioria das vezes eram ordenanças dos Oficiais Superiores da patente de Coronel e Oficiais Generais. Mas também havia muitos Tenentes Coronéis e Majores presentes nesta Cúpula do Exercito representados pela Escola de Comando e Estado Maior do Exercito (ECEME). Durante este período eu fiquei de prontidão na unidade.
Participei de vários PC Trans (Postos de Controle de Transito) com barreiras fortemente armadas e com barricadas compostas por peças de metralhadoras e sacos de areias em vários pontos estratégicos da cidade de Uruguaiana, incluindo também outras regiões da fronteira oeste do Rio Grande do Sul.
Cheguei a participar na perseguição de um veiculo pequeno que encurralamos junto a uma pequena usina da CEEE (Companhia Estadual de Energia Elétrica) que ficava a direita da ponte Internacional e da aduana brasileira. O Veiculo tinha tentado burlar a barreia e saiu em disparada (o motivo era apenas a documentação irregular) Os sujeitos foram presos e soltos após o termino da reunião de Cúpula Militar.
No campo de futebol existente dentro do 22o GAC pousou cerca de oito helicópteros e eu fui um dos elementos do PELOTAR (Pelotão Aerotransportado) que atualmente são conhecidos como PELOPES (Pelotão de Operações Especiais) a fazer a segurança daquelas aeronaves até então top de linha nas forças Armadas.
Colocamos uma rede verde de camuflagem por cima dos helicópteros que ali permaneceram por três dias ininterruptos. Ficamos de olhos abertos por 24 horas e com a adrenalina no ápice. Neste período é que eu pude perceber a grandiosidade daquele encontro que fora comandado pelo mais alto escalão do Exercito e da “Cúpula Dirigente do Regime Militar”.
Mas retornando ao eixo principal, no mês de agosto daquele ano havia rumores no quartel sobre uma perseguição ao Capitão Carlos Lamarca que se encontrava possivelmente no norte/nordeste do país.
Alguns comentários davam conta de que Lamarca havia rompido vários cercos programados para pega-lo e, esta era apenas algumas suposições emitidas por oficiais superiores.
Mas eu também me lembro claramente das torcidas formados por praças, graduados e jovens oficiais que eram a favor, e daquelas torcidas indisfarçáveis, mas cautelosas que eram contrários a prisão do nosso nobre líder da VPR.
Já na metade do mês de setembro, houve uma pausa nos comentários a respeito deste assunto. Mas eis que no dia 18 de setembro de 1971 fomos informados oficialmente da morte do Capitão Carlos Lamarca e de outros (que foram emboscados e assassinados brutalmente no Estado da Bahia). Esta noticia provocou um grande choque no quartel.
Lamarca era um exímio atirador, e tinha sido Campeão Sul Americano ou brasileiro de tiro ao alvo. Lembro-me que naquele dia circulou uma revista de mão em mão mostrando o nosso líder ensinando bancários a atirarem. Aquelas fotos foram guardadas na minha mente como relíquia de boas lembranças.
Pensar que o Exercito Brasileiro comemorou a morte do Capitão Carlos Lamarca? Ledo engano, o mal estar foi geral, nossa unidade silenciou por completo durante vários dias em homenagem aquele homem que tinha o ideal de transformar o Brasil num país mais justo, humanista e igualitário, ou seja, numa nação verdadeiramente Independente e Socialista.
De origem pobre e humilde, o carioca Capitão Carlos Lamarca sempre lutou como um verdadeiro bravo e pagou com a própria vida a incompreensão daqueles que comandavam o país com mãos de ferro, a Ditadura Militar.
Se por um lado o comando do Exercito considerava Lamarca um traidor, por outro, dezenas de jovens Oficiais, Sargentos e Praças de todas as armas o veneravam, e nunca conseguiram esconder esta afeição por aquele que era um exemplo de determinação e ideal a ser seguido.
Isto deixava a Cúpula Militar em polvorosa, e que mais tarde culminou numa perseguição interna nas Forças Armadas e sem precedentes na historia política do Brasil.
Como relatei, e assim diziam os antigos:
- Isto eu vivi, e presenciei com estes olhos que a terra um dia há comer!
- Isto eu vivi, e presenciei com estes olhos que a terra um dia há comer!
OUSAR LUTAR, OUSAR VENCER!
Carlos Alberto Bento da Silva
Ex militante do PCB e do PSTU
Texto original publicado no dia 7 de Setembro de 2007 em outro blog.Ex militante do PCB e do PSTU
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