domingo, 11 de novembro de 2012

Pobres são consequência dos ricos. Você sabe. Mas não comenta...









Por Leonardo Sakamoto*
O que é roubo? Tirar algo de alguém sem o seu consentimento?
Se assim for, há práticas que hoje são consideradas legais que estão dentro dessa definição.
Podemos não colocar uma arma na cara de uma pessoa e levar a sua carteira para estar roubando. Afinal, existem formas mais delicadas para arrancar dinheiro da sociedade sem que ela possa reagir a isso.

Ouvi uma miríade de prefeitos eleitos dizer que vai reduzir o fosso entre os pobres e ricos criando “cidades para todos” – da mesma forma que governadores e a presidente disseram a mesma coisa quando foram (re)eleitos em 2010. Mas quando analisamos os programas de governo, não encontramos nenhuma mudança estrutural. Só perfumaria.

A desigualdade social pode até diminuir dependendo do ponto de vista. Mas o fosso continua lá, intransponível para a maioria.

Com a justificativa de que “estamos levando desenvolvimento ao país”, nós, os mais ricos, ganhamos rios de dinheiro. A elite deve muito mais ao governo Lula e Dilma do que os mais pobres, apesar da gratidão do segundo grupo ser maior.

Subsídios, isenções fiscais, financiamentos e demais benefícios a que o setor empresarial e os mais ricos têm acesso mantém a ordem das coisas. Ao povão, se não tiverem brioches, que comam pão com ovo (nada contra o pão com ovo, que gosto demais, mas pelo menos seria bom dinheiro para o bacon, né?).

 O fato é que sonegar milhões dá foto em coluna social. Já Maria Aparecida foi mandada para a cadeia por ter furtado um xampu e um condicionador. Perdeu um olho enquanto estava presa. Sueli também foi condenada pelo roubo de dois pacotes de bolacha e um queijo minas. 

São dois, mas poderia ter dado muitos outros exemplos de um país que julga com celeridade casos de reintegração de posse contra sem-terra e sem-teto e que proíbe rapidamente manifestações populares, mas é moroso nos casos de desapropriação de terras griladas que deveriam retornar ao poder público. Implacável com pequenos, preguiçosos com os grandes.

Considerando que a renda de capital é estratosfericamente maior que a renda do trabalho e os recursos usados para o pagamento de juros são bem maiores que os usados em programas sociais (em todos os governos, de FHC a Dilma), fico extremamente incomodado quando ouço pessoas reclamando que “dar dinheiro aos pobres os torna vagabundos”.

 E o dinheiro que vai às classes mais abastadas, que investem em fundos baseados na dívida pública federal? Já perguntei aqui se “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” e quase fui esfolado.

Porque usar essa frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade” e usar a frase aos ricos é ser um “sacripanta de um comunista safado”. E eu nem sou comunista. Sou palmeirente de segunda divisão.

Cansei (se tem gente que pode usar esse termo ridículo, também posso) de ter que financiar com meus impostos o crescimento de empresas, enquanto elas alcançam ganhos enormes que permanecem na mão de poucos investidores. 

Lucros são privatizados. Prejuízos, socializados. Montadoras de automóveis que o digam… E ainda por cima tenho que ouvir de empresários que o governo deveria abrir mais o cofre para investir em infraestrutura e não exigir contrapartidas trabalhistas, sociais e ambientais. Enquanto isso, demitem.

Fico pensando qual a chance de ser realmente rico no Brasil sem ter se beneficiado direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, do trabalho de terceiros ou dos cofres públicos e, portanto, do conjunto dos trabalhadores (que é quem gera valor de verdade).

Como eu disse, isso é mais elegante que apontar uma pistola, mas tem consequências mais nefastas. Quantos sofrem a fome, doenças e violência decorrentes da existência desse sistema?

Está na moda dizer que basta de dividir o Brasil entre ricos e pobres, como se isso fosse feito preleção de time de escola – “você, gordinho e perna-de-pau, fica no time C e, nós, ficamos no time A” (#infanciafeelings). Um discurso que tende a ser vazio por continuarmos querendo domar os mais pobres, garantindo uma frágil pax brasiliana e não universalizando o acesso à dignidade que uns poucos desfrutam. Pois sabemos que, no atual modelo de desenvolvimento, é impossível ir além de passar manteiga nas migalhas antes de entregá-las à xepa.

Defendemos que haja espaço no Brasil para ricos e pobres e não atuamos nas causas que levam à existência de ricos e pobres. Até porque, em grande parte das vezes, o que se vê são os pobres como consequência lógica dos ricos.

Tudo isso não é novidade há dois séculos. Mas como não dormi direito, hoje estou sem paciência para ouvir certas coisas.

Enfim, gostamos da sensação de mudança. Desde que, para o nosso estilo de vida, tudo permaneça como está.

(*) Leonardo Sakamoto é jornalista e doutor em Ciência Política. Cobriu conflitos armados e o desrespeito aos direitos humanos em Timor Leste, Angola e no Paquistão. Professor de Jornalismo na PUC-SP, é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Estudantes marcham em Brasília em defesa dos Guarani Kaiowá


Índios, estudantes e simpatizantes da causa fazem manifestação na Esplanada dos Ministérios
Foto: Pedro Ladeira/Frame/Estadão Conteúdo/Agência Estado  


















Do Portal Terra
Com rostos pintados, estudantes de escolas e universidades de Brasília se reuniram com representantes de movimentos sociais e indígenas de vários Estados, como São Paulo e Mato Grosso, para manifestar o apoio aos guarani kaiowá que lutam há décadas para conseguir a posse da terra em que vivem em Mato Grosso do Sul.

Aluna de uma escola pública, Bianca Gomes de Souza, 16 anos, explicou o motivo da presença dos estudantes no manifesto: "Esta semana, assistimos a um filme sobre a luta dos guarani. Não sabíamos. Decidimos vir para ajudar no protesto. Queremos que a terra seja dada aos índios já que a terra é deles", disse.

Bisneta de um índio da etnia Guarani Kaiowá do Rio Grande do Sul, a nutricionista Denise Camargo da Silva disse que só soube dos episódios em Mato Grosso do Sul pela rede social Facebook. Denise criticou a falta de informações sobre o que ocorre nas regiões onde vivem índios no País.
"Trabalhei em um projeto pela UnB (Universidade de Brasília) e visitei algumas etnias em vários lugares do País. Independentemente do local, eles índios sofrem, são segregados, discriminados e violentados. E a língua deles poucas pessoas falam. Até isso estamos perdendo e são nossos ancestrais", criticou a nutricionista.
O manifesto também contou com o apoio de representantes de outros grupos indígenas. É o caso de Manuel Claudionor, índio da etnia Mutina, de Mato Grosso. Ele é estudante e disse que soube do protesto pelas redes sociais. "Vim pelo que acontece na terra dos guarani, que estão perdendo a terra, muitos estão sendo assassinados ou estão se matando pela perda de seu espaço, da sua cultura. Somos índios e temos convicção de que todos temos os mesmos direitos. Somos os primeiros habitantes do Brasil", disse.

Com uma história semelhante de luta pela terra, Rafael Wedero'o'wa Werére é da reserva Xavante na região de Barra do Garça, em Mato Grosso, reforçou a importância do apoio entre os povos. Ele lembrou que, quando ainda era adolescente, seus pais foram retirados de uma área ocupada por fazendeiros.

"Tivemos problemas parecidos na nossa terra. Agora estamos retomando esta terra. O STF Supremo Tribunal Federal deu decisão favorável para a retirada dos não índios. Temos que apoiar os outros que estão na mesma situação", disse. Para o xavante, o apoio de outras etnias pode ajudar na luta pela demarcação do território Guarani Kaiowá.


"Os guarani estão sofrendo muito e alguns consideram que eles estão invadindo fazendas, sendo que a terra é deles.
Tem que demarcar para que eles possam viver lá e sejam respeitados como povo", defendeu.
Foto: Katia Carvalho/Futura Press

O ato que marcou a primeira manifestação pública a favor do povo Guarani Kaiowá nas ruas da capital federal, desde que os conflitos entre índios e fazendeiros foram retomados, começou a ser organizado por um grupo de estudantes da Universidade de Brasília (UnB). "Começamos a divulgar nas redes sociais e rapidamente tivemos a adesão de centenas de pessoas que começaram a mudar seus nomes no perfil do Facebook acrescentando o nome da etnia Guarani Kaiowá aos sobrenomes e confirmaram a presença na passeata. Essas pessoas divulgaram várias informações sobre a realidade desse povo", explicou Luiza Oliveira, estudante da UnB.
A organização do protesto calcula que 600 pessoas participaram da passeata que começou no Eixo Monumental, região central da cidade, e prosseguiu até o gramado em frente ao Congresso Nacional e à Praça dos Três Poderes, onde de um lado está o Supremo Tribunal Federal e, de outro, o Palácio do Planalto.
A Polícia Militar, que garantiu a segurança dos manifestantes, estima que 300 pessoas tenham participado do protesto.
Cinco mil cruzes foram colocadas em frente ao Congresso na sexta-feira, em protesto que simboliza a morte dos índios
Foto: Wilson Dias/Agência Brasil

Ontem, o governo federal anunciou a suspensão da liminar que determinava a retirada dos índios guaranis kaiowá da Fazenda Cambará, em Mato Grosso do Sul. Com a decisão da Justiça, cerca de 170 índios que vivem no acampamento atualmente devem permanecer no local até que a demarcação de suas terras seja definida. Representantes do governo ainda garantiram que vão agilizar o processo de estudos para demarcação da terra indígena.

De acordo com o Ministério da Justiça, a Fundação Nacional do Índio (Funai) vai apresentar, em 30 dias, o relatório final com a delimitação da área reivindicada pelos índios.