terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Lenin

Vladimir Ilitch Lenin (também Lênin ou Lenine; em russo Влади́мир Ильи́ч Ле́нин, Vladímir Ilítch Lyênin, nascido Влади́мир Ильи́ч Улья́нов, Vladimir Ilitch Uliânov; 10 de abril/22 de abril de 1870, Simbirsk, atual Ulyanovsk - 21 de janeiro de 1924, Gorki próximo de Moscou) foi um revolucionário russo, responsável em grande parte pela execução da Revolução Russa de 1917, líder do Partido Comunista, e primeiro presidente do Conselho dos Comissários do Povo da União Soviética. Influenciou teoricamente os partidos comunistas de todo o mundo, e suas contribuições resultaram na criação de uma corrente teórica denominada leninismo. Diversos pensadores e estudiosos escreveram sobre a sua importância para a história recente, entre eles o historiador Eric Hobsbawm, para quem Lenin teria sido "o personagem mais influente do século XX".
Seu pai, Ilia Uliánov, era estritamente apolítico; foi inspector das escolas da província de Simbirsk. Homem extremamente religioso, apoiava as reformas de Alexandre II e aconselhava os jovens a não cairem no radicalismo.
Durante a vida de Lenin, sua origem nobre foi largamente ignorada; foi apenas quando Stalin desejou realizar uma mitologização de Lenin como um ente semidivino e fonte da legitimidade do seu próprio poder, que os problemas começaram. Segundo Orlando Figes e outros, esta origem nobre foi uma fonte de embaraço para os biógrafos stalinistas, que escolheram ressaltar, entre os antepassados de Lenin, seu avô paterno, Nikolai Uliánov, filho de um servo, que trabalhou como alfaiate em Astrakhan, no Volga. Apenas Nikolai era em parte calmuco (e sua mulher Anna, completamente) (Lenin tinha feições claramente típicas dos mongóis) e isso era inconveniente para o nacionalismo grão-russo do regime stalinista. Sob este ponto de vista, os antepassados de Lenin do lado materno eram-lhe motivos de ainda mais constrangimento. Maria Alexandrovna, sua mãe, era a filha de Alexander Blank, um judeu converso, que se fez médico e dono de terras em Kazan. Ele era filho de Moiche Blank, um comerciante judeu de Volínia, que casou com uma sueca chamada Anna Ostedt. Os antepassados judeus de Lenin foram sempre silenciados pelo regime stalinista; quando foi sugerido a Stalin, por Anna Uliánov em 1945 que tais fatos pudessem ser usados para combater o Anti-semitismo, Stalin ordenou que "nenhuma palavra" fosse repetida sobre isso
Juventude
Lenin em 1887
De acordo com Orlando Figes: "Ao contrário do mito soviético segundo o qual Lenin ainda de fraldas já era um avultado teórico do marxismo, o líder da revolução bolchevique entrou relativamente tarde para a política. Com 16 anos de idade ele era ainda religioso e não mostrava qualquer interesse na política. No liceu em Simbirsk, as suas principais cadeiras foram filologia clássica e literatura".
Por ironia do destino, o director do liceu de Simbirsk onde Lenin estudou foi Fiodor Kerenski, pai do futuro rival de Lenin, e que escreveu em 1887 (último ano de liceu de Lenin) um relatório exemplar sobre este jovem: "Religião e disciplina foram a base da sua educação, cujos frutos se tornam claros nas suas excelentes maneiras".
Ao terminar o liceu, nada indicava que Lenin se viria a transformar num revolucionário. Orlando Figes: "tudo indicava antes que ele iria seguir os passos do seu pai e fazer uma excelente carreira na burocracia czarista".
E ainda Figes: "Na sua juventude (Lenin) era orgulhoso de se poder designar como "filho de um nobre". Uma vez descreveu-se mesmo na polícia como "Vladimir Ulyanov, de nobre família". Após a morte de seu pai, sua família vivia confortavelmente dos arrendamentos e das vendas dos terrenos de sua mãe. No entanto, ele, como tantos outros jovens promissores de classe média da época, acabaria por alienar-se do regime czarista devido à severidade com que este agia para marginalizar elementos tidos por politicamente suspeitos.
O irmão
O irmão mais velho de Lenin, Alexandre Uliánov, ainda com 21 anos, um estudante em São Petersburgo, envolveu-se no grupo terrorista Pervomartovtsi e foi um dos cúmplices numa das muitas tentativas de assassinar o Czar Alexandre III da Rússia. Foi condenado à morte em 1887. Isto teria grandes consequências para o irmão, que se radicalizaria nos anos seguintes.
Nesse ano de 1887, Lenin, com 17 anos de idade, foi estudar direito em Kazan. Ali, logo tomou contacto com um outro grupo de revolucionários moldados no Vontade do povo। Ainda nesse ano, foi preso, juntamente com outros, numa manifestação de estudantes movida por reivindicações de cunho estritamente acadêmico. Como consequência, foi-lhe proibida a continuação dos estudos. Em 1890 foi readmitido na Universidade, porém apenas como estudante "externo" autorizado a prestar exames anuais, mas não a freqüentar a universidade.

Foi nestes anos que Lenin se tornou um marxista. Sua primeira grande paixão revolucionária, no entanto, foi Tchernichevski e em particular sua obra Que fazer?, que o "converteu" definitivamente ao ideal revolucionário, anos antes de ter lido Marx. A obra de Tchernichevski falava da criação de um "novo homem" russo através da auto-disciplina e da auto-estilização, capaz de superar o que o senso comum da época considerava serem os traços comuns da "alma" russa, a passividade, a melancolia e o alcoolismo. Em Lenin, nos seus primeiros anos de marxista, existe uma convicção de que o desenvolvimento capitalista da Rússia seria uma pré-condição necessária do socialismo, na medida em que apenas a modernização industrial da Rússia, o desenvolvimento da disciplina associada à generalização do trabalho industrial assalariado, seriam capazes de elevar a consciência política do povo russo a níveis tais que tornassem possível a derrubada da autocracia czarista e a constituição de uma república democrática - contrariamente às teses dos populistas, que consideravam que o socialismo russo se desenvolveria nos quadros da comuna camponesa tradicional. Esta associação da modernidade ao capitalismo industrial, no entanto, não era uma idéia original de Lenin. Já encontrava-se nas obras do fundador do marxismo russo, Plekhanov, ao qual ele se associaria no seu primeiro exílio, no início do século XX, como redator do jornal da emigração marxista (social-democrata) russa no exílio, o 'Iskra' (centelha).
A originalidade de Lenin manifestar-se-ia na discussão sobre os estatutos do Partido Operário Social Democrata Russo, em 1903, quando do segundo congresso deste partido, no qual Lenin argumentou pela constituição de um partido centralizado e dirigido por intelectuais com intensa formação teórica marxista, em oposição à tese de um partido organizacionalmente frouxo, que limitasse-se a se enquadrar à atividade sindical do movimento operário. Para Lenin, a mera agitação sindical, desprovida de uma base doutrinária voltada para o socialismo, acabava por reduzir-se a reivindicações parcelárias por maiores salários e menos horas de trabalho, que aceitavam a exploração capitalista enquanto tal, visando apenas minorá-la. Para que tal agitação levasse à refundação socialista da sociedade burguesa, seria necessário a existência de marcos teóricos claros, associados não apenas aos interesses específicos da classe operária, mas de todas as questões sociais, políticas, culturais, religiosas etc., referentes à situação concreta da sociedade como um todo. Neste sentido, a consciência socialista, que os sindicalistas supunham ser um traço ontológico da classe operária, para Lenin só poderia chegar à mesma classe operária 'de fora' dela mesma, mediante o trabalho teórico e de agitação de intelectuais de classe média.

Sobre a Nossa Revolução(A Propósito das Notas de N. Sukhanov)


V. I. Lénine
16 e 17 de Janeiro de 1923


I
Folheei nestes dias as notas de Sukhánov sobre a revolução. O que salta sobretudo à vista é o pedantismo de todos os nossos democratas pequeno-burgueses, bem como de todos os heróis da II Internacional. Sem falar já de que são extraordinariamente cobardes e de que mesmo os melhores deles se enchem de reservas quando se trata do menor desvio relativamente ao modelo alemão, sem falar já desta qualidade de todos os democratas pequeno-burgueses, suficientemente manifestada durante toda a revolução, salta à vista a sua servil imitação do passado.
Todos eles se dizem marxistas, mas entendem o marxismo duma maneira extremamente pedante. Não compreenderam de modo nenhum aquilo que é decisivo no marxismo: precisamente a sua dialéctica revolucionária. Não compreenderam em absoluto nem mesmo as indicações directas de Marx, dizendo que nos momentos de revolução é necessária a máxima flexibilidade, e nem sequer notaram, por exemplo, as indicações de Marx na sua correspondência, referente, se bem me recordo, a 1856, na qual expressava a esperança de que a guerra camponesa na Alemanha, capaz de criar uma situação revolucionária, se unisse ao movimento operário — eludem mesmo esta indicação directa, dando voltas em volta dela como o gato em volta do leite quente.
Em toda a sua conduta revelam-se uns reformistas cobardes que temem afastar-se da burguesia e, mais ainda, romper com ela, e ao mesmo tempo ocultam a sua cobardia com a fraseologia e a jactância mais descarada. Mas, mesmo do ponto de vista puramente teórico, salta à vista em todos eles a sua plena incapacidade de compreender a seguinte ideia do marxismo: viram até agora um caminho determinado de desenvolvimento do capitalismo e da democracia burguesa na Europa Ocidental. E eis que eles não são capazes de imaginar que este caminho só pode ser considerado como modelo mutatis mutandis, só com algumas correcções (absolutamente insignificantes, do ponto de vista do curso geral da história universal).
Primeiro — uma revolução ligada à primeira guerra imperialista mundial. Numa tal revolução deviam manifestar-se traços novos ou modificados Precisamente em consequência da guerra, porque nunca houve no mundo tal guerra em tal situação. Vemos que até agora a burguesia dos países mais ricos não pode organizar relações burguesas «normais» depois dessa guerra, enquanto os nossos reformistas, pequenos burgueses que se armam em revolucionários, consideravam e consideram como um limite (além disso insuperável) as relações burguesas normais, compreendendo esta «norma» duma maneira extremamente estereotipada e estreita.
Segundo — é-lhes completamente alheia qualquer ideia de que dentro das leis gerais do desenvolvimento em toda a história mundial não estão de modo nenhum excluídas, mas, pelo contrário, pressupõem-se determinadas etapas de desenvolvimento que apresentam peculiaridades, quer na forma quer na ordem desse desenvolvimento. Nem sequer lhes passa pela cabeça, por exemplo, que a Rússia, situada na fronteira entre os países civilizados e os países que pela primeira vez são arrastados definitivamente por esta guerra para o caminho da civilização, os países de todo o Oriente, os países não europeus, que a Rússia podia e devia, por isso, revelar certas peculiaridades, que naturalmente estão na linha geral do desenvolvimento mundial, mas que distinguem a sua revolução de todas as revoluções anteriores dos países da Europa Ocidental e que introduzem algumas inovações parciais ao deslocar-se para os países orientais.
Por exemplo, não pode ser mais estereotipada a argumentação por eles usada, que aprenderam de memória na época do desenvolvimento da social-democracia da Europa Ocidental, e que consiste no facto de que nós não estamos maduros para o socialismo, de que não existem no nosso país, segundo a expressão de vários «doutos» senhores dentre eles, as premissas económicas objectivas para o socialismo. E não passa pela cabeça de nenhum deles perguntar: não podia um povo que se encontrou numa situação revolucionária como a que se criou durante a primeira guerra imperialista, não podia ele, sob a influência da sua situação sem saída, lançar-se numa luta que lhe abrisse pelo menos algumas possibilidades de conquistar para si condições que não são de todo habituais para o crescimento ulterior da civilização?
«A Rússia não atingiu um nível de desenvolvimento das forças produtivas que torne possível o socialismo. »Todos os heróis da II Internacional, e entre eles, naturalmente, Sukhánov, se comportam como se tivessem descoberto a pólvora. Ruminam esta tese indiscutível de mil maneiras e parece-lhes que é decisiva para apreciar a nossa revolução.
Mas que fazer, se uma situação peculiar levou a Rússia, primeiro à guerra imperialista mundial, na qual intervieram todos os países mais ou menos influentes da Europa Ocidental, e colocou o seu desenvolvimento no limite das revoluções do Oriente, que estão a começar e em parte já começaram, em condições que nos permitiram levar à prática precisamente essa aliança da «guerra camponesa» com o movimento operário sobre as quais escreveu um «marxista» como Marx em 1856 como uma das perspectivas possíveis em relação à Prússia?
Que fazer se uma situação absolutamente sem saída, decuplicando as forças dos operários e camponeses, abria perante nós a possibilidade de passar de maneira diferente de todos os outros países da Europa Ocidental criação das premissas fundamentais da civilização? Alterou-se por isso a linha geral de desenvolvimento da história universal? Alteraram-se por isso as correlações fundamentais das classes fundamentais em cada país que se integra e integrou já no curso geral da história mundial?
Se para criar o socialismo é necessário um determinado nível de cultura (ainda que ninguém possa dizer qual é precisamente esse determinado «nível de cultura», pois ele é diferente em cada um dos Estados da Europa Ocidental), porque é que não podemos começar primeiro pela conquista, por via revolucionária, das premissas para esse determinado nível, e já depois, com base no poder operário e camponês e no regime soviético, pôr-nos em marcha para alcançar os outros povos?
16 de Janeiro de 1923.
II
Para criar o socialismo, dizeis, é necessária civilização. Muito bem. Mas então, porque não havíamos de criar primeiro no nosso país premissas da civilização como a expulsão dos latifundiários e a expulsão dos capitalistas russos e, depois, iniciar um movimento para o socialismo? Em que livros lestes que semelhantes alterações da ordem histórica habitual são inadmissísseis ou impossíveis?
Lembro que Napoleão escreveu: «On s'engage et puis . . . on voit.» Traduzido livremente para russo isto quer dizer: .«Primeiro lançamo-nos no combate sério e depois logo vemos.» E nós, em Outubro de 1917, iniciámos primeiro o combate sério e depois logo vimos os pormenores do desenvolvimento (do ponto de vista da história universal trata-se indubitavelmente de pormenores), tais como a Paz de Brest ou a NEP, etc. E hoje não há dúvida de que, no fundamental, alcançámos a vitória.
Os nossos Sukhánov, sem falar já daqueles sociaís-democratas que estão mais à direita, nem sonham sequer que as revoluções em geral não se podem fazer doutra maneira. Os nossos filisteus europeus não sonham sequer que as futuras revoluções nos países do Oriente, com uma população incomparavelmente mais numerosa e que se diferenciam muito mais pela diversidade das condições sociais, apresentarão sem dúvida mais peculiaridades do que a revolução russa.
Nem é preciso dizer que o manual redigido segundo Kautsky foi, na sua época, uma coisa muito útil. Mas já é tempo de renunciar à ideia de que esse manual tinha previsto todas as formas de desenvolvimento ulterior da história mundial. Àqueles que pensam desse modo é tempo já de os declarar simplesmente imbecis.
17 de Janeiro de 1923.

Carta ao Congresso(Testamento Político de Lenin)

V. I. Lenine
22/12/1922 - 4/01/1923
Ao fim de Dezembro de 1922, o já inválido Lenin começou a ditar uma Carta ao XIII Congresso do Partido Comunista da União Soviética, onde expõe sua opinião sobre certas propostas, incluindo a de ampliar o Comitê Central do Partido além de sua opinião sobre certos membros propostos a cargos de liderança no CC e no Partido. Esta Carta, que se denominou o "testamento" político de Lenin, foi lida aos delegados do Congresso realizado em Maio de 1924 por Krupskaya, companheira de Lenin, os delegados do Congresso, por vê-la como parte da discussão interna do Congresso não a publicaram no momento. Logo, pela opinião negativa de Stalin no que a Carta se expressa, ela foi suprimida até o XX Congresso do PCUS em 1956.
Carta ao Congresso
I
Eu recomendaria muito que neste Congresso se introduzissem muitas mudanças em nossa estrutura política.
Gostaria de expor-lhes as considerações que considero mais importantes.
Em primeiro lugar coloco o aumento do número de membros do CC a várias dezenas e inclusive a uma centena. Creio que se não empreendermos tal reforma, nosso Comitê Central se veria ameaçado de grandes perigos, caso o curso dos acontecimentos não seja de todo favorável para nós (e não podemos contar com isso).
Também penso em propor ao Congresso que dentro de certas condições se dê caráter legislativo às discussões da Gosplan, coincidindo neste sentido com o camarada Trotsky, até certo ponto e em certas condições.
Pelo que se refere ao primeiro ponto, ou seja, ao aumento do número de membros do CC, creio que isto é necessário tanto para elevar o prestígio do CC como para um trabalho sério com objetivo de melhorar nosso aparato e como para evitar que os conflitos de pequenas partes do CC possam adquirir uma importância excessiva para todos os destinos do partido.
Opino que nosso Partido está em seu direito de pedir à classe operária de de 50 a 100 membros do CC, e que pode receber dela sem colocar tensão demais em suas forças. Esta reforma aumentaria consideravelmente a solidez de nosso Partido e lhe facilitaria a luta que trava, rodeado de Estados hostis, luta que, ao meu modo de ver, pode e deve agudizar-se muito nos próximos anos. Me parece que, graças a esta medida, a estabilidade de nosso Partido estaria mil vezes maior.
Lenin23.12.22Taquigrafado por M. V.
II
Continuação das notas.
24 de Dezembro de 22
Pela estabilidade do Comitê Central, da qual falava mais acima, entendo as medidas contra a ruptura ao passo em que tais medidas possam, em geral, adotar-se. Porque, naturalmente, teria razão o guarda branco de Rússkaya Mysl (creio que era S. F. Oldenbourg) quando, o primeiro, no jogo dessas gentes contra a Rússia Soviética colocava suas esperanças na cisão de nosso Partido e quando, o segundo, as esperanças de que iria a provocar esta divisão as cifrava em gravíssimas discrepâncias no seio do Partido.
Nosso Partido se apóia em duas classes, e por isso é possível sua instabilidade e seria inevitável sua queda se estas duas classes não pudessem chegar a um acordo. Seria inútil adotar umas ou outras medidas com vistas a esta eventualidade e, em geral, fazer considerações acerca da estabilidade de nosso CC. Nenhuma medida seria capaz, neste caso, de evitar a divisão. Mas eu confio que isto se refere a um futuro longínquo e é um acontecimento improvável demais para falar do mesmo.
Me refiro à estabilidade como garantia contra a ruptura em um futuro próximo, e tenho a proposta de colocar aqui várias considerações de índole puramente pessoal. Creio que o fundamental no problema da estabilidade, desde este ponto de vista, são tais membros do CC como Stálin e Trotsky. As relações entre eles, a meu modo de ver, encerram mais da metade do perigo desta divisão que se poderia evitar, e a cujo objetivo deveria servir entre outras coisas, segundo meu critério, a ampliação do CC a 50 ou até 100 membros.
O camarada Stálin, tendo chegado ao Secretariado Geral, tem concentrado em suas mãos um poder enorme, e não estou seguro que sempre irá utilizá-lo com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, segundo demonstra sua luta contra o CC em razão do problema do Comissariado do Povo de Vias de Comunicação, não se distingue apenas por sua grande capacidade. Pessoalmente, embora seja o homem mais capaz do atual CC, está demasiado ensoberbecido e atraído pelo aspecto puramente administrativo dos assuntos.
Estas características de dois destacados dirigentes do atual CC podem levar sem querer-lo à ruptura, e se nosso Partido não toma medidas para impedir-lo, a divisão pode vir sem que se espere.
Não seguirei caracterizando aos demais membros do CC por suas características pessoais. Recordarei apenas que o episódio de Zinoviev e Kamenev em Outubro não é, naturalmente, uma casualidade, e que se disto não se pode culpar pessoalmente, tão pouco a Trotsky pelo seu não bolchevismo.
Quanto aos jovens membros do CC, direi algumas palavras sobre Bukharin e Piatakov. São, a meu juízo os que mais se destacam (entre os mais jovens), e neles deveria se levar em conta o seguinte: Bukharin não é só um valiosíssimo e notabilíssimo teórico do Partido, senão que, ademais, se lhe considera legitimamente o favorito de todo o Partido; porém suas concepções teóricas muito dificilmente podem qualificar-se de inteiramente marxistas, pois há nele algo escolástico (jamais estudou e creio que jamais compreendeu por completo a dialética).
25.XII. Depois vemos Piatakov, homem sem dúvida de grande vontade e grande capacidade, porém a quem atrai demais a administração e o aspecto administrativo dos assuntos para que se possa confiar nele um problema político sério.
Naturalmente, uma ou outra observação são válidas apenas para o presente, supondo que estes dois destacados e fiéis militantes não consigam completar seus conhecimentos e corrigir sua formação unilateral.
Lenin25.12.22Taquigrafado por M. V.
Suplemento à Carta de 24 de Dezembro de 1922
Stálin é brusco demais, e este defeito, plenamente tolerável em nosso meio e entre nós, os comunistas, se coloca intolerável no cargo de Secretário Geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem a forma de passar Stálin a outro posto e nomear a este cargo outro homem que se diferencie do camarada Stálin em todos os demais aspectos apenas por uma vantagem a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais correto e mais atento com os camaradas, menos caprichoso, etc. Esta circunstância pode parecer fútil tolice. Porém eu creio que, desde o ponto de vista de prevenir a divisão e desde o ponto de vista do que escrevi anteriormente sobre as relações entre Stálin e Trotsky, não é uma tolice, ou se trata de uma tolice que pode adquirir importância decisiva.
Lenin04.01.23Taquigrafado por L. F.
III
Continuação das notas.
26 de dezembro de 1922
A ampliação do CC até 50 ou inclusive 100 membros deve seguir, ao meu modo de ver, um fim duplo ou até triplo: quanto maior seja o número de membros do CC, mais pessoas aprenderão a realizar o trabalho deste e tanto menor será o perigo de divisão devido a qualquer imprudência. A incorporação de muitos operários ao CC ajudará aos operários a melhorar nosso aparato, que é péssimo. No fundo temos herdado do velho regime, posto que tem sido absolutamente impossível refazê-lo em um prazo tão curto, sobre tudo com a guerra, com a fome, etc. Por isso podemos contestar tranquilamente aos "críticos" um sorriso sarcástico ou com malícia nos assinalam os defeitos de nosso aparato, que são pessoas que não compreendem nada as condições de nossa revolução. Em cinco anos é possível reformar o aparato em medida suficiente, sobretudo atendidas as condições em que foi gerada nossa revolução. Bastante é se em cinco anos termos criado um novo tipo de Estado em que os operários se colocam a frente dos camponeses contra a burguesia, o que, considerando as condições da hostil situação internacional, é uma obra gigantesca. Mas a consciência de que isto acontece não deve em modo algum fechar-nos os olhos ante o feito de que, em essência, tomamos o velho aparato do czar e da burguesia e que agora, ao vir a paz e cobrir o grau mínimo de necessidades relacionadas com a fome, todo o trabalho deve orientar-se à melhoria do aparato.
Segundo, imagino eu, algumas dezenas de operários inclusos no CC podem, melhor que quaisquer outros, entregarem-se à atividade de revisar, melhorar e refazer nosso aparato. A inspeção Operária e Camponesa, a quem pertencia em princípio esta função, tem sido incapaz de cumpri-la e unicamente pode ser empregada como "apêndice" ou como auxiliar, em determinadas condições, destes membros do CC. Os operários que passem a formar parte do CC devem ser preferivelmente, segundo meu critério, os que tem atuado um longo tempo nas organizações soviéticas (nesta parte da carta, o que digo dos operários se refere também por completo aos camponeses), porque neles estão arraigados já certas tradições e certos prejuízos com os que é desejável precisamente lutar.
Os operários que se incorporem ao CC devem ser, de preferência, pessoas que se encontrem por debaixo da capa dos que nos cinco anos passaram a ser funcionários soviéticos, e devem aliar-se mais com os simples operários e camponeses que, sem embargo, não entrem, direta ou indiretamente, na categoria dos exploradores. Creio que estes operários, que assistirão a todas as reuniões do CC e do Birô Político, e que lerão todos os documentos do CC, podem ser quadros fiéis ao regime soviético, capazes, em primeiro lugar, de dar estabilidade ao próprio CC e, em segundo, de trabalhar realmente na renovação e melhoramento do aparato.
Lenin26.11.22.Taquigrafado por L. F.

IV
Continuação das notas.
Sobre a Concessão de Funções Legislativas à Gosplan.
27 de dezembro de 1922
Esta idéia foi sugerida pelo camarada Trotsky, me parece, já faz tempo. Eu me manifestei contra, porque estimava que, em tal caso, se produziria uma falta de concordância fundamental no sistema de nossas instituições legislativas. Porém um exame atento do problema me leva à conclusão de que, no fundo, há aqui uma sã idéia: a Gosplan tem agido às margens de nossas instituições legislativas, apesar de que, como conjunto de pessoas competentes, especialistas, de homens da ciência e da técnica, se encontra, no fundo, nas melhores condições para emitir juízos acertados.
Sem embargo, até agora partíamos do ponto de vista de que a Gosplan deve apresentar ao Governo um material analisado criticamente, e que as instituições governamentais devem ser as encarregadas de resolver os assuntos públicos. Creio que na situação atual, quando os assuntos públicos tem se complicado extraordinariamente, quando a cada passo há que resolver assim como vem os problemas em que se necessita o ditame dos membros da Gosplan sem separá-los dos problemas em que não se necessita, e inclusive mais ainda, resolver assuntos nos quais uns pontos requerem a indicação da Gosplan enquanto outros pontos não requerem-no, deve dar-se um passo no sentido de aumentar a competência da Gosplan.
Concebo este passo de tal maneira que as decisões da Gosplan não possam ser rechaçadas segundo o procedimento corrente nos organismo soviéticos, senão que para modificá-las condicione-se um procedimento especial; por exemplo, levá-las à reunião do CEC de toda a Rússia, preparar o assunto cuja decisão deva ser modificada segundo instruções especiais, relatando-se, segundo regras especiais, informes por escrito com objetivo de ponderar se dita decisão da Gosplan deve ser anulada; marcar enfim, prazos especiais para modificar as decisões da Gosplan, etc.
Neste sentido creio que se pode e deve concordar com o camarada Trotsky, porém não de que a presidência da Gosplan deve ser ocupada por uma personalidade destacada, um de nossos dirigentes políticos, ou o Presidente do Conselho Supremo da Economia Nacional, etc. Me parece que neste assunto o fator pessoal se combina hoje em dia demasiado intimamente com o problema de princípio. Creio que os ataques que agora se escutam contra o Presidente da Gosplan, camarada Krzhizhanovski, e o vice-presidente, camarada Piatakov, e que se lançam contra os dois, de tal maneira que por um lado escutamos acusações de extrema suavidade, de falta de independência e de caráter, apesar que, por outro lado, escutamos acusações de grosseria, de trato rude, de falta de uma sólida preparação científica, etc., creio que estes ataques são expressão dos dois aspectos do problema, exagerando-los até o extremos, e o que nós necessitamos na Gosplan é de uma acertada combinação dos dois tipos de caráter, modelo de um dos quais pode ser Piatakov e do outro Krzhizhanovski.
Creio que à cabeça da Gosplan deve haver uma pessoa com preparação científica no sentido técnico ou agrônomico, que possua uma larga experiência, de muitas dezenas de anos de trabalho prático, bem na técnica, bem na agronomia. Creio que essa pessoa deve possuir não tanta atitude administrativa como ampla experiência e capacidade para atrair-se as pessoas.
Lenin27.12.22Taquigrafado por M. V.
V
Continuação da carta acerca do caráter legislativo das decisões da Gosplan.
28.12.22
Tenho advertido que certos camaradas nossos, capazes de influir decisivamente na orientação dos assuntos públicos, exageram o aspecto administrativo, no qual, naturalmente, é necessário em seu tempo e lugar, mas que não se deve confundir com o aspecto científico, com a ampla compreensão da realidade, com a capacidade de se atrair pessoas, etc.
Em toda instituição pública, particularmente na Gosplan, necessita-se a união destas duas qualidades, e quando o camarada Krzhizhanovski me disse que havia incorporado à Gosplan Piatakov e havia concordado com ele acerca do trabalho, eu dei meu consentimento, reservando-me, por um lado, certas dúvidas, e confiando às vezes, por outro lado que contaríamos neste caso com a combinação de ambos tipos de homem de Estado. Esta esperança se concretizou? Agora temos que aguardar e ver em mais algum tempo o resultado na prática, mas em princípio eu creio que não se pode pôr em dúvida que esta união de características e tipos (de pessoas, qualidades) é sem dúvida necessária para o bom funcionamento das instituições públicas. Me parece que neste ponto o exagero do "zelo administrativo" é tão nocivo como todo exagero em geral. O dirigente de uma instituição pública deve colocar-se no mais alto grau a capacidade de atrair-se pessoas e alguns conhecimentos científicos e técnicos bastante sólidos para controlar seu trabalho. Isto é o fundamental. Sem ele o trabalho não pode ir por bons caminhos. Por outro lado, é muito importante que possa administrar e tenha um digno auxiliar ou auxiliares neste terreno. É duvidoso que estas duas qualidades possam encontrar-se unidas em uma só pessoa, e é duvidoso que isso seja necessário.
Lenin28.12.22Taquigrafado por L. F.
VI
Continuação das notas sobre a Gosplan.
29 de dezembro de 1922.
Pelo visto, a Gosplan vem convertendo-se em todos os sentidos em uma comissão de especialistas. À cabeça de tal instituição não pode por menos figurar uma pessoa de grande experiência e de amplos conhecimentos científicos no terreno da técnica. A capacidade administrativa deve ser no fundo uma coisa secundária. A Gosplan deve gozar de certa independência e autonomia desde o ponto de vista do prestígio desta instituição científica e existe um motivo para ser assim: a honestidade de seu pessoal e sincero desejo de fazer com que se cumpra nosso plano de construção econômica e social.
Esta última qualidade, naturalmente, agora só se pode encontrar como exceção, porque a imensa maioria dos homens da ciência, dos que como é lógico compõem a Gosplan, se hajam inevitavelmente contagiados de opiniões e juízos burgueses. Controlar seu trabalho neste aspecto deve ser tarefa de umas quantas pessoas, que podem formar a direção da Gosplan, que devem ser comunistas e seguir a cada dia, em toda marcha do trabalho, o grau de fidelidade dos homens da ciência burgueses e como abandonam os juízos burgueses, assim como seu passo gradual ao ponto de vista do socialismo. Este trabalho duplo, de controle científico e de gestão puramente administrativa, deveria ser o ideal dos dirigentes da Gosplan em nossa República.
Lenin29.12.22Taquigrafado por M. V.
É racional a divisão de tarefas soltas, o trabalho que leva a cabo a Gosplan? Ou ao contrário, não deve tender-se a formar um círculo de especialistas permanentes que controle sistematicamente a direção da Gosplan e que possam resolver todo o conjunto de problemas que são de sua incumbência? Eu creio que é mais racional o último, e que deve-se procurar a diminuição do número de tarefas soltas temporárias e urgentes.
Lenin28.12.22Taquigrafado por M. V.
VII
Continuação das notas.
(Relativo ao Aumento do Número de Membros do CC)
29 de dez. de 1922
Ao mesmo tempo que aumenta-se o número de membros do CC, deveremos, ao meu modo de ver, dedicarmo-nos também, e eu diria que principalmente, à tarefa de revisar e melhorar nosso aparato, que não serve para nada. Para este objetivo devemos valermo-nos dos serviços de especialistas muito qualificados, e a tarefa de proporcionar estes especialistas deve recair sobre a IOC (Inspeção Operária e Camponesa).
A tarefa de combinar a estes especialistas da revisão com conhecimentos suficientes e a estes novos membros do CC deve ser resolvido na prática.
Me parece que a IOC (como resultado de seu desenvolvimento e de nossas perplexidades acerca de seu desenvolvimento) tem dado em resumo no que agora observamos: um estado de transição de um Comissariado do Povo especial a uma função especial dos membros do CC; de uma instituição que o revida tudo por completo a um conjunto de revisores, escassos em número, porém excelentes, que devem estar bem pagos (isto é particularmente necessário em nosso tempo, em que as coisas se pagam, e atendendo a que os revisores se colocam onde melhor lhes pagam).
Se o número de membros do CC é devidamente aumentado e um ano atrás outros se capacitam na direção dos assuntos públicos com a ajuda destes especialistas altamente qualificados e de membros do CC é devidamente aumentado e um ano atrás outros se capacitam na direção dos assuntos públicos com a ajuda destes especialistas altamente qualificados e dos membros da IOC, prestigiosos em todos os terrenos, eu creio que daremos uma solução acertada a este problema que durante tanto tempo não podíamos resolver.
Em resumo: até 100 membros do CC e todo o mais de 400 a 500 auxiliares seus, membros da IOC, que revisem segundo as indicações dos primeiros.
Lenin29.12.22Taquigrafado por M. V.
Continuação das notas.
Acerca do Problema das Nacionalidades ou Sobre a "Autodeterminação"
30 de dezembro de 1922.
Acho que incorri numa grave culpa perante os operários da Rússia por não ter intervido com energia e dureza no decantado problema da autodeterminação, que oficialmente se denomina, cuido, problema da união das repúblicas socialistas soviéticas.
Neste verão, quando o problema surgiu, e estava doente, e mais tarde, no outono, confiei de mais na minha cura e em que os plenos de Outubro e Dezembro me dariam a oportunidade de intervir no problema. Mas não pude assistir ao Pleno de Outubro (dedicado a este problema) nem ao de Dezembro, pelo que não cheguei a tocá-lo quase em absoluto.
Pude apenas conversar com o camarada Dzerzhinski, que tornou do Cáucaso e contou-me como se acha este problema na Geórgia. Também pude trocar um par de palavras com o camarada Zinoviev e exprimir-lhe os meus temores sobre o particular. O que me disse o camarada Dzerzhinski, que presidia a comissão enviada pelo Comitê Central para "investigar" o que diz respeito ao incidente da Geórgia, não pode deixar-me mais que com temores acrescentados. Se as coisas se puseram de tal jeito que Ordzhonikidze pôde chegar ao emprego da violência física, segundo me manifestou o camarada Dzerzhinski, podemos imaginar em que atoleiro temos caído. Pelos vistos, toda esta empresa da "autodeterminação" era falsa e intempestiva em absoluto.
Diz-se que era necessária a unidade do aparato. Donde partiram tais afirmações? Não será desse mesmo aparato russo que, como indicava já num dos anteriores números do meu diário, tomamos do czarismo, tendo-nos limitado a untá-lo com óleo soviético?
É indubitável que se deveria demorar a aplicação desta medida até podermos dizer que respondemos do nosso aparato como algo próprio. Mas agora, em consciência, devemos dizer o contrário, que nós chamamos nosso a um aparato que na verdade nos é ainda alheio por completo e constitui um misto burguês e czarista que não houve qualquer hipótese de ultrapassar em cinco anos, sem ajuda de outros países e nuns momentos em que predominavam as "ocupações" militares e a luta contra a fome.
Nestas condições é muito natural que a "liberdade de separar-se da união", com que nós nos justificamos, seja um papel molhado incapaz de defender os não russos da invasão do russo genuíno, chauvinista, no fundo um homem miserável e dado à violência como é o típico burocrata russo. Não há qualquer dúvida de que a insignificante percentagem de operários soviéticos e sovietizados afundaria nesse mar de imundície chauvinista russa como a mosca no leite.
Em defesa desta medida diz-se que foram segregados os Comissariados do Povo que se relacionam diretamente com a psicologia das nacionalidades, com a instrução nas nacionalidades. Mas a respeito disto ocorre-nos uma pergunta, a de se é possível segregar estes Comissariados por completo, e uma segunda pergunta, a de se temos tomado medidas com a suficiente solicitude para protegermos realmente os não russos do esbirro genuinamente russo. Eu acho que não as tomamos, embora pudéssemos e devêssemos tê-lo feito.
Eu acho que neste assunto exerceram uma influência fatal as pressas e os afãs administrativos de Stalin, bem como a sua aversão contra o decantado "social-nacionalismo". Via de regra, a aversão sempre exerce em política o pior papel.
Temo igualmente que o camarada Dzerzhinski, que foi ao Cáucaso investigar o assunto dos "delitos" desses "social-nacionais", se tenha distinguido neste caso também só pelas suas tendências puramente russas (sabe-se que os não russos russificados sempre exageram quanto às suas tendências puramente russas), e que a imparcialidade de toda a sua comissão a caracterize suficientemente a "pancada" de Ordzhonikidze. Acho que nenhuma provocação, mesmo nenhuma ofensa, pode justificar esta pancada russa, e que o camarada Dzerzhinski é irremediavelmente culpável de ter reagido ante isso com ligeireza.
Ordzhonikidze era uma autoridade para todos os demais cidadãos do Cáucaso. Ordzhonikidze não tinha direito a deixar-se levar pela irritação a que ele e Dzerdhinski se remetem. Ao contrário, Ordzhonikidze estava na obrigação de se comportar com uma sobriedade que não se pode pedir a nenhum cidadão ordinário, tanto mais se este for acusado de um delito "político". E a realidade é que os social-nacionais eram cidadãos acusados de um delito político, e todo o ambiente em que se produziu esta acusação apenas assim podia qualificá-lo.
Relativamente a este assunto, coloca-se já um importante problema de princípio: como compreender o internacionalismo.
Lenin30.12.22Taquigrafado por M. V.
(Continuação)
Nas minhas obras a respeito do problema nacional tenho já escrito que a formulação abstrata do problema do nacionalismo em geral não serve para nada. Cumpre distinguirmos entre o nacionalismo da nação opressora do nacionalismo da nação oprimida, entre o nacionalismo da nação grande e o nacionalismo da nação pequena.
No que diz respeito ao segundo nacionalismo, nós, os integrantes de uma nação grande, quase sempre somos culpáveis no terreno prático histórico de infinitos atos de violência; e mesmo mais: sem dar-nos conta, cometemos infinito número de atos de violência e ofensas. Não tenho mais do que evocar as minhas lembranças de como nas regiões do Volga tratam desrespeitosamente os não russos, de como a única maneira de chamar os polacos é "poliáchishka", de que para burlar-se dos tártaros sempre os chamam "príncipes", o ucraniano chamam-no "jojol", e o georgiano e os demais naturais do Cáucaso chamam-nos "homens do Capciosa".
Por isso, o internacionalismo por parte da nação opressora ou da chamada nação grande (embora seja só grande pelas suas violências, só como o é um esbirro) não deve reduzir-se a observar a igualdade formal das nações, quanto também a observar uma desigualdade que de parte da nação opressora, da nação grande, compense a desigualdade que praticamente se produz na vida. Quem não tenha compreendido isto, não tem compreendido a posição verdadeiramente proletária face ao problema nacional; no fundo, continua a manter o ponto de vista pequeno-burguês, e por isso não pode evitar escorregar a cada instante ao ponto de vista burguês.
O quê é importante para o proletário? Para o proletário é não só importante, mas uma necessidade essencial, gozar, na luta proletária de classe, do máximo de confiança pela parte dos componentes de outras nacionalidades. O que faz falta para isso? Para isso cumpre mais algo do que a igualdade formal. Para isso, cumpre compensar de uma maneira ou de outra, com o seu trato ou com as suas concessões às outras nacionalidades, a desconfiança, o receio, as ofensas que no passado histórico lhes produziu o governo da nação dominante.
Acho que não cumprem mais explicações nem entrarmos em mais pormenores tratando-se de bolcheviques, de comunistas, e creio que neste caso, no que atinge à nação georgiana, temos um exemplo típico de como é que a atitude verdadeiramente proletária exige da nossa parte extremada cautela, delicadeza e transigência. O georgiano que desdenha este aspecto do problema, que lança desdenhosamente acusações de "social-nacionalismo" (quando ele próprio é não apenas um "social-nacional", autêntico e verdadeiro, senão um basto esbirro russo), esse geórgico magoa, em essência, os interesses da solidariedade proletária de classe, porque nada demora tanto o desenvolvimento e a consolidação desta solidariedade como a injustiça no terreno nacional, e para nada são tão sensíveis os "ofendidos" componentes de uma nacionalidade como para o sentimento da igualdade e o desprezo dessa igualdade pela parte dos seus camaradas proletários, embora o façam por negligência, embora a coisa semelhe uma brincadeira. E isso, neste caso, é preferível exagerar quanto às concessões e a suavidade com as minorias nacionais, do que pecar por defeito. Por isso, neste caso, o interesse vital da solidariedade proletária e portanto da luta proletária de classe, requer que jamais olhemos formalmente o problema nacional, senão que sempre levemos em conta a diferença obrigatória na atitude do proletário da nação oprimida (ou pequena) para a nação opressora (ou grande).
Lenin31.12.22Taquigrafado por M. V.
Continuação das notas.
31 de dezembro de 1922.
Que medidas práticas se devem tomar nesta situação?
Primeiro, cumpre manter e fortalecer a união das repúblicas socialistas; sobre isto não pode haver dúvida. Necessitamo-lo nós o mesmo que o necessita o proletariado comunista mundial para lutar contra a burguesia mundial e para defender-se das suas intrigas.
Segundo, cumpre manter a união das repúblicas socialistas no que atinge ao aparato diplomático, que, dito seja de passagem, é uma exceção no conjunto do nosso aparato estatal. Não deixamos entrar nele nem uma só pessoa de certa influência procedente do velho aparato czarista. Todo ele, considerando os cargos de alguma importância, compõem-se de comunistas. Por isso, este aparato tem ganhado já (podemos dizê-lo rotundamente) o título de aparato comunista provado, limpo, em grau incomparavelmente maior, dos elementos do velho aparato czarista, burguês e pequeno-burguês, a que nos vemos na obrigação de recorrer nos outros Comissariados do Povo.
Terceiro, cumpre punir exemplarmente o camarada Ordzhonikidze (digo isto com grande sentimento, porque somos amigos e trabalhei com ele no estrangeiro, na emigração) e também terminar de revisar ou revisar de novo todos os materiais da comissão de Dzerzhinski, com o fim de corrigir o cúmulo de erros e de juízos parcelares que sem dúvida ali há. A responsabilidade política de toda esta campanha de verdadeiro nacionalismo russo deve fazer-se recair, é claro, sobre Stalin e Dzerzhinski.
Quarta, cumpre implantar as normas mais severas no pertinente ao emprego do idioma nacional nas repúblicas de outras nacionalidades que fazem parte da nossa União, e comprovarmos o seu cumprimento com particular cuidado. Sem qualquer dúvida, com o pretexto de unidade do serviço do caminho-de-ferro, com o pretexto da unidade fiscal, etc., tal como agora é o nosso aparato, escorregará um grande número de abusos de caráter puramente russo. Para combatermos esses abusos, precisa-se de um especial espírito de inventiva, sem falarmos já da particular sinceridade de quem se encarregar de fazê-lo. Cumprirá um código detalhado, que apenas terá qualquer perfeição se redigido por pessoas da nacionalidade em questão e que morem na sua república. A respeito disto, de maneira nenhuma devemos afirmar-nos de antemão na idéia de que, como resultado de todo este trabalho, não haja que recuar no seguinte Congresso dos Sovietes, quer dizer, de que não cumpra manter a união das repúblicas soviéticas apenas no senso militar e diplomático, e em todos os restantes aspectos restabelecermos a autonomia completa dos distintos Comissariados do Povo.
Deve ter-se presente que o fracionamento dos Comissariados do Povo e a falta de concordância do seu labor relativamente a Moscou e os outros centros, podem ser paralisados suficientemente pela autoridade do Partido, se esta for empregue com a necessária discrição e imparcialidade; o dano que o nosso Estado puder sofrer pela falta de aparatos nacionais unificados com o aparato russo é incalculavelmente, infinitamente menor do que o dano que representaria não só para nós, quanto para todo o movimento internacional, para os centos de milhões de seres da Ásia, que deve avançar ao primeiro plano da história num próximo futuro, depois de nós. Seria um oportunismo imperdoável se em vésperas desta ação do Oriente, e ao princípio do seu despertar, quebrássemos o nosso prestígio nele embora só fosse com a mais pequena aspereza e injustiça a respeito das nossas próprias nacionalidades não russas. Uma coisa é a necessidade de se agrupar contra os imperialistas do Ocidente, que defendem o mundo capitalista. Neste caso não pode haver dúvidas, e nem cumpre dizer que aprovo incondicionalmente estas medidas. Outra coisa é quando nós mesmos caímos, ainda que seja em miudezas, em atitudes imperialistas com as nações oprimidas, quebrando destarte por completo toda a nossa sinceridade de princípios, toda a defesa que, consoante com os princípios, fazemos da luta contra o imperialismo. E a manhã da história universal será o dia em que despertem de vez o povos oprimidos pelo imperialismo, que já abriram os olhos, e que comece já a longa e dura batalha final pela sua emancipação.
Lenin31.12.22Taquigrafado por M. V.

domingo, 30 de novembro de 2008

A respeito do problema das Nacionalidades ou sobre a "Autonomia"


Acho que incorri numa grave culpa perante os operários da Rússia por não ter intervindo com energia e dureza no decantado problema da autonomia, que oficialmente se denomina, cuido, problema da união das repúblicas socialistas soviéticas.Neste verão, quando o problema surgiu, e estava doente, e mais tarde, no outono, confiei de mais na minha cura e em que os plenos de Outubro e Dezembro me dariam a oportunidade de intervir no problema. Mas não pude assistir ao Pleno de Outubro (dedicado a este problema) nem ao de Dezembro, pelo que não cheguei a tocá-lo quase em absoluto.Pude apenas conversar com o camarada Dzerzhinski, que tornou do Cáucaso e contou-me como se acha este problema na Geórgia. Também pude trocar um par de palavras com o camarada Zinoviev e exprimir-lhe os meus temores sobre o particular. O que me disse o camarada Dzerzhinski, que presidia a comissão enviada pelo Comitê Central para "investigar" o que di respeito ao incidente de Geórgia, não pude deixar-me mais que com temores acrescentados. Se as coisas se puseram de tão jeito que Ordzhonikidze pude chegar ao emprego da violência física, segundo me manifestou o camarada Dzerzhinski, podemos imaginar em que chapuceira temos caído. Pelos vistos, toda esta empresa da "autonomização" era falsa e intempestiva em absoluto.Diz-se que era necessária a unidade do aparato. Donde partiram tais afirmações? Não será desse mesmo aparato russo que, como indicava já num dos anteriores números do meu diário, tomamos do czarismo, tendo-nos limitado a untá-lo com óleo soviético?É indubitável que se deveria demorar a aplicação desta medida até podermos dizer que respondemos do nosso aparato como algo próprio. Mas agora, em consciência, devemos dizer o contrário, que nós chamamos nosso a um aparato que na verdade nos é ainda alheio por completo e constitui um misto burguês e czarista que não houve qualquer hipótese de ultrapassar em cinco anos, sem ajuda de outros países e nuns momentos em que predominavam as "ocupações" militares e a luta contra a fome.Nestas condições é muito natural que a "liberdade de separar-se da união", com que nós nos justificamos, seja um papel molhado incapaz de defender os não russos da invasão do russo genuíno, chauvinista, no fundo um homem miserável e dado à violência como é o típico burocrata russo. Não há qualquer dúvida de que a insignificante percentagem de operários soviéticos e sovietizados afundariam nesse mar de imundícia chauvinista russa como a mosca no leite.Em defesa desta medida diz-se que foram segregados os Comissariados do Povo que se relacionam diretamente com a psicologia das nacionalidades, com a instrução nas nacionalidades. Mas a respeito disto ocorre-nos uma pergunta, a de se é possível segregar estes Comissariados por completo, e uma segunda pergunta, a de se temos tomado medidas com a suficiente solicitude para protegermos realmente os não russos do esbirro genuinamente russo. Eu acho que não as tomamos, embora pudéssemos e devêssemos tê-lo feito.Eu acho que neste assunto exerceram uma influência fatal as pressas e os afã administrativos de Staline, bem como a sua aversão contra o decantado "social-nacionalismo". Via de regra, a aversão sempre exerce em política o pior papel.Temo igualmente que o camarada Dzerzhinski, que foi ao Cáucaso investigar o assunto dos "delitos" desses "social-nacionais", se tenha distinguido neste caso também só pelas suas tendências puramente russas (sabe-se que os não russos russificados sempre exageram quanto às suas tendências puramente russas), e que a imparcialidade de toda a sua comissão a caracterize suficientemente a "pancada" de Ordzhonikidze. Acho que nenhuma provocação, mesmo nenhuma ofensa, pode justificar esta pancada russa, e que o camarada Dzerzhinski é irremediavelmente culpável de ter reagido ante isso com ligeireza.Ordzhonikidze era uma autoridade para todos os demais cidadãos do Cáucaso. Ordzhonikidze não tinha direito a deixar-se levar pela irritação à que ele e Dzerdhinski se remetem. Ao contrário, Ordzhonikidze estava na obriga de se comportar com uma sobriedade que não se pode pedir a nenhum cidadão ordinário, tanto mais se este for acusado de um delito "político". E a realidade é que os sociais-nacionais eram cidadãos acusados de um delito político, e todo o ambiente em que se produziu esta acusação apenas assim podia qualificá-lo.Relativamente a este assunto, coloca-se já um importante problema de princípio: como compreender o internacionalismo.Nas minhas obras a respeito do problema nacional tenho já escrito que a formulação abstrata do problema do nacionalismo em geral não serve para nada. Cumpre distinguirmos entre o nacionalismo da nação da nação opressora do nacionalismo da nação oprimida, entre o nacionalismo da nação grande e o nacionalismo da nação pequena.No que di respeito ao segundo nacionalismo, nós, os integrantes de uma nação grande, quase sempre somos culpáveis no terreno prático histórico de infinitos atos de violência; e mesmo mais: sem dar-nos conta, cometemos infinito número de atos de violência e ofensas. Não tenho mais do que evocar as minhas lembranças de como nas regiões do Volga tratam respectivamente os não russos, de como a única maneira de chamar os polacos ex "poliáchishka", de que para burlar-se dos tártaros sempre os chamam "príncipes", o ucraniano chamam-no "jojol", e o georgiano e os demais naturais do Cáucaso chamam-nos "homens do Capciosa".Por isso, o internacionalismo por parte da nação opressora ou da chamada nação "grande (embora seja só grande pelas suas violências, só como o é um esbirro) não deve reduzir-se a observar a igualdade formal das nações quanto também a observar uma desigualdade que de parte da nação opressora, da nação grande, compense a desigualdade que praticamente se produz na vida. Quem não tenha compreendido isto, não tem compreendido a posição verdadeiramente proletária face ao problema nacional; no fundo, continua a manter o ponto de vista pequeno-burguês, e por isso não pode evitar escorregar a cada instante ao ponto de vista burguês.O quê é importante para o proletário? Para o proletário é não só importante, mas uma necessidade essencial, gozar, na luta proletária de classe, do máximo de confiança pela parte dos componentes de outras nacionalidade. O que foi falta para isso? Para isso cumpre mais algo do que a igualdade formal. Para isso, cumpre compensar de uma maneira ou de outra, com o seu trato ou com as suas concessões às outras nacionalidades, a desconfiança, o receio, as ofensas que no passado histórico lhes produziu o governo da nação dominante.Acho que não cumprem mais explicações nem entrarmos em mais pormenores tratando-se de bolcheviques, de comunistas, e creio que neste caso, no que atinge à nação georgiana, temos um exemplo típico de como é que a atitude verdadeiramente proletária exige da nossa parte extremada cautela, delicadeza e transigência. O georgiano que desdenha este aspecto do problema, que lança desdenhosamente acusações de "social-nacionalismo" (quando ele próprio é não apenas um "social-nacional", autêntico e verdadeiro, senão um basto esbirro russo), esse geórgico magoa, em essência, os interesses da solidariedade proletária de classe, porque nada demora tanto o desenvolvimento e a consolidação desta solidariedade como a injustiça no terreno nacional, e para nada som tão sensíveis os "ofendidos" componentes de uma nacionalidade como para o sentimento da igualdade e o desprezo dessa igualdade pela parte dos seus camaradas proletários, embora o façam por negligência, embora a cousa semelhe uma brincadeira. E isso, neste caso, é preferível exagerar quanto às concessões e a suavidade com as minorias nacionais, do que pecar por defeito. Por isso, neste caso, o interesse vital da solidariedade proletária e, portanto da luta proletária de classe, requer que jamais olhemos formalmente o problema nacional, senão que sempre levemos em conta a diferença obrigatória na atitude do proletário da nação oprimida (ou pequena) para a nação opressora (ou grande).Quê medidas prática se devem tomar nesta situação?Primeira, cumpre manter e fortalecer a união das repúblicas socialista; sobre isto não pode haver dúvida. Necessitamo-lo nós o mesmo que o necessita o proletariado comunista mundial para lutar contra a burguesia mundial e para defender-se das suas intrigas.Segunda, cumpre manter a união das repúblicas socialistas no que atinge ao aparato diplomático, que, dito seja de passagem, é uma exceção no conjunto do nosso aparato estatal. Não deixamos entrar nele nem uma só pessoa de certa influência procedente do velho aparato czarista. Todo ele, considerando os cargos de alguma importância, compõe de comunistas. Por isso, este aparato tem ganhado já (podemos dizê-lo rotundamente) o título de aparato comunista provado, limpo, em grau incomparavelmente maior, dos elementos do velho aparato czarista, burguês e pequeno burguês, a que nos vemos na obriga de recorrer em outros Comissariados do Povo.Terceira, cumpre punir exemplarmente o camarada Ordzhonikidze (digo isto com grande sentimento, porque somos amigos e trabalhei com ele no estrangeiro, na emigração) e também terminar de revisar ou revisar de novo todos os materiais da comissão de Dzerzhinski, com o fim de corrigir o cúmulo de erros e de juízos parcelares que indubitavelmente ali há. A responsabilidade política de toda esta campanha de verdadeiro nacionalismo russo deve fazer-se recair, é claro, sobre Staline e Dzerzhinski.Quarta, cumpre implantar as normas mais severas no atinente ao emprego do idioma nacional nas repúblicas de outras nacionalidades que são parte da nossa União, e comprovarmos o seu cumprimento com particular cuidado. Sem qualquer dúvida, com o pretexto de unidade do serviço do caminho-de-ferro, com o pretexto da unidade fiscal, etc., tal como agora é o nosso aparato, escorregará um grande número de abusos de caráter puramente russo. Para combatermos esses abusos, precisa-se de um especial espírito de inventiva, sem falarmos já da particular sinceridade de quem se encarregar de fazê-lo. Cumprirá um código detalhado, que apenas terá qualquer perfeição se redigido por pessoas da nacionalidade em questão e que morem na sua república. A respeito disto, de maneira nenhuma devemos afirmar-nos de antemão na idéia de que, como resultado de todo este trabalho, não haja que recuar no seguinte Congresso dos Sovietes, quer dizer, de que não cumpra manter a união das repúblicas soviéticas apenas no senso militar e diplomático, e em todos os restantes aspectos restabelecermos a autonomia completa dos distintos Comissariados do Povo.Deve ter-se presente que o fracionamento dos Comissariados do Povo e a falta de concordância do seu labor relativamente a Moscou e os outros centros, podem ser paralisados suficientemente pela autoridade do Partido, se esta for empregue com a necessária discrição e imparcialidade; o dano que o nosso Estado puder sofrer pela falta de aparatos nacionais unificados com o aparato russo é incalculavelmente, infinitamente menor do que o dano que representaria não só para nos, quanto para todo o movimento internacional, para os centos milhões de seres da Ásia, que deve avançar ao primeiro plano da história num próximo futuro, depois de nós. Seria um oportunismo imperdoável se na véspera dessas ações do Oriente, e ao princípio do seu despertar, quebrantássemos o nosso prestígio nele embora só fosse com a mais pequena aspereza e injustiça a respeito das nossas próprias nacionalidades não russas. Uma cousa é a necessidade de se agrupar contra os imperialistas de Ocidente, que defendem o mundo capitalista. Neste caso não pode haver dúvidas, e nem cumpre dizer que aprovo incondicionalmente estas medidas. Outra cousa é quando nós mesmos víamos, ainda que seja em miudezas, em atitude imperialistas com as nações oprimidas, quebrando destarte por completo toda a nossa sinceridade de princípios, toda a defesa que, consoante com os princípios, fazemos da luta contra o imperialismo. E a manhã da história universal será o dia em que despertem de vez s povos oprimidos pelo imperialismo, que já abriram os olhos, e que comece já a longa e dura batalha final pela sua emancipação.Lenine31.XII.22

A Instituição do Divórcio Não Destrói a Família


V. I. Lênin
12 de Março de 1922

Foi-me enviado recentemente o primeiro número (1922) da revista Ekonomist, publicada pela seção XI da «Associação Técnica Russa». O jovem comunista que me enviou essa revista (e que provavelmente não tinha tido tempo de tomar conhecimento do conteúdo), faz da mesma, imprudentemente, um julgamento de todo favorável. Ora, a revista é, não sei até que ponto conscientemente, o órgão dos atuais ultra-reacionários, que se cobrem, bem entendido, com o manto da ciência, do democratismo etc..
Um certo P. A. Sorokin publica nessa revista vastos estudos de pretensa «sociologia», Sobre a Influência da Guerra. Nesse sábio artigo pululam referências eruditas às obras «sociológicas» do autor e de seus numerosos mestres e colegas estrangeiros.
Eis qual é a sua «erudição».
Na página 83 lemos:
«Em Petrogrado sobre 10.000 casamentos se contam hoje 92,2 divórcios. Cifra fantástica: acrescentamos que, em 100 casamentos, 51,1 foram dissolvidos ao fim de menos de um ano, 11 ao fim de menos de um mês, 22 ao fim de menos de dois meses, 41 ao fim de menos de três a seis meses e apenas 26 ao fim de mais de seis meses. Esses dados provam que o casamento legal é atualmente uma formalidade que encobre relações sexuais substancialmente extraconjugais e permite aos amantes de 'aventuras' satisfazer legalmente seus 'apetites'» (Ekonomist, n.9 1, pág. 83).
Não há dúvida de que esses senhores e com eles a «Associação Técnica Russa» que publica a revista em questão e expõe tais argumentos se incluiriam entre os adeptos da democracia e se considerariam profundamente ofendidos se fossem chamados por seu verdadeiro nome, isto é: feudais, reacionários e «agentes diplomáticos do obscurantismo».
O conhecimento mesmo superficial da legislação dos países burgueses relativa ao casamento, ao divórcio e aos filhos naturais, como também da situação que de fato existe neles, mostrará a quem quer que se interesse pela questão, como a democracia burguesa dos nossos dias, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, tem a esse respeito uma atitude verdadeiramente feudal no que se refere à mulher e aos filhos naturais.
Isso naturalmente não impede aos mencheviques, aos social-revolucionários e a uma parte dos anarquistas, como também a todos os partidos correspondentes do Ocidente, de continuar a tagarelar sobre a democracia e sobre a violação da mesma por parte dos bolcheviques. Na realidade, justamente a revolução bolchevique é a única revolução democrática conseqüente diante das questões do casamento, do divórcio e da situação dos filhos naturais. E são questões que tocam muito diretamente os interesses de mais da metade da população de cada país. Apenas a revolução bolchevique sustentou nesse terreno, e pela primeira vez, apesar das múltiplas revoluções burguesas que a precederam e que se diziam democráticas, uma luta decidida tanto contra a reação e a sujeição, como contra a habitual hipocrisia das classes dirigentes e possuidoras. Se 92 divórcios sobre 10.000 casamentos parecem ao senhor Sorokin uma cifra fantástica, não nos resta supor senão que o autor não tenha vivido e tenha sido criado num mosteiro tão isolado da vida que dificilmente se pode crer na existência de tal mosteiro, ou então que deturpa a verdade para agradar a reação e a burguesia. Quem quer que conheça, ainda que pouco, as condições sociais existentes nos países burgueses, sabe que na realidade o número dos divórcios efetivamente realizados (não homologados, é claro, pela Igreja e pela lei) é em toda parte infinitamente superior. A esse respeito, a Rússia se distingue dos outros países apenas porque suas leis, ao invés de consagrarem a hipocrisia e a privação de direitos da mulher e dos seus filhos, declaram abertamente, em nome do Estado, uma guerra sistemática a qualquer hipocrisia e a qualquer privação de direitos.

Para o Quarto Aniversário da Revolução de Outubro


V. I. Lénine
14 de Outubro de 1921

Aproxima-se o quarto aniversário do 25 de Outubro (7 de Novembro).
Quanto mais se afasta de nós esse grande dia, mais claro se torna o significado da revolução proletária na Rússia e mais profundamente reflectimos também sobre a experiência prática do nosso trabalho, tomada no seu conjunto.
Esse significado e essa experiência poderiam expor-se muito brevemente — e, naturalmente, de forma muito incompleta e imprecisa — da seguinte maneira.
A tarefa imediata e directa da revolução na Rússia era uma tarefa democrático-burguesa: derrubar os restos do medievalismo, varrê-los definitivamente, limpar a Rússia dessa barbárie, dessa vergonha, desse enorme entrave para toda a cultura e todo o progresso no nosso país. E orgulhamo-nos justamente de ter feito essa limpeza com muito mais decisão, rapidez, audácia, êxito, amplitude e profundidade, do ponto de vista da influência sobre as massas do povo, sobre o grosso dessas massas, do que a grande revolução francesa há mais de 125 anos.
Tanto os anarquistas como os democratas pequeno-burgueses (isto é, os mencheviques e os socialistas-revolucionários como representantes russos deste tipo social internacional) disseram e dizem uma incrível quantidade de coisas confusas sobre a questão da relação entre a revolução democrático--burguesa e a socialista (isto é, proletária). Os quatro últimos anos confirmaram plenamente a justeza da nossa interpretação do marxismo sobre este ponto, do nosso modo de aproveitar a experiência das revoluções anteriores. Levámos, como ninguém, a revolução democrático-burguesa até ao fim. É de modo perfeitamente consciente, firme e inflexível que avançamos para a revolução socialista, sabendo que ela não está separada da revolução democrático-burguesa por uma muralha da China, sabendo que só a luta decidirá em que medida conseguiremos (em última análise) avançar, que parte da nossa tarefa infinitamente grande cumpriremos, que parte das nossas vitórias consolidaremos. O tempo o dirá. Mas vemos já agora que fizemos uma obra gigantesca — tendo em conta que se trata de um pais arruinado e atrasado — na transformação socialista da sociedade.
Mas terminemos com o que se refere ao conteúdo democrático-burguês da nossa revolução. Os marxistas devem compreender o que isto significa. Para o explicar, tomemos alguns exemplos eloquentes.
O conteúdo democrático-burguês da revolução significa depuração das relações (ordem, instituições) sociais de um país do medievalismo, da servidão, do feudalismo.
Quais eram as principais manifestações, sobrevivências e vestígios do regime de servidão na Rússia em 1917? A monarquia, o sistema dos estados sociais, as formas de propriedade da terra e o usufruto da terra, a situação da mulher, a religião, a opressão das nacionalidades. Tomai qualquer destes «estábulos de Augias» — que, diga-se de passagem, todos os Estados avançados deixaram em grande parte por acabar de limpar ao realizarem as suas revoluções democrático-burguesas há 125, 250 ou mais anos (em 1649 na Inglaterra) —, tomai qualquer destes estábulos de Augias: vereis que os limpámos a fundo. Numas dez semanas, de 25 de Outubro (7 de Novembro) de 1917 até à dissolução da constituinte (5 de Janeiro de 1918), fizemos neste domínio mil vezes mais do que os democratas burgueses e liberais (democratas-constitucionalistas) e os democratas pequeno-burgueses (mencheviques e socialistas-revolucionários), durante os oito meses do seu poder.
Esses cobardes, charlatães, Narcisos enfatuados e pequenos Hamlets brandiam uma espada de cartão e nem sequer destruíram a monarquia! Nós deitámos fora todo o lixo monárquico como ninguém o fez. Não deixámos pedra sobre pedra, tijolo sobre tijolo no edifício secular do sistema dos estados sociais (os países mais avançados, como a Inglaterra, a França e a Alemanha não se desembaraçaram ainda dos vestígios do sistema dos estados sociais!). Arrancámos definitivamente as raízes mais profundas do sistema dos estados sociais, a saber: os restos do feudalismo e da servidão na propriedade da terra. «Pode discutir-se» (no estrangeiro há bastantes literatos, democratas-constitucionalistas, mencheviques e socialistas-revolucionários, para se dedicarem a essas discussões) o que resultará «ao fim e ao cabo» das transformações agrárias da Grande Revolução de Outubro. Não estamos dispostos a perder agora tempo nessas discussões, porque é pela luta que resolvemos esta discussão e toda a quantidade de discussões que dela derivam. Mas o que não se pode contestar é o facto de que os democratas pequeno-burgueses estiveram oito meses a «entender-se» com os latifundiários, que conservavam as tradições da servidão, enquanto nós, em algumas semanas, varremos por completo da face da terra russa esses latifundiários e todas as suas tradições.
Tomai a religião, ou a falta de direitos da mulher, ou a opressão e a desigualdade de direitos das nacionalidades não russas. Tudo isso são questões da revolução democrático-burguesa. Os democratas pequeno-burgueses vulgares passaram oito meses a falar disso; não há nem um dos Países mais avançados do mundo onde estas questões tenham sido resolvidas até ao fim no sentido democrático-burguês. No nosso país, a legislação da Revolução de Outubro resolveu-os até ao fim. Lutámos e continuamos a lutar seriamente contra a religião. Demos a todas as nacionalidades não russas as suas próprias repúblicas ou regiões autónomas. Na Rússia não existe já essa vileza, essa infâmia e ignomínia que é a falta de direitos ou a restrição dos direitos da mulher, sobrevivência indigna da servidão e do medievalismo, renovada em todos os países do globo terrestre, sem uma só excepção, pela burguesia egoísta e pela pequena-burguesia obtusa e assustada.
Tudo isto é o conteúdo da revolução democrático-burguesa. Há cento e cinquenta e duzentos e cinquenta anos os chefes mais avançados dessa revolução (dessas revoluções, se falarmos de cada variedade nacional de um tipo comum) prometeram aos povos libertar a humanidade dos privilégios medievais, da desigualdade da mulher, das vantagens concedidas pelo Estado a uma ou outra religião (ou à «ideia de religião», à «religiosidade» em geral), da desigualdade de direitos das nacionalidades. Prometeram-no e não o cumpriram. E não podiam cumprir, porque os impedia o «respeito» . . . pela «sacrossanta propriedade privada». Na nossa revolução proletária não houve esse maldito «respeito» por esse três vezes maldito medievalismo e por essa «sacrossanta propriedade privada».
Mas para consolidar para os povos da Rússia as conquistas da revolução democrático-burguesa, nós devíamos ir mais longe, e fomos mais longe. Resolvemos as questões da revolução democrático-burguesa de passagem, como um «produto acessório» do nosso trabalho principal e verdadeiro, proletário revolucionário, socialista. Sempre dissemos que as reformas são um produto acessório da luta revolucionária de classe. As transformações democrático-burguesas — dissemo-lo e demonstrámo-lo com factos — são um produto acessório da revolução proletária, isto é, socialista. Digamos de passagem que todos os Kautskys, os Hilferdings, os Mártovs, os Tchernovs, os Hillquits, os Longuets os MacDonalds, os Turatis e outros heróis do marxismo «II 1/2» não souberam compreender esta correlação entre a revolução democrático-burguesa e a revolução proletária socialista. A primeira transforma-se na segunda. A segunda resolve de passagem os problemas da primeira. A segunda consolida a obra da primeira. A luta, e só a luta, determina até que ponto a segunda consegue ultrapassar a primeira.
O regime soviético é precisamente uma das confirmações ou manifestações evidentes dessa transformação duma revolução em outra. O regime soviético é o máximo de democracia para os operários e os camponeses e, ao mesmo tempo, significa a ruptura com a democracia burguesa e o aparecimento de um novo tipo de democracia de importância histórica mundial: a democracia proletária ou ditadura do proletariado.
Que os cães e os porcos da moribunda burguesia e da democracia pequeno-burguesa que se arrasta atrás dela nos cubram de maldições, de injúrias e de escárnios pelos insucessos e erros que cometemos ao construir o nosso regime soviético. Nem por um momento esquecemos que, de facto, tivemos e temos ainda muito insucessos e erros. E como havíamos de evitar insucessos e erros numa obra tão nova, nova para toda a história mundial, como é a criação de um tipo de regime estatal ainda desconhecido! Lutaremos sem descanso para corrigir os nossos insucessos e erros, para melhorar a forma como aplicamos os princípios soviéticos, que está ainda longe, muito longe, de ser perfeita. Mas temos o direito de nos orgulharmos e orgulhamo-nos de nos ter cabido a felicidade de iniciar a construção do Estado Soviético, de iniciar assim uma nova época da história universal, a época do domínio duma nova classe, oprimida em todos os países capitalistas e que avança em toda a parte para uma vida nova, para a vitória sobre a burguesia, para a ditadura do proletariado, para a libertação da humanidade do jugo do capital e das guerras imperialistas.
A questão das guerras imperialistas, da política internacional do capital financeiro, política que hoje domina em todo o mundo e que gera inevitavelmente novas guerras imperialistas, que gera inevitavelmente uma intensificação sem precedentes do jugo nacional, da pilhagem, da exploração, do estrangulamento de pequenas nacionalidades, fracas e atrasadas, por um punhado de potências «avançadas», é uma questão que desde 1914 se tornou a pedra angular de toda a política de todos os países do globo terrestre. É uma questão de vida ou de morte para dezenas de milhões de homens. Trata-se da questão de saber se na próxima guerra imperialista, que a burguesia prepara diante dos nossos olhos, que vai surgindo do capitalismo diante dos nossos olhos, morrerão vinte milhões de homens (em vez dos dez milhões que morreram na guerra de 1914-1918 e nas «pequenas» guerras que vieram completá-la e que ainda não terminaram), de saber se nessa futura guerra inevitável (se o capitalismo se mantiver) ficarão mutilados 60 milhões de homens (em vez dos 30 milhões de mutilados de 1914-1918). Também nesta questão a nossa Revolução de Outubro abriu uma nova época da história universal. Os lacaios da burguesia e os seus bajuladores, os socialistas-revolucionários e mencheviques, toda a democracia pequeno-burguesa pretensamente «socialista» de todo o mundo, troçaram da palavra de ordem de «transformação da guerra imperialista em guerra civil». Mas esta palavra de ordem revelou-se a única verdade — desagradável, brutal, nua e cruel, com efeito —, mas a verdade no meio da multidão das mais subtis mentiras chauvinistas e pacifistas. Essas mentiras vão-se desmoronando. Foi desmascarada a Paz de Brest. Cada novo dia desmascara mais implacavelmente o significado e as consequências duma paz ainda pior que a de Brest, a Paz de Versalhes. E perante milhões e milhões de homens que reflectem sobre as causas da guerra de ontem e sobre a guerra iminente de amanhã, ergue-se cada vez mais clara, nítida e inelutavelmente esta terrível verdade: é impossível sair da guerra imperialista e do mundo imperialista que a gera inevitavelmente (se tivéssemos a antiga ortografia eu escreveria aqui as duas palavras mir em ambos os seus significados), é impossível sair desse inferno a não ser por uma luta bolchevique e por uma revolução bolchevique.
Que a burguesia e os pacifistas, os generais e os pequenos burgueses, os capitalistas e os filisteus, todos os cristãos crentes e todos os cavaleiros das Internacionais II e II 1/2 insultem furiosamente esta revolução. Com nenhumas torrentes de raiva, de calúnias e de mentiras poderão ocultar o facto histórico universal de que, pela primeira vez desde há séculos e milénios, os escravos responderam à guerra entre escravistas proclamando abertamente esta palavra de ordem: transformemos essa guerra entre escravistas pela partilha do saque numa guerra dos escravos de todas as nações contra os escravistas de todas as nações.
Pela primeira vez depois de séculos e milénios, esta palavra de ordem transformou-se de esperança vaga e impotente num programa político claro e preciso, numa luta efectiva de milhões de oprimidos sob a direcção do proletariado, transformou-se na primeira vitória do proletariado, na primeira vitória da causa da supressão das guerras, da causa da aliança dos operários de todos os países, sobre a aliança da burguesia das diversas nações, da burguesia que faz umas vezes a paz e outras a guerra à custa dos escravos do capital, à custa dos operários assalariados, à custa dos camponeses, à custa dos trabalhadores.
Esta primeira vitória não é ainda a vitória definitiva, e a nossa Revolução de Outubro alcançou-a com privações e dificuldades inauditas, com sofrimentos sem precedentes, com uma série de enormes insucessos e erros da nossa parte. Como poderia um povo atrasado conseguir vencer sem insucessos e sem erros as guerras imperialistas dos países mais poderosos e avançados do globo terrestre? Não receamos reconhecer os nossos erros e encará-los-emos serenamente para aprender a corrigi-los. Mas os factos continuam a ser factos: pela primeira vez depois de séculos e milénios, a promessa de «responder» à guerra entre escravistas com a revolução dos escravos contra toda a espécie de escravistas foi cumprida até ao fim..... e é cumprida apesar de todas as dificuldades.
Nós começámos esta obra. Quando precisamente, em que prazo os proletários de qual nação culminarão esta obra — é uma questão não essencial. O essencial é que se quebrou o gelo, que se abriu caminho, que se indicou a via.
Continuai a vossa hipocrisia, senhores capitalistas de todos os países, que «defendeis a pátria» japonesa da americana, a americana da japonesa, a francesa da inglesa, etc! Continuai a «escamotear» a questão dos meios de luta contra as guerras imperialistas com novos «manifestos de Basileia» (segundo o modelo do Manifesto de Basileia de 1912), senhores cavaleiros das Internacionais II e II 1/2 e todos os pequenos burgueses e filisteus pacifistas de todo o mundo! A primeira revolução bolchevique arrancou a guerra imperialista, ao mundo imperialista, a primeira centena de milhões de homens da terra. As revoluções seguintes arrancarão a essas guerras e a esse mundo toda a humanidade.
A última tarefa — e a mais importante, e a mais difícil e a menos acabada — é a construção económica, o lançamento dos alicerces económicos do edifício novo, socialista, em lugar do edifício feudal destruído e do edifício capitalista semidestruído. É nessa tarefa, a mais importante e a mais difícil, que temos sofrido mais insucessos e cometido mais erros. Como se poderia começar sem insucessos e sem erros uma obra tão nova para todo o mundo? Mas começámo-la. E continuamo-la. Precisamente agora, com a nossa «nova política económica», corrigimos toda uma série dos nossos erros e aprendemos a prosseguir sem esses erros a construção do edifício socialista num país de pequenos camponeses.
As dificuldades são imensas. Estamos habituados a lutar contra dificuldades imensas. Por alguma razão os nossos inimigos nos chamaram «firmes como a rocha» e representantes de uma política de «partir ossos». Mas aprendemos também — pelo menos aprendemos até certo ponto — outra arte necessária na revolução: a flexibilidade, o saber mudar de táctica rápida e bruscamente, partindo das mudanças verificadas nas condições objectivas, e escolhendo outro caminho para os nossos objectivos se o caminho anterior se revelou inconveniente, impossível, para um período de tempo determinado.
Contávamos, levados por uma onda de entusiasmo, depois de despertar no povo um entusiasmo a princípio político e depois militar, contávamos realizar directamente, na base desse entusiasmo, tarefas económicas tão grandes (como as políticas, como as militares). Contávamos — ou talvez seja mais justo dizer: supúnhamos, sem ter calculado o suficiente — que com imposições directas do Estado proletário poderíamos organizar de maneira comunista, num país de pequenos camponeses, a produção estatal e a distribuição estatal, dos produtos. A vida mostrou o nosso erro. Foram necessárias diversas etapas transitórias, o capitalismo de Estado e o socialismo, para preparar — preparar com o trabalho de longos anos — a passagem ao comunismo. Não directamente na base do entusiasmo, mas com a ajuda do entusiasmo, entusiasmo gerado pela grande revolução, na base do interesse pessoal, na base do incentivo pessoal, na base do cálculo económico, trabalhai para construir primeiro sólidas pontes, que conduzam num país de pequenos camponeses ao socialismo através do capitalismo de Estado. De outro modo não vos aproximareis do comunismo, de outro modo não levareis ao comunismo dezenas e dezenas de milhões de homens. Eis o que nos disse a vida. Eis o que nos disse o curso objectivo do desenvolvimento da revolução.
E nós, que em três ou quatro anos aprendemos um pouco a fazer viragens bruscas (quando se exige uma viragem brusca), pusemo-nos com zelo, atenção e afinco (embora ainda com insuficiente zelo, insuficiente atenção e insuficiente afinco) a estudar uma nova viragem, a «nova política económica». O Estado proletário deve tornar-se um «patrão» prudente, diligente e hábil, um consciencioso comerciante por grosso — de outro modo não pode pôr economicamente de pé um país de pequenos camponeses; agora, nas condições actuais, ao lado do Ocidente capitalista (ainda capitalista), não há outra passagem para o comunismo. O comerciante por grosso parece um tipo económico tão afastado do comunismo como o céu da terra. Mas esta é precisamente uma das contradições que na vida real conduzem da pequena exploração camponesa ao socialismo, através do capitalismo de Estado. O incentivo pessoal eleva a produção; nós necessitamos, antes de mais nada e a todo o custo, de aumentar a produção. O comércio por grosso une economicamente milhões de pequenos camponeses, incentivando-os, ligando-os, conduzindo-os à etapa seguinte: às diversas formas de ligação e de união na própria produção. Iniciámos já a necessária transformação da nossa política económica. Neste domínio temos já alguns êxitos, é certo que pequenos, parciais, mas indubitáveis. Estamos já a terminar, neste domínio da nova «ciência», o ano preparatório. Estudando com firmeza e perseverança, verificando com a experiência prática cada um dos nossos passos, não receando refazer mais de uma vez aquilo que começámos nem corrigir os nossos erros, examinando atentamente o seu significado, passaremos também nos anos seguintes. Faremos todo o «curso», embora as circunstâncias da economia mundial e da política mundial tenham tornado isto mais longo e difícil do que teríamos desejado. Custe o que custar, por muito penoso que sejam os sofrimentos do período de transição, as calamidades, a fome, a ruína, não nos deixaremos abater e levaremos a nossa obra até ao final vitorioso.

O Dia Internacional da Mulher(1920)


V. I. Lênin
7 de Março de 1920
O capitalismo alia à igualdade puramente formal a desigualdade econômica e, portanto, social. Essa é uma de suas características fundamentais hipocritamente dissimulada pelos defensores da burguesia, pelos liberais e não compreendida pelos democratas pequeno-burgueses. Dessa característica do capitalismo decorre, entre outras coisas, a necessidade, na luta decidida pela igualdade econômica, de reconhecer abertamente a desigualdade capitalista e, mesmo, em certas condições de colocar esse reconhecimento explicito da desigualdade na base do Estado proletário (Constituição soviética).
Mas, mesmo no que se refere à igualdade formal (igualdade diante da lei, a «igualdade» entre o bem nutrido e o esfaimado, entre o possuidor e o espoliado), o capitalismo não pode dar prova de coerência. E uma das manifestações mais eloqüentes de sua incoerência é a desigualdade entre o homem e a mulher.
Nenhum Estado burguês, por mais progressista republicano e democrático que fosse, concedeu completa igualdade de direitos ao homem e à mulher.
Ao contrário, a República da Rússia Soviética varreu para sempre, de um só golpe, sem exceção, todos os resquícios das leis que colocavam os dois sexos em condições desiguais e garantiu imediatamente à mulher a igualdade jurídica mais completa.
Já se disse que o índice mais importante do progresso de um povo é a situação jurídica da mulher. Existe nessa fórmula um grão de profunda verdade. Desse ponto de vista, apenas a ditadura do proletariado, apenas o Estado socialista, podia alcançar e alcançou o grau mais avançado do progresso.
Por isso o novo impulso, de força sem precedentes, do movimento operário feminino está ligado à criação (e à consolidação) da primeira república dos sovietes e, ao mesmo tempo, da Internacional Comunista.
Aqueles a quem o capitalismo oprimia de modo direto ou indireto, total ou parcial, o regime dos sovietes — e apenas este regime — assegura a democracia. As condições da classe operária e dos camponeses mais pobres comprovam-no claramente. Comprovam-no claramente as condições da mulher.
Mas a regime dos sovietes é o instrumento da luta final, decisiva, pela abolição das classes, pela igualdade econômica e social. Não nos basta democracia, mesmo a democracia para os oprimidos pelo capitalismo, nestes se incluindo o sexo oprimido.
O movimento operário feminino propõe-se como tarefa principal a luta por conquistar para a mulher a igualdade econômica e social e não apenas igualdade formal. Fazer a mulher participar do trabalho social produtivo, arrancá-la da «escravidão doméstica», libertá-la do jugo degradante e humilhante, eterno e exclusivo do ambiente da cozinha e do quarto dos filhos: eis a principal tarefa.
Será uma luta prolongada porque exige a transformação radical da técnica social e dos costumes. Mas terminará com a vitória completa do comunismo.