terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Sobre a Nossa Revolução(A Propósito das Notas de N. Sukhanov)


V. I. Lénine
16 e 17 de Janeiro de 1923


I
Folheei nestes dias as notas de Sukhánov sobre a revolução. O que salta sobretudo à vista é o pedantismo de todos os nossos democratas pequeno-burgueses, bem como de todos os heróis da II Internacional. Sem falar já de que são extraordinariamente cobardes e de que mesmo os melhores deles se enchem de reservas quando se trata do menor desvio relativamente ao modelo alemão, sem falar já desta qualidade de todos os democratas pequeno-burgueses, suficientemente manifestada durante toda a revolução, salta à vista a sua servil imitação do passado.
Todos eles se dizem marxistas, mas entendem o marxismo duma maneira extremamente pedante. Não compreenderam de modo nenhum aquilo que é decisivo no marxismo: precisamente a sua dialéctica revolucionária. Não compreenderam em absoluto nem mesmo as indicações directas de Marx, dizendo que nos momentos de revolução é necessária a máxima flexibilidade, e nem sequer notaram, por exemplo, as indicações de Marx na sua correspondência, referente, se bem me recordo, a 1856, na qual expressava a esperança de que a guerra camponesa na Alemanha, capaz de criar uma situação revolucionária, se unisse ao movimento operário — eludem mesmo esta indicação directa, dando voltas em volta dela como o gato em volta do leite quente.
Em toda a sua conduta revelam-se uns reformistas cobardes que temem afastar-se da burguesia e, mais ainda, romper com ela, e ao mesmo tempo ocultam a sua cobardia com a fraseologia e a jactância mais descarada. Mas, mesmo do ponto de vista puramente teórico, salta à vista em todos eles a sua plena incapacidade de compreender a seguinte ideia do marxismo: viram até agora um caminho determinado de desenvolvimento do capitalismo e da democracia burguesa na Europa Ocidental. E eis que eles não são capazes de imaginar que este caminho só pode ser considerado como modelo mutatis mutandis, só com algumas correcções (absolutamente insignificantes, do ponto de vista do curso geral da história universal).
Primeiro — uma revolução ligada à primeira guerra imperialista mundial. Numa tal revolução deviam manifestar-se traços novos ou modificados Precisamente em consequência da guerra, porque nunca houve no mundo tal guerra em tal situação. Vemos que até agora a burguesia dos países mais ricos não pode organizar relações burguesas «normais» depois dessa guerra, enquanto os nossos reformistas, pequenos burgueses que se armam em revolucionários, consideravam e consideram como um limite (além disso insuperável) as relações burguesas normais, compreendendo esta «norma» duma maneira extremamente estereotipada e estreita.
Segundo — é-lhes completamente alheia qualquer ideia de que dentro das leis gerais do desenvolvimento em toda a história mundial não estão de modo nenhum excluídas, mas, pelo contrário, pressupõem-se determinadas etapas de desenvolvimento que apresentam peculiaridades, quer na forma quer na ordem desse desenvolvimento. Nem sequer lhes passa pela cabeça, por exemplo, que a Rússia, situada na fronteira entre os países civilizados e os países que pela primeira vez são arrastados definitivamente por esta guerra para o caminho da civilização, os países de todo o Oriente, os países não europeus, que a Rússia podia e devia, por isso, revelar certas peculiaridades, que naturalmente estão na linha geral do desenvolvimento mundial, mas que distinguem a sua revolução de todas as revoluções anteriores dos países da Europa Ocidental e que introduzem algumas inovações parciais ao deslocar-se para os países orientais.
Por exemplo, não pode ser mais estereotipada a argumentação por eles usada, que aprenderam de memória na época do desenvolvimento da social-democracia da Europa Ocidental, e que consiste no facto de que nós não estamos maduros para o socialismo, de que não existem no nosso país, segundo a expressão de vários «doutos» senhores dentre eles, as premissas económicas objectivas para o socialismo. E não passa pela cabeça de nenhum deles perguntar: não podia um povo que se encontrou numa situação revolucionária como a que se criou durante a primeira guerra imperialista, não podia ele, sob a influência da sua situação sem saída, lançar-se numa luta que lhe abrisse pelo menos algumas possibilidades de conquistar para si condições que não são de todo habituais para o crescimento ulterior da civilização?
«A Rússia não atingiu um nível de desenvolvimento das forças produtivas que torne possível o socialismo. »Todos os heróis da II Internacional, e entre eles, naturalmente, Sukhánov, se comportam como se tivessem descoberto a pólvora. Ruminam esta tese indiscutível de mil maneiras e parece-lhes que é decisiva para apreciar a nossa revolução.
Mas que fazer, se uma situação peculiar levou a Rússia, primeiro à guerra imperialista mundial, na qual intervieram todos os países mais ou menos influentes da Europa Ocidental, e colocou o seu desenvolvimento no limite das revoluções do Oriente, que estão a começar e em parte já começaram, em condições que nos permitiram levar à prática precisamente essa aliança da «guerra camponesa» com o movimento operário sobre as quais escreveu um «marxista» como Marx em 1856 como uma das perspectivas possíveis em relação à Prússia?
Que fazer se uma situação absolutamente sem saída, decuplicando as forças dos operários e camponeses, abria perante nós a possibilidade de passar de maneira diferente de todos os outros países da Europa Ocidental criação das premissas fundamentais da civilização? Alterou-se por isso a linha geral de desenvolvimento da história universal? Alteraram-se por isso as correlações fundamentais das classes fundamentais em cada país que se integra e integrou já no curso geral da história mundial?
Se para criar o socialismo é necessário um determinado nível de cultura (ainda que ninguém possa dizer qual é precisamente esse determinado «nível de cultura», pois ele é diferente em cada um dos Estados da Europa Ocidental), porque é que não podemos começar primeiro pela conquista, por via revolucionária, das premissas para esse determinado nível, e já depois, com base no poder operário e camponês e no regime soviético, pôr-nos em marcha para alcançar os outros povos?
16 de Janeiro de 1923.
II
Para criar o socialismo, dizeis, é necessária civilização. Muito bem. Mas então, porque não havíamos de criar primeiro no nosso país premissas da civilização como a expulsão dos latifundiários e a expulsão dos capitalistas russos e, depois, iniciar um movimento para o socialismo? Em que livros lestes que semelhantes alterações da ordem histórica habitual são inadmissísseis ou impossíveis?
Lembro que Napoleão escreveu: «On s'engage et puis . . . on voit.» Traduzido livremente para russo isto quer dizer: .«Primeiro lançamo-nos no combate sério e depois logo vemos.» E nós, em Outubro de 1917, iniciámos primeiro o combate sério e depois logo vimos os pormenores do desenvolvimento (do ponto de vista da história universal trata-se indubitavelmente de pormenores), tais como a Paz de Brest ou a NEP, etc. E hoje não há dúvida de que, no fundamental, alcançámos a vitória.
Os nossos Sukhánov, sem falar já daqueles sociaís-democratas que estão mais à direita, nem sonham sequer que as revoluções em geral não se podem fazer doutra maneira. Os nossos filisteus europeus não sonham sequer que as futuras revoluções nos países do Oriente, com uma população incomparavelmente mais numerosa e que se diferenciam muito mais pela diversidade das condições sociais, apresentarão sem dúvida mais peculiaridades do que a revolução russa.
Nem é preciso dizer que o manual redigido segundo Kautsky foi, na sua época, uma coisa muito útil. Mas já é tempo de renunciar à ideia de que esse manual tinha previsto todas as formas de desenvolvimento ulterior da história mundial. Àqueles que pensam desse modo é tempo já de os declarar simplesmente imbecis.
17 de Janeiro de 1923.

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