29 de Agosto de 1906
O livro Moscovo em Dezembro de 1905 (M. 1906) não podia ter saído com maior oportunidade. Uma tarefa vital do partido operário é assimilar a experiência da insurreição de Dezembro. É de lamentar que este livro seja uma barrica de mel com uma colher de alcatrão: o material é extremamente interessante, apesar de incompleto, mas as conclusões são incrivelmente superficiais, incrivelmente vulgares. Destas conclusões falaremos à parte(1), por agora voltaremos à questão política actual, às lições da insurreição de Moscovo.
As formas principais do movimento de Dezembro em Moscovo foram a greve pacífica e as manifestações. A enorme maioria da massa operária participou activamente apenas nestas duas formas de luta. Mas precisamente a acção de Dezembro em Moscovo demonstrou com evidência que a greve geral, como forma independente e principal de luta, se tornou obsoleta e que o movimento ultrapassa, com uma força espontânea e irresistível, este quadro estreito e gera a forma suprema da luta, a insurreição.
Todos os partidos revolucionários, todos os sindicatos de Moscovo, ao declarar a greve, tinham consciência e até mesmo sentiam a inevitabilidade da sua transformação em insurreição. O Soviete dos Deputados Operários decidiu em 6 de Dezembro «esforçar-se por transformar a greve em insurreição armada». Mas, de facto, nenhuma das organizações estava preparada para isso, mesmo o Conselho de coligação dos grupos de combate[N273] falava (em 9 de Dezembro!) de insurreição como de algo distante, e a luta de rua passava indubitavelmente por cima da sua cabeça e sem a sua participação. As organizações atrasaram-se em relação ao crescimento e à envergadura do movimento.
A greve ia-se transformando em insurreição, antes de mais, sob a pressão das condições objectivas, criadas depois de Outubro[N274]. Já não era possível surpreender o governo por meio de uma greve geral, ele já organizara a contra-revolução, preparada para acções militares. Tanto o curso geral da revolução russa depois de Outubro como a sucessão dos acontecimentos em Moscovo nas jornadas de Dezembro confirmaram de modo admirável uma das profundas teses de Marx: a revolução avança porque cria uma contra-revolução forte e unida, ou seja, obriga o inimigo a recorrer a meios de defesa cada vez mais extremos e elabora assim meios de ataque cada vez mais poderosos[N275].
7 e 8 de Dezembro: greve pacífica, manifestações pacíficas de massas 8 de Dezembro à noíte: cerco do Aquário[N276]. 9, durante o dia: os dragões carregam contra a multidão na Praça Strastnáia. À noite, esmagamento da casa de Fídler[N277]. A exaltação cresce. A multidão não organizada das ruas começa a erguer de modo completamente espontâneo e ainda insegura-mente as primeiras barricadas.
10: a artilharia abre fogo contra as barricadas e contra a multidão das ruas. A construção de barricadas torna-se uma acção decidida, não isolada, mas indubitavelmente de massas. Toda a população está nas ruas; toda a cidade se cobre de uma rede de barricadas nos principais centros. Durante vários dias desenvolve-se uma tenaz luta de guerrilhas entre os grupos de combate e as tropas, luta que esgota os soldados e obriga Dubássov a implorar reforços. Só em 15 de Dezembro as forças governamentais conseguem uma preponderância decisiva, e a 17 o regimento Semiónovski[N278] esmaga o bairro de Présnia, último baluarte da insurreição.
Da greve e das manifestações às barricadas isoladas. Das barricadas isoladas à construção em massa de barricadas e à luta de ruas contra as tropas. Por cima da cabeça das organizações, a luta proletária de massas passou da greve à insurreição. É nisso que reside a grande aquisição histórica da revolução russa, alcançada em Dezembro de 1905, aquisição alcançada, como todas as precedentes, à custa de sacrifícios imensos. Da greve política geral o movimento elevou-se a um grau superior. Forçou a reacção a ir até ao fim na sua resistência, aproximando assim em proporções gigantescas o momento em que a revolução também irá até ao fim no emprego dos meios ofensivos. A reacção não pode ir mais além do que arrasar com artilharia as barricadas, as casas e a multidão das ruas. A revolução pode ainda ir mais além do que os grupos de combate de Moscovo, pode ir muito, muito mais além, tanto em amplitude como em profundidade. E a revolução avançou muito desde Dezembro. A base da crise revolucionária tornou-se incomensuravelmente mais ampla; agora é preciso afiar mais a lâmina.
As mudanças das condições objectivas da luta, que exigiam a passagem da greve à insurreição, sentiu-as o proletariado antes dos seus dirigentes. A prática, como sempre, precedeu a teoria. A greve pacífica e a manifestações logo deixaram de satisfazer os operários, que perguntavam: e depois? — e exigiam acções mais activas. A directiva de erguer barricada chegou aos bairros com enorme atraso, quando no centro já se erguia barricadas. Os operários lançaram-se à obra em massa, mas também isto não os satisfazia, perguntavam: e depois? — e exigiam acções mais activas. Nós, dirigentes do proletariado social-democrata, em Dezembro assemelhámo-nos àquele chefe militar que tinha os seus regimentos tão absurdamente dispostos que a maior parte das suas tropas não pôde tomar parte activa na batalha. As massas operárias procuravam e não encontravam directivas para acções de massas activas. Nós, dirigentes do proletariado social-democrata, em Dezembro assemelhámo-nos àquele chefe militar que tinha os seus regimentos tão absurdamente dispostos que a maior parte das suas tropas não pôde tomar parte activa na batalha. As massas operárias procuravam e não encontravam directivas para acções de massas activas.
Assim, não há nada mais míope do que o ponto de vista de Plekhánov retomado por todos os oportunistas, de que não se devia começar esta greve inoportuna, de que «não se devia ter pegado em armas». Pelo contrário, o que era preciso era pegar em armas mais decidida, enérgica e ofensivamente, o que era preciso era explicar às massas a impossibilidade de uma greve puramente pacífica e a necessidade de uma luta armada intrépida e implacável. E agora devemos, por fim, reconhecer abertamente e proclamar bem alto a insuficiência das greves políticas, devemos fazer agitação nas mais amplas massas pela insurreição armada, sem esconder esta questão por meio de nenhum «grau preliminar», sem a encobrir com nenhum véu. Esconder das massas a necessidade de uma guerra desesperada, sangrenta e encarniçada, como tarefa imediata da acção próxima, significa enganar-se tanto a si próprio como ao povo.
Tal é a primeira lição dos acontecimentos de Dezembro. Outra lição diz respeito ao carácter da insurreição, à maneira de a realizar, às condições da passagem das tropas para o lado do povo. Na ala direita do nosso partido está fortemente difundido um ponto de vista extremamente unilateral sobre esta passagem. Não se pode, diz-se, lutar contra tropas modernas, é preciso que as tropas se tornem revolucionárias. É evidente que se a revolução não se tornar de massas e não ganhar as próprias tropas, nem se pode falar de uma luta séria. É evidente que o trabalho nas tropas é necessário. Mas não se pode imaginar esta passagem das tropas como um acto simples e isolado, resultante da persuasão, por um lado, e da consciência, por outro. A insurreição de Moscovo mostra-nos com evidência como esta concepção é esteriotipada e estéril. Na realidade, a vacilação das tropas, que todo o movimento verdadeiramente popular implica inevitavelmente, conduz, quando a luta revolucionária se agudiza, a uma verdadeira luta pelas tropas. A insurreição de Moscovo mostra-nos exactamente a mais implacável e a mais encarniçada luta da reacção e da revolução pelas tropas. O próprio Dubássov declarou que, dos 15 mil homens das tropas de Moscovo, só 5 mil eram de confiança. O governo procurava conter os vacilantes pelas medidas mais variadas e mais desesperadas: procuravam convencê-los, adulavam-nos, subornavam-nos distribuindo-lhes relógios, dinheiro, etc, embebedavam-nos com aguardente, enganavam-nos, aterrorizavam-nos, encerravam-nos nos quartéis, desarmavam-nos e tiravam das suas fileiras à traição e pela violência os soldados considerados como os mais inseguros. E é preciso ter a coragem de reconhecer franca e abertamente que neste aspecto nós ficámos atrás do governo. Não soubemos utilizar as forças de que dispúnhamos para uma luta tão activa, audaz, com espírito de iniciativa e de ofensiva pelas tropas vacilantes como a que conduziu e levou a cabo com êxito o governo. Dedicámo-nos e dedicar-nos-emos ainda mais tenazmente a «trabalhar» ideologicamente as tropas. Mas seremos uns tristes pedantes se esquecermos que no momento da insurreição é necessária também uma luta física pelo exército.
O proletariado de Moscovo deu-nos nas jornadas de Dezembro admiráveis lições de «trabalho» ideológico nas tropas; por exemplo, a 8 de Dezembro na Praça Strastnáia quando a multidão cercou os cossacos misturou com eles, confraternizou com eles e persuadiu-os a voltar para trás. Ou no dia 10, em Présnia, quando duas jovens operárias, que levavam uma bandeira vermelha numa multidão de 10 000 pessoas, se lançaram ao encontro dos cossacos gritando: «Matai-nos! Vivas não entregaremos a bandeira!» E os cossacos confundiram-se e deram meia volta sob os gritos da multidão: «Vivam os cossacos!» Estes exemplos de coragem e de heroísmo devem ficar gravados para sempre na consciência do proletariado.
Mas eis exemplos do nosso atraso em relação a Dubássov. No dia 9 de Dezembro pela rua Bolcháia Serpukhovskáia marchavam soldados cantando a Marselhesa a fim de se juntarem aos insurrectos. Os operários enviam-lhes delegados. Malákhov galopa desesperadamente para eles. Os operários chegaram demasiado tarde, Malákhov chega a tempo. Pronunciou um discurso ardente, fez vacilar os soldados, cercou-os com os dragões, levou-os para os quartéis e fechou-os ali. Malákhov chegou a tempo, mas nós não, apesar de por nosso apelo se terem sublevado em dois dias 150 000 homens, que teriam podido e devido organizar um serviço de patrulhas nas ruas. Malákhov fez cercar os soldados com os dragões, mas nós não cercámos os Malákhov com homens armados de bombas. Nós teríamos podido e devido fazer isso e há já muito a imprensa social-democrata (o velho Iskra) indicava que em tempo de insurreição o nosso dever era exterminar implacaveímente os chefes civis e militares. O que aconteceu na rua Bolcháia Serpukhovskáia repetiu-se, pelos vistos, em grandes linhas, em frente dos quartéis Nesvíjskie e Krutítskie, e nas tentativas do proletariado de «imobilizar» o regimento de Ekaterinoslav, no envio de delegados aos sapadores em Alexándrov, no regresso da artilharia de Rostóv que tinha sido enviada contra Moscovo e no desarmamento dos sapadores em Kolomna e assim por diante. No momento da insurreição não estivemos à altura da nossa tarefa na luta pelas tropas vacilantes.
Dezembro confirmou com evidência outra profunda tese de Marx esquecida pelos oportunistas, a saber, que a insurreição é uma arte e a principal regra desta arte é a ofensiva ilimitadamente audaz, inquebrantavelmente decidida[N279]. Não assimilámos suficientemente esta verdade. Nós próprios não aprendemos suficientemente e não ensinámos suficientemente às massas esta arte, esta regra da ofensiva a todo o custo. Temos agora que reparar com toda a energia esta falta. Não basta agrupar-se pela atitude em relação às palavras de ordem políticas, é indispensável agrupar-se também pela atitude em relação à insurreição armada. Quem estiver contra, quem não se preparar para ela, deve ser impiedosamente expulso do número dos partidários da revolução, expulso para o campo dos seus inimigos, dos traidores ou dos cobardes, pois aproxima-se o dia em que a força dos acontecimentos, em que as circunstâncias da luta nos obrigarão a distinguir os inimigos e os amigos seguindo este critério. Não é a passividade que nós devemos pregar, não é a simples «espera» do momento em que as tropas «se passarão»; não, nós devemos tocar todos os sinos, proclamando a necessidade de uma ofensiva audaciosa e de um ataque de armas na mão, a necessidade de exterminar ao mesmo tempo os chefes e de lutar do modo mais enérgico pelas tropas vacilantes.
A terceira grande lição que Moscovo nos deu refere-se à táctica e à organização das forças para a insurreição. A táctica militar depende do nível da técnica militar — Engels mastigou esta verdade e meteu-a na boca dos marxistas[N280]. A técnica militar de hoje não é a mesma que em meados do século XIX. Opor a multidão à artilharia e defender as barricadas com revólver seria uma estupidez. E Kautsky tinha razão ao escrever que já é tempo de se rever, depois de Moscovo, as conclusões de Engels, e que Moscovo fez aparecer uma «nova táctica de barricadas». Esta táctica era a táctica da guerra de guerrilhas. A organização que tal táctica condicionava eram destacamentos móveis e extraordinariamente pequenos: grupos de dez, três e até mesmo dois. Entre nós pode-se encontrar agora com frequência sociais-democratas que dão risinhos quando se fala de grupos de cinco ou de três. Mas os risinhos não são mais do que um meio barato de fechar os olhos perante esta nova questão da táctica e da organização, levantada pela luta de rua, dada a técnica militar moderna. Lede atentamente o relato da insurreição de Moscovo, senhores, e compreendereis que relação têm os «grupos de cinco» com a questão da «nova táctica de barricadas».
Moscovo fê-la aparecer, mas está longe de a ter desenvolvido, está longe de a ter aplicado em proporções verdadeiramente amplas, verdadeiramente de massas. Os membros dos grupos eram pouco numerosos, a massa operária não tinha recebido a palavra de ordem de ataques audaciosos e não a aplicou, o carácter dos destacamentos guerrilheiros era demasiado uniforme, as suas armas e os seus métodos eram insuficientes, a sua capacidade de dirigir a multidão era pouco desenvolvida. Temos que reparar tudo isso e repará-lo-emos, aprendendo com a experiência de Moscovo, difundindo essa experiência entre as massas, despertando a iniciativa criadora das próprias massas no desenvolvimento desta experiência. E a guerra de guerrilhas, o terror de massas, que se desenvolve por toda a parte na Rússia quase ininterruptamente depois de Dezembro, ajudarão indubitavelmente a ensinar às massas a táctica acertada no fomento da insurreição. A social-democracia deve reconhecer e integrar na sua táctica este terror de massas, naturalmente organizando-o e controlando-o, subordinando-o aos interesses e condições do movimento operário e da luta revolucionária geral, eliminando e cortando implacavelmente a deformação «bandoleira» desta guerra de guerrilhas, com a qual acabaram tão magnífica e implacavelmente os moscovitas durante as jornadas da insurreição e os letões durante as jornadas das famosas repúblicas letãs[N281].
A técnica militar deu nos últimos tempos novos passos em frente. A guerra japonesa fez aparecer a granada de mão. As fábricas de armas lançaram no mercado a espingarda automática. Tanto uma como outra já são empregadas com êxito na revolução russa, mas em proporções que estão longe de serem suficientes. Nós podemos e devemos aproveitar-nos do aperfeiçoamento da técnica, ensinar os destacamentos operários a fabricar bombas em massa, ajudá-los assim como aos nossos grupos de combate a fazer reservas de explosivos, detonadores e espingardas automáticas. Se a massa operária participar na insurreição na cidade, se se atacar em massa o inimigo, se se lutar decidida e habilmente pelas tropas que vacilam ainda mais depois da Duma, depois de Sveaborg e Cronstadt[N282], se estiver garantida a participação do campo na luta comum — a vitória será nossa na próxima insurreição armada em toda a Rússia!
Desenvolvamos pois mais amplamente o nosso trabalho e definamos com mais audácia as nossas tarefas, assimilando as lições das grandes jornadas da revolução russa. Na base do nosso trabalho está uma apreciação exacta dos interesses das classes e das necessidades do desenvolvimento de todo o povo no momento actual. Em torno da palavra de ordem de derrubamento do poder tsarista e de convocação da assembleia constituinte por um governo revolucionário nós agrupamos e agruparemos uma parte cada vez maior do proletariado, do campesinato e das tropas. O desenvolvimento da consciência das massas continua a ser, como sempre, a base e o conteúdo principal de todo o nosso trabalho. Mas não esqueçamos que, nos momentos como o que atravessa a Rússia, a esta tarefa geral, constante e essencial se juntam tarefas particulares, especiais. Não nos tornemos pedantes e filisteus, não nos esquivemos a estas tarefas particulares do momento, a estas tarefas especiais das formas actuais de luta, com referências ocas aos nossos deveres constantes e imutáveis em qualquer tempo e em quaisquer condições.
Lembremo-nos que se aproxima a grande luta de massas. Será a insurreição armada. Ela deve ser, na medida do possível, simultânea. As massas devem saber que se lançam a uma luta armada implacável e sangrenta. O desprezo pela morte deve ser difundido entre as massas e ser assegurada a vitória. A ofensiva contra o inimigo deve ser da maior energia; ataque, e não defesa, deve ser a palavra de ordem das massas, o aniquilamento implacável do inimigo será a sua tarefa; a organização da luta tornar-se-á móvel e flexível; os elementos vacilantes das tropas serão arrastados para a luta activa. O partido do proletariado consciente deve cumprir o seu dever nesta grande luta.
As formas principais do movimento de Dezembro em Moscovo foram a greve pacífica e as manifestações. A enorme maioria da massa operária participou activamente apenas nestas duas formas de luta. Mas precisamente a acção de Dezembro em Moscovo demonstrou com evidência que a greve geral, como forma independente e principal de luta, se tornou obsoleta e que o movimento ultrapassa, com uma força espontânea e irresistível, este quadro estreito e gera a forma suprema da luta, a insurreição.
Todos os partidos revolucionários, todos os sindicatos de Moscovo, ao declarar a greve, tinham consciência e até mesmo sentiam a inevitabilidade da sua transformação em insurreição. O Soviete dos Deputados Operários decidiu em 6 de Dezembro «esforçar-se por transformar a greve em insurreição armada». Mas, de facto, nenhuma das organizações estava preparada para isso, mesmo o Conselho de coligação dos grupos de combate[N273] falava (em 9 de Dezembro!) de insurreição como de algo distante, e a luta de rua passava indubitavelmente por cima da sua cabeça e sem a sua participação. As organizações atrasaram-se em relação ao crescimento e à envergadura do movimento.
A greve ia-se transformando em insurreição, antes de mais, sob a pressão das condições objectivas, criadas depois de Outubro[N274]. Já não era possível surpreender o governo por meio de uma greve geral, ele já organizara a contra-revolução, preparada para acções militares. Tanto o curso geral da revolução russa depois de Outubro como a sucessão dos acontecimentos em Moscovo nas jornadas de Dezembro confirmaram de modo admirável uma das profundas teses de Marx: a revolução avança porque cria uma contra-revolução forte e unida, ou seja, obriga o inimigo a recorrer a meios de defesa cada vez mais extremos e elabora assim meios de ataque cada vez mais poderosos[N275].
7 e 8 de Dezembro: greve pacífica, manifestações pacíficas de massas 8 de Dezembro à noíte: cerco do Aquário[N276]. 9, durante o dia: os dragões carregam contra a multidão na Praça Strastnáia. À noite, esmagamento da casa de Fídler[N277]. A exaltação cresce. A multidão não organizada das ruas começa a erguer de modo completamente espontâneo e ainda insegura-mente as primeiras barricadas.
10: a artilharia abre fogo contra as barricadas e contra a multidão das ruas. A construção de barricadas torna-se uma acção decidida, não isolada, mas indubitavelmente de massas. Toda a população está nas ruas; toda a cidade se cobre de uma rede de barricadas nos principais centros. Durante vários dias desenvolve-se uma tenaz luta de guerrilhas entre os grupos de combate e as tropas, luta que esgota os soldados e obriga Dubássov a implorar reforços. Só em 15 de Dezembro as forças governamentais conseguem uma preponderância decisiva, e a 17 o regimento Semiónovski[N278] esmaga o bairro de Présnia, último baluarte da insurreição.
Da greve e das manifestações às barricadas isoladas. Das barricadas isoladas à construção em massa de barricadas e à luta de ruas contra as tropas. Por cima da cabeça das organizações, a luta proletária de massas passou da greve à insurreição. É nisso que reside a grande aquisição histórica da revolução russa, alcançada em Dezembro de 1905, aquisição alcançada, como todas as precedentes, à custa de sacrifícios imensos. Da greve política geral o movimento elevou-se a um grau superior. Forçou a reacção a ir até ao fim na sua resistência, aproximando assim em proporções gigantescas o momento em que a revolução também irá até ao fim no emprego dos meios ofensivos. A reacção não pode ir mais além do que arrasar com artilharia as barricadas, as casas e a multidão das ruas. A revolução pode ainda ir mais além do que os grupos de combate de Moscovo, pode ir muito, muito mais além, tanto em amplitude como em profundidade. E a revolução avançou muito desde Dezembro. A base da crise revolucionária tornou-se incomensuravelmente mais ampla; agora é preciso afiar mais a lâmina.
As mudanças das condições objectivas da luta, que exigiam a passagem da greve à insurreição, sentiu-as o proletariado antes dos seus dirigentes. A prática, como sempre, precedeu a teoria. A greve pacífica e a manifestações logo deixaram de satisfazer os operários, que perguntavam: e depois? — e exigiam acções mais activas. A directiva de erguer barricada chegou aos bairros com enorme atraso, quando no centro já se erguia barricadas. Os operários lançaram-se à obra em massa, mas também isto não os satisfazia, perguntavam: e depois? — e exigiam acções mais activas. Nós, dirigentes do proletariado social-democrata, em Dezembro assemelhámo-nos àquele chefe militar que tinha os seus regimentos tão absurdamente dispostos que a maior parte das suas tropas não pôde tomar parte activa na batalha. As massas operárias procuravam e não encontravam directivas para acções de massas activas. Nós, dirigentes do proletariado social-democrata, em Dezembro assemelhámo-nos àquele chefe militar que tinha os seus regimentos tão absurdamente dispostos que a maior parte das suas tropas não pôde tomar parte activa na batalha. As massas operárias procuravam e não encontravam directivas para acções de massas activas.
Assim, não há nada mais míope do que o ponto de vista de Plekhánov retomado por todos os oportunistas, de que não se devia começar esta greve inoportuna, de que «não se devia ter pegado em armas». Pelo contrário, o que era preciso era pegar em armas mais decidida, enérgica e ofensivamente, o que era preciso era explicar às massas a impossibilidade de uma greve puramente pacífica e a necessidade de uma luta armada intrépida e implacável. E agora devemos, por fim, reconhecer abertamente e proclamar bem alto a insuficiência das greves políticas, devemos fazer agitação nas mais amplas massas pela insurreição armada, sem esconder esta questão por meio de nenhum «grau preliminar», sem a encobrir com nenhum véu. Esconder das massas a necessidade de uma guerra desesperada, sangrenta e encarniçada, como tarefa imediata da acção próxima, significa enganar-se tanto a si próprio como ao povo.
Tal é a primeira lição dos acontecimentos de Dezembro. Outra lição diz respeito ao carácter da insurreição, à maneira de a realizar, às condições da passagem das tropas para o lado do povo. Na ala direita do nosso partido está fortemente difundido um ponto de vista extremamente unilateral sobre esta passagem. Não se pode, diz-se, lutar contra tropas modernas, é preciso que as tropas se tornem revolucionárias. É evidente que se a revolução não se tornar de massas e não ganhar as próprias tropas, nem se pode falar de uma luta séria. É evidente que o trabalho nas tropas é necessário. Mas não se pode imaginar esta passagem das tropas como um acto simples e isolado, resultante da persuasão, por um lado, e da consciência, por outro. A insurreição de Moscovo mostra-nos com evidência como esta concepção é esteriotipada e estéril. Na realidade, a vacilação das tropas, que todo o movimento verdadeiramente popular implica inevitavelmente, conduz, quando a luta revolucionária se agudiza, a uma verdadeira luta pelas tropas. A insurreição de Moscovo mostra-nos exactamente a mais implacável e a mais encarniçada luta da reacção e da revolução pelas tropas. O próprio Dubássov declarou que, dos 15 mil homens das tropas de Moscovo, só 5 mil eram de confiança. O governo procurava conter os vacilantes pelas medidas mais variadas e mais desesperadas: procuravam convencê-los, adulavam-nos, subornavam-nos distribuindo-lhes relógios, dinheiro, etc, embebedavam-nos com aguardente, enganavam-nos, aterrorizavam-nos, encerravam-nos nos quartéis, desarmavam-nos e tiravam das suas fileiras à traição e pela violência os soldados considerados como os mais inseguros. E é preciso ter a coragem de reconhecer franca e abertamente que neste aspecto nós ficámos atrás do governo. Não soubemos utilizar as forças de que dispúnhamos para uma luta tão activa, audaz, com espírito de iniciativa e de ofensiva pelas tropas vacilantes como a que conduziu e levou a cabo com êxito o governo. Dedicámo-nos e dedicar-nos-emos ainda mais tenazmente a «trabalhar» ideologicamente as tropas. Mas seremos uns tristes pedantes se esquecermos que no momento da insurreição é necessária também uma luta física pelo exército.
O proletariado de Moscovo deu-nos nas jornadas de Dezembro admiráveis lições de «trabalho» ideológico nas tropas; por exemplo, a 8 de Dezembro na Praça Strastnáia quando a multidão cercou os cossacos misturou com eles, confraternizou com eles e persuadiu-os a voltar para trás. Ou no dia 10, em Présnia, quando duas jovens operárias, que levavam uma bandeira vermelha numa multidão de 10 000 pessoas, se lançaram ao encontro dos cossacos gritando: «Matai-nos! Vivas não entregaremos a bandeira!» E os cossacos confundiram-se e deram meia volta sob os gritos da multidão: «Vivam os cossacos!» Estes exemplos de coragem e de heroísmo devem ficar gravados para sempre na consciência do proletariado.
Mas eis exemplos do nosso atraso em relação a Dubássov. No dia 9 de Dezembro pela rua Bolcháia Serpukhovskáia marchavam soldados cantando a Marselhesa a fim de se juntarem aos insurrectos. Os operários enviam-lhes delegados. Malákhov galopa desesperadamente para eles. Os operários chegaram demasiado tarde, Malákhov chega a tempo. Pronunciou um discurso ardente, fez vacilar os soldados, cercou-os com os dragões, levou-os para os quartéis e fechou-os ali. Malákhov chegou a tempo, mas nós não, apesar de por nosso apelo se terem sublevado em dois dias 150 000 homens, que teriam podido e devido organizar um serviço de patrulhas nas ruas. Malákhov fez cercar os soldados com os dragões, mas nós não cercámos os Malákhov com homens armados de bombas. Nós teríamos podido e devido fazer isso e há já muito a imprensa social-democrata (o velho Iskra) indicava que em tempo de insurreição o nosso dever era exterminar implacaveímente os chefes civis e militares. O que aconteceu na rua Bolcháia Serpukhovskáia repetiu-se, pelos vistos, em grandes linhas, em frente dos quartéis Nesvíjskie e Krutítskie, e nas tentativas do proletariado de «imobilizar» o regimento de Ekaterinoslav, no envio de delegados aos sapadores em Alexándrov, no regresso da artilharia de Rostóv que tinha sido enviada contra Moscovo e no desarmamento dos sapadores em Kolomna e assim por diante. No momento da insurreição não estivemos à altura da nossa tarefa na luta pelas tropas vacilantes.
Dezembro confirmou com evidência outra profunda tese de Marx esquecida pelos oportunistas, a saber, que a insurreição é uma arte e a principal regra desta arte é a ofensiva ilimitadamente audaz, inquebrantavelmente decidida[N279]. Não assimilámos suficientemente esta verdade. Nós próprios não aprendemos suficientemente e não ensinámos suficientemente às massas esta arte, esta regra da ofensiva a todo o custo. Temos agora que reparar com toda a energia esta falta. Não basta agrupar-se pela atitude em relação às palavras de ordem políticas, é indispensável agrupar-se também pela atitude em relação à insurreição armada. Quem estiver contra, quem não se preparar para ela, deve ser impiedosamente expulso do número dos partidários da revolução, expulso para o campo dos seus inimigos, dos traidores ou dos cobardes, pois aproxima-se o dia em que a força dos acontecimentos, em que as circunstâncias da luta nos obrigarão a distinguir os inimigos e os amigos seguindo este critério. Não é a passividade que nós devemos pregar, não é a simples «espera» do momento em que as tropas «se passarão»; não, nós devemos tocar todos os sinos, proclamando a necessidade de uma ofensiva audaciosa e de um ataque de armas na mão, a necessidade de exterminar ao mesmo tempo os chefes e de lutar do modo mais enérgico pelas tropas vacilantes.
A terceira grande lição que Moscovo nos deu refere-se à táctica e à organização das forças para a insurreição. A táctica militar depende do nível da técnica militar — Engels mastigou esta verdade e meteu-a na boca dos marxistas[N280]. A técnica militar de hoje não é a mesma que em meados do século XIX. Opor a multidão à artilharia e defender as barricadas com revólver seria uma estupidez. E Kautsky tinha razão ao escrever que já é tempo de se rever, depois de Moscovo, as conclusões de Engels, e que Moscovo fez aparecer uma «nova táctica de barricadas». Esta táctica era a táctica da guerra de guerrilhas. A organização que tal táctica condicionava eram destacamentos móveis e extraordinariamente pequenos: grupos de dez, três e até mesmo dois. Entre nós pode-se encontrar agora com frequência sociais-democratas que dão risinhos quando se fala de grupos de cinco ou de três. Mas os risinhos não são mais do que um meio barato de fechar os olhos perante esta nova questão da táctica e da organização, levantada pela luta de rua, dada a técnica militar moderna. Lede atentamente o relato da insurreição de Moscovo, senhores, e compreendereis que relação têm os «grupos de cinco» com a questão da «nova táctica de barricadas».
Moscovo fê-la aparecer, mas está longe de a ter desenvolvido, está longe de a ter aplicado em proporções verdadeiramente amplas, verdadeiramente de massas. Os membros dos grupos eram pouco numerosos, a massa operária não tinha recebido a palavra de ordem de ataques audaciosos e não a aplicou, o carácter dos destacamentos guerrilheiros era demasiado uniforme, as suas armas e os seus métodos eram insuficientes, a sua capacidade de dirigir a multidão era pouco desenvolvida. Temos que reparar tudo isso e repará-lo-emos, aprendendo com a experiência de Moscovo, difundindo essa experiência entre as massas, despertando a iniciativa criadora das próprias massas no desenvolvimento desta experiência. E a guerra de guerrilhas, o terror de massas, que se desenvolve por toda a parte na Rússia quase ininterruptamente depois de Dezembro, ajudarão indubitavelmente a ensinar às massas a táctica acertada no fomento da insurreição. A social-democracia deve reconhecer e integrar na sua táctica este terror de massas, naturalmente organizando-o e controlando-o, subordinando-o aos interesses e condições do movimento operário e da luta revolucionária geral, eliminando e cortando implacavelmente a deformação «bandoleira» desta guerra de guerrilhas, com a qual acabaram tão magnífica e implacavelmente os moscovitas durante as jornadas da insurreição e os letões durante as jornadas das famosas repúblicas letãs[N281].
A técnica militar deu nos últimos tempos novos passos em frente. A guerra japonesa fez aparecer a granada de mão. As fábricas de armas lançaram no mercado a espingarda automática. Tanto uma como outra já são empregadas com êxito na revolução russa, mas em proporções que estão longe de serem suficientes. Nós podemos e devemos aproveitar-nos do aperfeiçoamento da técnica, ensinar os destacamentos operários a fabricar bombas em massa, ajudá-los assim como aos nossos grupos de combate a fazer reservas de explosivos, detonadores e espingardas automáticas. Se a massa operária participar na insurreição na cidade, se se atacar em massa o inimigo, se se lutar decidida e habilmente pelas tropas que vacilam ainda mais depois da Duma, depois de Sveaborg e Cronstadt[N282], se estiver garantida a participação do campo na luta comum — a vitória será nossa na próxima insurreição armada em toda a Rússia!
Desenvolvamos pois mais amplamente o nosso trabalho e definamos com mais audácia as nossas tarefas, assimilando as lições das grandes jornadas da revolução russa. Na base do nosso trabalho está uma apreciação exacta dos interesses das classes e das necessidades do desenvolvimento de todo o povo no momento actual. Em torno da palavra de ordem de derrubamento do poder tsarista e de convocação da assembleia constituinte por um governo revolucionário nós agrupamos e agruparemos uma parte cada vez maior do proletariado, do campesinato e das tropas. O desenvolvimento da consciência das massas continua a ser, como sempre, a base e o conteúdo principal de todo o nosso trabalho. Mas não esqueçamos que, nos momentos como o que atravessa a Rússia, a esta tarefa geral, constante e essencial se juntam tarefas particulares, especiais. Não nos tornemos pedantes e filisteus, não nos esquivemos a estas tarefas particulares do momento, a estas tarefas especiais das formas actuais de luta, com referências ocas aos nossos deveres constantes e imutáveis em qualquer tempo e em quaisquer condições.
Lembremo-nos que se aproxima a grande luta de massas. Será a insurreição armada. Ela deve ser, na medida do possível, simultânea. As massas devem saber que se lançam a uma luta armada implacável e sangrenta. O desprezo pela morte deve ser difundido entre as massas e ser assegurada a vitória. A ofensiva contra o inimigo deve ser da maior energia; ataque, e não defesa, deve ser a palavra de ordem das massas, o aniquilamento implacável do inimigo será a sua tarefa; a organização da luta tornar-se-á móvel e flexível; os elementos vacilantes das tropas serão arrastados para a luta activa. O partido do proletariado consciente deve cumprir o seu dever nesta grande luta.
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