Setembro de 1916
Na Holanda, Escandinávia e na Suíça entre os sociais-democratas revolucionários que lutam contra a mentira dos sociais-chauvinistas sobre a «defesa da pátria» na actual guerra imperialista, ouvem-se vozes em favor da substituição do velho ponto do programa mínimo da social-democracia: «milícia» ou «armamento do povo» — por um novo: «desarmamento». O Jugend-Internationale[N382] abriu a discussão sobre esta questão e no seu n.° 3 publicou um artigo da redacção a favor do desarmamento. Nas mais recentes teses de R. Grimm[N383] encontramos também, infelizmente, uma concessão à ideia do «desarmamento». Nas revistas Neues Leben[N384]e Vorbote abriu-se uma discussão.
Analisemos a posição dos defensores do desarmamento.
I
O argumento fundamental consiste em que a reivindicação do desarmamento é a expressão mais clara, mais decidida e mais consequente da luta contra todo o militarismo e contra toda a guerra.
Mas é neste argumento fundamental que reside o principal erro dos partidários do desarmamento. Os socialistas não podem, sem deixarem de ser socialistas, ser contra toda a guerra.
Em primeiro lugar, os socialistas nunca foram e nunca poderão ser adversários de guerras revolucionárias. A burguesia das «grandes» potências imperialistas tornou-se totalmente reaccionária, e nós reconhecemos que a guerra conduzida agora por essa burguesia é uma guerra reaccionária, escravista e criminosa. Mas que se pode então dizer de uma guerra contra esta burguesia? Por exemplo, de uma guerra dos povos oprimidos por esta burguesia e dela dependentes ou coloniais pela sua libertação? Nas teses do grupo «Internacional», no parágrafo 5, lê-se: «Na era deste imperialismo desenfreado já não pode haver quaisquer guerras nacionais» — isto é evidentemente falso.
A história do século XX, este século do «imperialismo desenfreado», está cheia de guerras coloniais. Mas aquilo a que nós, europeus, opressores imperialistas da maioria dos povos do mundo, com o odioso chauvinismo europeu que nos é próprio, chamamos «guerras coloniais», são frequentemente guerras nacionais ou insurreições nacionais destes povos oprimidos. Uma das propriedades mais fundamentais do imperialismo consiste precisamente em que ele acelera o desenvolvimento do capitalismo nos países mais atrasados e com isso amplia e agudiza a luta contra a opressão nacional. Isto é um facto. E daqui decorre, inevitavelmente, que o imperialismo em muitos casos tem que gerar guerras nacionais. Junius, que na sua brochura defende as «teses» citadas, diz que na época imperialista qualquer guerra nacional contra uma das grandes potências imperialistas leva à intervenção de outra grande potência, também imperialista e concorrente da primeira, e que, deste modo, qualquer guerra nacional se transforma em imperialista. Mas também este argumento é falso. Isto pode acontecer, mas nem sempre acontece. Muitas guerras coloniais nos anos de 1900 a 1914 não seguiram este caminho. E seria simplesmente ridículo se declarássemos que, por exemplo, depois da guerra actual, se ela terminar com um esgotamento extremo dos países beligerantes, «não pode» haver «nenhuma» guerra nacional, progressiva, revolucionária, por parte, digamos, da China em aliança com a Índia, Pérsia, Sião, etc, contra as grandes potências.
A negação de qualquer possibilidade de guerras nacionais sob o imperialismo é teoricamente falsa, evidentemente errada no plano histórico e equivalente no plano prático ao chauvinismo europeu: nós, que pertencemos às nações que oprimem centenas de milhões de pessoas na Europa, na África, na Ásia, etc, nós devemos declarar aos povos oprimidos que a sua guerra contra as «nossas» nações é «impossível»!
Em segundo lugar, as guerras civis também são guerras. Quem reconhece a luta de classes não pode deixar de reconhecer as guerras civis, que em qualquer sociedade de classes representam a natural, e em determinadas circunstâncias inevitável, continuação, desenvolvimento e agudização da luta de classes. Todas as grandes revoluções o confirmam. Negar as guerras civis ou esquecê-las significaria cair num oportunismo extremo e renegar a revolução socialista.
Em terceiro lugar, o socialismo vitorioso num só país de modo algum exclui imediatamente todas as guerras em geral. Pelo contrário, pressupõe-nas. O desenvolvimento do capitalismo realiza-se de modo extremamente desigual nos diferentes países. Nem pode ser de outra forma na produção mercantil. Daí decorre a indiscutível conclusão de que o socialismo não pode vencer simultaneamente em todos os países. Ele vencerá inicialmente num só ou em vários países, continuando os restantes a ser, durante certo tempo, burgueses ou pré-burgueses. Isto deverá provocar não apenas atritos mas também a tendência directa da burguesia dos outros países para derrotar o proletariado vitorioso do Estado socialista. Em tais casos a guerra seria da nossa parte legítima e justa. Seria uma guerra pelo socialismo, pela libertação de outros povos da burguesia. Engels tinha inteira razão quando, na sua carta a Kautsky de 12 de Setembro de 1882, reconhecia expressamente a possibilidade de «guerras defensivas» do socialismo já vitorioso. Ele tinha em vista, precisamente, a defesa do proletariado vitorioso contra a burguesia dos outros países.
Só depois de termos derrubado, vencido e expropriado definitivamente a burguesia no mundo inteiro, e não apenas num só país, é que as guerras se tornarão impossíveis. E, do ponto de vista científico, seria portanto completamente incorrecto e completamente não-revolucionário se eludíssemos ou dissimulássemos exactamente o que é mais importante: o esmagamento da resistência da burguesia — o mais difícil, o que mais luta exige durante a passagem ao socialismo. Os padres «sociais» e os oportunistas estão sempre prontos a sonhar com o futuro socialismo pacífico, mas aquilo que os distingue dos sociais-democratas revolucionários é exactamente eles não quererem pensar e sonhar com a encarniçada luta de classes e com as guerras de classes para tornar realidade este futuro maravilhoso.
Não nos devemos deixar enganar por palavras. Por exemplo, a noção «defesa da pátria» é odiosa para muitos, porque os oportunistas declarados e os kautskistas encobrem e dissimulam com ela a mentira da burguesia na presente guerra de rapina. Isto é um facto. Mas disto não decorre que devamos deixar de saber meditar sobre o significado das palavras de ordem políticas. Reconhecer a «defesa da pátria» nesta guerra significa considerá-la «justa», conforme com os interesses do proletariado, e nada mais, e mais uma vez nada mais, porque a invasão não se exclui em nenhuma guerra. Seria simplesmente uma estupidez negar a «defesa da pátria» por parte dos povos oprimidos na sua guerra contra as grandes potências imperialistas ou por parte do proletariado vitorioso na sua guerra contra qualquer Galliffet de um Estado burguês.
No plano teórico seria totalmente errado esquecer que qualquer guerra não é mais do que a continuação da política por outros meios; a actual guerra imperialista é a continuação da política imperialista de dois grupos de grandes potências, e esta política é gerada e alimentada pelo conjunto das relações da época imperialista. Mas esta mesma época deve necessariamente gerar e alimentar também a política de luta contra a opressão nacional e de luta do proletarido contra a burguesia e, por isso, a possibilidade e a inevitabifidade, em primeiro lugar, das insurreições e guerras revolucionárias nacionais, em segundo lugar das guerras e insurreições do proletariado contra a burguesia, em terceiro lugar da unificação de ambas as espécies de guerras revolucionárias, etc.
II
A isto junta-se ainda a seguinte consideração geral.
Uma classe oprimida que não aspire a aprender a manejar as armas, a possuir armas, tal classe oprimida mereceria apenas ser tratada como são tratados os escravos. Pois não podemos esquecer, sem nos transformarmos em pacifistas burgueses ou oportunistas, que vivemos numa sociedade de classes e que dela não há nem pode haver outra saída que não seja a luta de classes. Em qualquer sociedade de classes, seja ela baseada na escravatura, na servidão ou, como agora, no trabalho assalariado, a classe opressora está armada. Não só o actual exército permanente, mas também a actual milícia, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, por exemplo na Suíça, são o armamento da burguesia contra o proletariado. Esta é uma verdade tão elementar que talvez não haja necessidade de nos determos nela em especial. Basta lembrar o emprego de tropas contra os grevistas em todos os países capitalistas.
O armamento da burguesia contra o proletariado é um dos factos mais consideráveis, fundamentais e importantes da moderna sociedade capitalista. E perante este facto propõe-se aos sociais-democratas revolucionários que apresentem a «reivindicação» do «desarmamento»! Isso seria uma negação total do ponto de vista da luta de classes, uma renúncia de qualquer ideia de revolução. A nossa palavra de ordem deve ser: armar o proletariado para vencer, expropriar e desarmar a burguesia. Esta é a única táctica possível para a classe revolucionária, táctica que decorre de todo o desenvolvimento objectivo do militarismo capitalista e é determinada por este desenvolvimento. Só depois de o proletariado desarmar a burguesia é que poderá, sem trair a sua tarefa histórico-universal, atirar para o ferro-velho todo o armamento em geral e, indubitavelmente, o proletariado fá-lo-á, mas só então, de modo nenhum antes.
Se a guerra actual provoca nos reaccionários socialistas cristãos e nos choramingas pequeno-burgueses apenas o horror e medo, apenas repugnância por qualquer emprego das armas, pelo sangue, pela morte, etc, nós devemos dizer: a sociedade capitalista foi e é sempre um horror sem fim. E se agora a mais reaccionária de todas as guerras prepara a esta sociedade um fim horrível, nós não temos nenhuma razão para cair no desespero. E, pelo seu significado objectivo, outra coisa não é senão uma manifestação precisamente de desespero, a «reivindicação» de desarmamento — melhor dizendo: o sonho com o desarmamento, numa altura em que diante dos olhos de todos se prepara, com as forças da própria burguesia, a única guerra legítima e revolucionária, a saber: a guerra civil contra a burguesia imperialista.
A quem diga que isto é uma teoria separada da vida, recordaremos dois factos históricos universais: por um lado o papel dos trusts e do trabalho das mulheres nas fábricas e, por outro, a Comuna de 1871 e a insurreição de Dezembro de 1905 na Rússia.
A burguesia encarrega-se de desenvolver os trusts, de empurrar as crianças e as mulheres para as fábricas, de aí as martirizar, perverter e condenar à extrema miséria. Nós não «reivindicamos» tal desenvolvimento, não o «apoiamos», lutamos contra ele. Mas como lutamos? Sabemos que os trusts e o trabalho das mulheres nas fábricas são progressivos. Não queremos andar para trás, para o trabalho artesanal, para o capitalismo pré-monopolista, para o trabalho doméstico das mulheres. Avante, através dos trusts, etc, e mais além, para o socialismo!
Este raciocínio é aplicável também, com as devidas modificações, à actual militarização do povo. Hoje a burguesia imperialista militariza não só todo o povo, mas também a juventude. Amanhã talvez comece a militarizar as mulheres. Nós devemos dizer a este propósito: tanto melhor! Rápido para a frente! Quanto mais rápido, mais nos aproximamos da insurreição armada contra o capitalismo. Como podem os sociais-democratas deixar-se amedrontar pela militarização da juventude, etc, se não esquecem o exemplo da Comuna? Isto não é uma «teoria separada da vida», não é um sonho, mas um facto. E seria na verdade muito mau se os sociais-democratas, apesar de todos os factos económicos e políticos, começassem a duvidar de que a época imperialista e as guerras imperialistas devem conduzir inevitavelmente à repetição de tais factos.
Um observador burguês da Comuna escrevia em Maio de 1871 num jornal inglês: «Se a nação francesa fosse constituída só por mulheres, que terrível nação seria!» As mulheres e as crianças com mais de 13 anos de idade lutaram durante a Comuna juntamente com os homens. Não poderá ser de outra forma também nos futuros combates pelo derrubamento da burguesia. As mulheres proletárias não contemplarão passivamente como a burguesia bem armada metralhará os operários mal armados ou desarmados. Elas pegarão em armas, tal como em 1871, e, das actuais nações amedrontadas -ou melhor: do actual movimento operário, desorganizado mais pelos oportunistas do que pelos governos — surgirá, indubitavelmente, mais cedo ou mais tarde, mas de modo absolutamente indubitável, uma aliança internacional de «terríveis nações» do proletariado revolucionário.
Agora a militarização penetra toda a vida social. O imperialismo é uma luta encarniçada das grandes potências pela partilha e redistribuição do mundo, por isso deve conduzir inevitavelmente ao reforço da militarização em todos os países, mesmo nos neutros e nos pequenos. Que farão contra isso as mulheres proletárias?? Apenas maldizer toda a guerra e tudo o que é militar, apenas reivindicar o desarmamento? Nunca as mulheres duma classe oprimida, que é efectivamente revolucionária, se conformarão com um papel tão vergonhoso. Elas dirão aos seus filhos: «Em breve serás grande. Dar-te-ão uma espingarda. Toma-a e aprende bem a manejar as armas. Esta ciência é indispensável para os proletários — não para atirar contra os teus irmãos, os operários de outros países, como se faz na actual guerra e como os traidores do socialismo te aconselham a fazer — mas para lutar contra a burguesia do teu próprio país, para pôr fim à exploração, à miséria e às guerras não por meio de votos piedosos, mas por meio da vitória sobre a burguesia e do seu desarmamento.»
Se se renunciar a fazer tal propaganda, e precisamente tal propaganda em relação à guerra actual, é melhor não dizer grandes palavras sobre a social-democracia revolucionária internacional, sobre a revolução socialista e sobre a guerra contra a guerra.
III
Os partidários do desarmamento pronunciam-se contra o ponto programático do «armamento do povo», entre outras coisas porque esta última reivindicação conduziria mais facilmente a concessões ao oportunismo. Nós analisámos acima o mais importante: a relação do desarmamento com a luta de classes e com a revolução social. Analisemos agora a questão da relação da reivindicação do desarmamento com o oportunismo. Uma das mais importantes causas da inadmissibilidade desta reivindicação consiste precisamente em que ela e as ilusões que gera debilitam e retiram força inevitavelmente à nossa luta contra o oportunismo.
Não há dúvida de que esta luta é a questão principal imediata da Internacional. Uma luta contra o imperialismo que não esteja indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo é uma frase oca ou um logro. Um dos principais defeitos de Zimmerwald e de Kienthal[N385], uma das causas fundamentais do possível fracasso destes germes da III Internacional consiste exactamente no facto de a questão da luta contra o oportunismo não ter sido sequer colocada abertamente, não falando já da sua resolução no sentido da necessidade da ruptura com os oportunistas. O oportunismo venceu — temporariamente — no seio do movimento operário europeu. Em todos os grandes países formaram-se dois matizes principais do oportunismo: primeiro, o social-imperialismo aberto, cínico, e por isso menos perigoso, dos senhores Plekhánov, Scheidemann, Legien, Albert Thomas e Sembat, Vandervelde, Hyndman, Henderson, etc. Segundo, o encoberto, kautskiano: Kautsky—Haase e o «Grupo Social-Democrata do Trabalho»[N386] na Alemanha; Longuet, Pressemane, Mayéras, etc, na França; Ramsay MacDonald e outros chefes do «Partido Trabalhista Independente» da Inglaterra; Mártov, Tchkheídze, etc, na Rússia; Treves e outros reformistas ditos de esquerda na Itália.
O oportunismo franco é aberta e directamente contra a revolução e contra os movimentos e explosões revolucionárias que se estão a iniciar e está em aliança directa com os governos, por mais diferentes que sejam as formas desta aliança, a começar com a participação nos ministérios e a terminar com a participação nos comités industriais de guerra (na Rússia)[N387]. Os oportunistas encobertos, os kautskianos, são muito mais perniciosos e perigosos para o movimento operário, porque eles escondem a sua defesa da aliança com os primeiros com a ajuda de palavrinhas «marxistas» e palavras de ordem pacifistas que soam a plausível. A luta contra estas duas formas do oportunismo dominante deve ser travada em todos os terrenos da política proletária: no parlamento, nos sindicatos, nas greves, nas questões militares, etc. A principal particularidade que distingue ambas estas formas do oportunismo dominante consiste em que é silenciada, encoberta ou tratada com os olhos postos nas proibições policiais a questão concreta da ligação da guerra actual com a revolução e outras questões concretas da revolução. E isto apesar de antes da guerra se ter assinalado inúmeras vezes a ligação precisamente desta guerra iminente com a revolução proletária, tanto de modo não oficial, como oficialmente no Manifesto de Basileia[N388]. Mas o principal defeito da reivindicação do desarmamento consiste precisamente em que aqui se eludem todas as questões concretas da revolução. Ou será que os partidários do desarmamento são por um tipo totalmente novo de revolução desarmada?
Continuemos. Nós não somos de modo algum contra a luta por reformas. Não queremos ignorar a triste possibilidade de que a humanidade sofra, no pior dos casos, ainda uma segunda guerra imperialista, se a revolução não surgir da guerra actual, apesar das numerosas explosões da efervescência das massas e do descontentamento das massas e apesar dos nossos esforços. Somos partidários de um programa de reformas que também deve estar voltado contra os oportunistas. Os oportunistas ficariam muito felizes se nós deixássemos só para eles a luta por reformas e nos elevássemos para as nuvens de um vago «desarmamento», fugindo de uma triste realidade. O «desarmamento» é precisamente a fuga a uma detestável realidade e de modo nenhum uma luta contra ela.
Num tal programa nós diríamos mais ou menos assim: «A palavra de ordem e o reconhecimento da defesa da pátria na guerra imperialista de 1914-1916 são apenas a corrupção do movimento operário com mentiras burguesas.» Tal resposta concreta às questões concretas seria teoricamente mais correcta, muito mais útil para o proletariado, mais insuportável para os oportunistas, do que a reivindicação do desarmamento e do que a renúncia a «toda» a defesa da pátria. E poderíamos acrescentar: «A burguesia de todas as grandes potências imperialistas, da Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Rússia, Itália, Japão e Estados Unidos, tornou-se tão reaccionária e tão penetrada da aspiração ao domínio mundial que toda a guerra por parte da burguesia destes países só pode ser reaccionária. O proletariado deve ser não só contra toda a guerra deste tipo, mas também deve desejar a derrota do 'seu' governo em tais guerras e aproveitá-la para uma insurreição revolucionária, se não tiver êxito a insurreição com o fim de impedir a guerra.»
Sobre a questão da milícia deveríamos dizer: não somos pela milícia burguesa, mas apenas pela proletária. Por isso, «nem um centavo e nem um homem» não só para o exército permanente, mas também para a milícia burguesa, mesmo em países como os Estados Unidos ou a Suíça, a Noruega, etc. Tanto mais que nós vemos nos países republicanos mais livres (por exemplo na Suíça) uma prussificação cada vez maior da milícia, especialmente em 1907 e 1911, e a sua prostituição para a mobilização das tropas contra os grevistas. Nós podemos reivindicar: a eleição dos oficiais pelo povo, a abolição de toda a justiça militar, a igualdade de direitos dos operários estrangeiros e nacionais (um ponto especialmente importante para os Estados imperialistas que, como a Suíça, exploram em número cada vez maior e de modo cada vez mais desavergonhado os operários estrangeiros, deixando-os privados de direitos), mais: o direito de, digamos, cada centena de habitantes de um dado país formar livres uniões para o estudo de toda a arte militar, com a livre escolha dos instrutores, com o pagamento do seu trabalho pelo erário público, etc. Só em tais condições o proletariado poderia estudar a arte militar efectivamente para si, e não para os seus escravizadores, e os interesses do proletariado exigem indiscutivelmente esse estudo. A revolução russa demonstrou que qualquer êxito, mesmo um êxito parcial do movimento revolucionário — por exemplo, a conquista de uma determinada cidade, de uma determinada povoação fabril, de uma determinada parte do exército —, obrigará inevitavelmente o proletariado vitorioso a realizar precisamente tal programa.
Por fim, não se pode lutar contra o oportunismo, como é evidente, só com programas, mas apenas através de uma constante vigilância para que eles sejam efectivamente postos em prática. O maior e fatal erro da fracassada II Internacional consistiu em que as palavras não correspondiam aos actos, em que se inculcava o hábito da hipocrisia e das desavergonhadas frases revolucionárias (ver a actual atitude de Kautsky e C.a para com o Manifesto de Basileia). O desarmamento, como ideia social, isto é, como ideia gerada por determinado ambiente social e que pode actuar sobre determinado ambiente social e não permanece como simples capricho pessoal, foi gerado, evidentemente, pelas condições de vida especiais, excepcionalmente «tranquilas», de alguns pequenos Estados, que durante um período de tempo bastante longo se mantiveram à margem do sangrento caminho mundial das guerras e têm esperanças de continuar à margem. Para se convencer disto basta pensar, por exemplo, na argumentação dos partidários noruegueses do desarmamento: «nós somos um pequeno país, o nosso exército é pequeno, não podemos fazer nada contra as grandes potências» (por isso também são impotentes contra a inclusão pela força numa aliança imperialista com este ou aquele grupo de grandes potências)... «queremos continuar em paz no nosso recanto perdido e continuar a nossa política de recanto perdido, reivindicar o desarmamento, tribunais de arbitragem obrigatórios, neutralidade permanente, etc.» («permanente» - talvez como a belga?).
A pequena aspiração dos pequenos Estados a ficarem à margem, o desejo pequeno-burguês de ficar o mais longe possível das grandes batalhas da história mundial, de aproveitar a sua situação relativamente monopolista para permanecer numa empedernida passividade, eis o ambiente social objectivo que pode assegurar um certo êxito e uma certa difusão à ideia do desarmamento em alguns Estados pequenos. Naturalmente que esta aspiração é reaccionária e assenta totalmente em ilusões, pois o imperialismo arrasta de uma forma ou de outra os pequenos Estados para o turbilhão da economia mundial e da política mundial.
À Suíça, por exemplo, o seu ambiente imperialista impõe objectivamente duas linhas do movimento operário: os oportunistas em aliança com a burguesia aspiram a fazer da Suíça uma união monopolista republicano-democrática para receber os lucros dos turistas da burguesia imperialista e para que esta «tranquila» situação do monopólio seja aproveitada do modo mais vantajoso, mais tranquilo possível.
Os verdadeiros sociais-democratas da Suíça esforçam-se por aproveitar a relativa liberdade e a posição «internacional» da Suíça para ajudar a estreita aliança dos elementos revolucionários dos partidos operários da Europa a vencer. A Suíça fala, graças a Deus, não «a sua própria língua», mas três línguas mundiais, e exactamente aquelas que falam os países beligerantes limítrofes.
Se os 20 000 membros do partido suíço contribuíssem semanalmente com dois cêntimos a título de «imposto extraordinário de guerra», nós receberíamos anualmente 20 000 francos, mais do que suficiente para, apesar das proibições dos Estados-Maiores, imprimir periodicamente e difundir em três línguas entre os operários e os soldados dos países beligerantes tudo aquilo que contém a verdade sobre a indignação que começa a surgir nos operários, sobre a sua confraternização nas trincheiras, sobre as suas esperanças no aproveitamento revolucionário das armas contra a burguesia imperialista dos seus «próprios» países, etc.
Tudo isto não é novo. É exactamente o que fazem os melhores jornais como La Sentinelle, Volksrecht, Berner Tagwacht[N389], mas, infelizmente, em medida insuficiente. Apenas na via de tal actividade a magnífica resolução do congresso do partido em Aarau[N390] pode tornar-se algo mais do que simplesmente uma magnífica resolução.
A questão que nos interessa agora coloca-se assim: corresponde a reivindicação de desarmamento à corrente revolucionária entre os sociais-democratas suíços? É evidente que não. Objectivamente, o «desarmamento» é o programa mais nacional, especificamente nacional, dos pequenos Estados, mas de modo nenhum o programa internacional da social-democracia revolucionária internacional.
Assinado: N. Lénine
Analisemos a posição dos defensores do desarmamento.
I
O argumento fundamental consiste em que a reivindicação do desarmamento é a expressão mais clara, mais decidida e mais consequente da luta contra todo o militarismo e contra toda a guerra.
Mas é neste argumento fundamental que reside o principal erro dos partidários do desarmamento. Os socialistas não podem, sem deixarem de ser socialistas, ser contra toda a guerra.
Em primeiro lugar, os socialistas nunca foram e nunca poderão ser adversários de guerras revolucionárias. A burguesia das «grandes» potências imperialistas tornou-se totalmente reaccionária, e nós reconhecemos que a guerra conduzida agora por essa burguesia é uma guerra reaccionária, escravista e criminosa. Mas que se pode então dizer de uma guerra contra esta burguesia? Por exemplo, de uma guerra dos povos oprimidos por esta burguesia e dela dependentes ou coloniais pela sua libertação? Nas teses do grupo «Internacional», no parágrafo 5, lê-se: «Na era deste imperialismo desenfreado já não pode haver quaisquer guerras nacionais» — isto é evidentemente falso.
A história do século XX, este século do «imperialismo desenfreado», está cheia de guerras coloniais. Mas aquilo a que nós, europeus, opressores imperialistas da maioria dos povos do mundo, com o odioso chauvinismo europeu que nos é próprio, chamamos «guerras coloniais», são frequentemente guerras nacionais ou insurreições nacionais destes povos oprimidos. Uma das propriedades mais fundamentais do imperialismo consiste precisamente em que ele acelera o desenvolvimento do capitalismo nos países mais atrasados e com isso amplia e agudiza a luta contra a opressão nacional. Isto é um facto. E daqui decorre, inevitavelmente, que o imperialismo em muitos casos tem que gerar guerras nacionais. Junius, que na sua brochura defende as «teses» citadas, diz que na época imperialista qualquer guerra nacional contra uma das grandes potências imperialistas leva à intervenção de outra grande potência, também imperialista e concorrente da primeira, e que, deste modo, qualquer guerra nacional se transforma em imperialista. Mas também este argumento é falso. Isto pode acontecer, mas nem sempre acontece. Muitas guerras coloniais nos anos de 1900 a 1914 não seguiram este caminho. E seria simplesmente ridículo se declarássemos que, por exemplo, depois da guerra actual, se ela terminar com um esgotamento extremo dos países beligerantes, «não pode» haver «nenhuma» guerra nacional, progressiva, revolucionária, por parte, digamos, da China em aliança com a Índia, Pérsia, Sião, etc, contra as grandes potências.
A negação de qualquer possibilidade de guerras nacionais sob o imperialismo é teoricamente falsa, evidentemente errada no plano histórico e equivalente no plano prático ao chauvinismo europeu: nós, que pertencemos às nações que oprimem centenas de milhões de pessoas na Europa, na África, na Ásia, etc, nós devemos declarar aos povos oprimidos que a sua guerra contra as «nossas» nações é «impossível»!
Em segundo lugar, as guerras civis também são guerras. Quem reconhece a luta de classes não pode deixar de reconhecer as guerras civis, que em qualquer sociedade de classes representam a natural, e em determinadas circunstâncias inevitável, continuação, desenvolvimento e agudização da luta de classes. Todas as grandes revoluções o confirmam. Negar as guerras civis ou esquecê-las significaria cair num oportunismo extremo e renegar a revolução socialista.
Em terceiro lugar, o socialismo vitorioso num só país de modo algum exclui imediatamente todas as guerras em geral. Pelo contrário, pressupõe-nas. O desenvolvimento do capitalismo realiza-se de modo extremamente desigual nos diferentes países. Nem pode ser de outra forma na produção mercantil. Daí decorre a indiscutível conclusão de que o socialismo não pode vencer simultaneamente em todos os países. Ele vencerá inicialmente num só ou em vários países, continuando os restantes a ser, durante certo tempo, burgueses ou pré-burgueses. Isto deverá provocar não apenas atritos mas também a tendência directa da burguesia dos outros países para derrotar o proletariado vitorioso do Estado socialista. Em tais casos a guerra seria da nossa parte legítima e justa. Seria uma guerra pelo socialismo, pela libertação de outros povos da burguesia. Engels tinha inteira razão quando, na sua carta a Kautsky de 12 de Setembro de 1882, reconhecia expressamente a possibilidade de «guerras defensivas» do socialismo já vitorioso. Ele tinha em vista, precisamente, a defesa do proletariado vitorioso contra a burguesia dos outros países.
Só depois de termos derrubado, vencido e expropriado definitivamente a burguesia no mundo inteiro, e não apenas num só país, é que as guerras se tornarão impossíveis. E, do ponto de vista científico, seria portanto completamente incorrecto e completamente não-revolucionário se eludíssemos ou dissimulássemos exactamente o que é mais importante: o esmagamento da resistência da burguesia — o mais difícil, o que mais luta exige durante a passagem ao socialismo. Os padres «sociais» e os oportunistas estão sempre prontos a sonhar com o futuro socialismo pacífico, mas aquilo que os distingue dos sociais-democratas revolucionários é exactamente eles não quererem pensar e sonhar com a encarniçada luta de classes e com as guerras de classes para tornar realidade este futuro maravilhoso.
Não nos devemos deixar enganar por palavras. Por exemplo, a noção «defesa da pátria» é odiosa para muitos, porque os oportunistas declarados e os kautskistas encobrem e dissimulam com ela a mentira da burguesia na presente guerra de rapina. Isto é um facto. Mas disto não decorre que devamos deixar de saber meditar sobre o significado das palavras de ordem políticas. Reconhecer a «defesa da pátria» nesta guerra significa considerá-la «justa», conforme com os interesses do proletariado, e nada mais, e mais uma vez nada mais, porque a invasão não se exclui em nenhuma guerra. Seria simplesmente uma estupidez negar a «defesa da pátria» por parte dos povos oprimidos na sua guerra contra as grandes potências imperialistas ou por parte do proletariado vitorioso na sua guerra contra qualquer Galliffet de um Estado burguês.
No plano teórico seria totalmente errado esquecer que qualquer guerra não é mais do que a continuação da política por outros meios; a actual guerra imperialista é a continuação da política imperialista de dois grupos de grandes potências, e esta política é gerada e alimentada pelo conjunto das relações da época imperialista. Mas esta mesma época deve necessariamente gerar e alimentar também a política de luta contra a opressão nacional e de luta do proletarido contra a burguesia e, por isso, a possibilidade e a inevitabifidade, em primeiro lugar, das insurreições e guerras revolucionárias nacionais, em segundo lugar das guerras e insurreições do proletariado contra a burguesia, em terceiro lugar da unificação de ambas as espécies de guerras revolucionárias, etc.
II
A isto junta-se ainda a seguinte consideração geral.
Uma classe oprimida que não aspire a aprender a manejar as armas, a possuir armas, tal classe oprimida mereceria apenas ser tratada como são tratados os escravos. Pois não podemos esquecer, sem nos transformarmos em pacifistas burgueses ou oportunistas, que vivemos numa sociedade de classes e que dela não há nem pode haver outra saída que não seja a luta de classes. Em qualquer sociedade de classes, seja ela baseada na escravatura, na servidão ou, como agora, no trabalho assalariado, a classe opressora está armada. Não só o actual exército permanente, mas também a actual milícia, mesmo nas repúblicas burguesas mais democráticas, por exemplo na Suíça, são o armamento da burguesia contra o proletariado. Esta é uma verdade tão elementar que talvez não haja necessidade de nos determos nela em especial. Basta lembrar o emprego de tropas contra os grevistas em todos os países capitalistas.
O armamento da burguesia contra o proletariado é um dos factos mais consideráveis, fundamentais e importantes da moderna sociedade capitalista. E perante este facto propõe-se aos sociais-democratas revolucionários que apresentem a «reivindicação» do «desarmamento»! Isso seria uma negação total do ponto de vista da luta de classes, uma renúncia de qualquer ideia de revolução. A nossa palavra de ordem deve ser: armar o proletariado para vencer, expropriar e desarmar a burguesia. Esta é a única táctica possível para a classe revolucionária, táctica que decorre de todo o desenvolvimento objectivo do militarismo capitalista e é determinada por este desenvolvimento. Só depois de o proletariado desarmar a burguesia é que poderá, sem trair a sua tarefa histórico-universal, atirar para o ferro-velho todo o armamento em geral e, indubitavelmente, o proletariado fá-lo-á, mas só então, de modo nenhum antes.
Se a guerra actual provoca nos reaccionários socialistas cristãos e nos choramingas pequeno-burgueses apenas o horror e medo, apenas repugnância por qualquer emprego das armas, pelo sangue, pela morte, etc, nós devemos dizer: a sociedade capitalista foi e é sempre um horror sem fim. E se agora a mais reaccionária de todas as guerras prepara a esta sociedade um fim horrível, nós não temos nenhuma razão para cair no desespero. E, pelo seu significado objectivo, outra coisa não é senão uma manifestação precisamente de desespero, a «reivindicação» de desarmamento — melhor dizendo: o sonho com o desarmamento, numa altura em que diante dos olhos de todos se prepara, com as forças da própria burguesia, a única guerra legítima e revolucionária, a saber: a guerra civil contra a burguesia imperialista.
A quem diga que isto é uma teoria separada da vida, recordaremos dois factos históricos universais: por um lado o papel dos trusts e do trabalho das mulheres nas fábricas e, por outro, a Comuna de 1871 e a insurreição de Dezembro de 1905 na Rússia.
A burguesia encarrega-se de desenvolver os trusts, de empurrar as crianças e as mulheres para as fábricas, de aí as martirizar, perverter e condenar à extrema miséria. Nós não «reivindicamos» tal desenvolvimento, não o «apoiamos», lutamos contra ele. Mas como lutamos? Sabemos que os trusts e o trabalho das mulheres nas fábricas são progressivos. Não queremos andar para trás, para o trabalho artesanal, para o capitalismo pré-monopolista, para o trabalho doméstico das mulheres. Avante, através dos trusts, etc, e mais além, para o socialismo!
Este raciocínio é aplicável também, com as devidas modificações, à actual militarização do povo. Hoje a burguesia imperialista militariza não só todo o povo, mas também a juventude. Amanhã talvez comece a militarizar as mulheres. Nós devemos dizer a este propósito: tanto melhor! Rápido para a frente! Quanto mais rápido, mais nos aproximamos da insurreição armada contra o capitalismo. Como podem os sociais-democratas deixar-se amedrontar pela militarização da juventude, etc, se não esquecem o exemplo da Comuna? Isto não é uma «teoria separada da vida», não é um sonho, mas um facto. E seria na verdade muito mau se os sociais-democratas, apesar de todos os factos económicos e políticos, começassem a duvidar de que a época imperialista e as guerras imperialistas devem conduzir inevitavelmente à repetição de tais factos.
Um observador burguês da Comuna escrevia em Maio de 1871 num jornal inglês: «Se a nação francesa fosse constituída só por mulheres, que terrível nação seria!» As mulheres e as crianças com mais de 13 anos de idade lutaram durante a Comuna juntamente com os homens. Não poderá ser de outra forma também nos futuros combates pelo derrubamento da burguesia. As mulheres proletárias não contemplarão passivamente como a burguesia bem armada metralhará os operários mal armados ou desarmados. Elas pegarão em armas, tal como em 1871, e, das actuais nações amedrontadas -ou melhor: do actual movimento operário, desorganizado mais pelos oportunistas do que pelos governos — surgirá, indubitavelmente, mais cedo ou mais tarde, mas de modo absolutamente indubitável, uma aliança internacional de «terríveis nações» do proletariado revolucionário.
Agora a militarização penetra toda a vida social. O imperialismo é uma luta encarniçada das grandes potências pela partilha e redistribuição do mundo, por isso deve conduzir inevitavelmente ao reforço da militarização em todos os países, mesmo nos neutros e nos pequenos. Que farão contra isso as mulheres proletárias?? Apenas maldizer toda a guerra e tudo o que é militar, apenas reivindicar o desarmamento? Nunca as mulheres duma classe oprimida, que é efectivamente revolucionária, se conformarão com um papel tão vergonhoso. Elas dirão aos seus filhos: «Em breve serás grande. Dar-te-ão uma espingarda. Toma-a e aprende bem a manejar as armas. Esta ciência é indispensável para os proletários — não para atirar contra os teus irmãos, os operários de outros países, como se faz na actual guerra e como os traidores do socialismo te aconselham a fazer — mas para lutar contra a burguesia do teu próprio país, para pôr fim à exploração, à miséria e às guerras não por meio de votos piedosos, mas por meio da vitória sobre a burguesia e do seu desarmamento.»
Se se renunciar a fazer tal propaganda, e precisamente tal propaganda em relação à guerra actual, é melhor não dizer grandes palavras sobre a social-democracia revolucionária internacional, sobre a revolução socialista e sobre a guerra contra a guerra.
III
Os partidários do desarmamento pronunciam-se contra o ponto programático do «armamento do povo», entre outras coisas porque esta última reivindicação conduziria mais facilmente a concessões ao oportunismo. Nós analisámos acima o mais importante: a relação do desarmamento com a luta de classes e com a revolução social. Analisemos agora a questão da relação da reivindicação do desarmamento com o oportunismo. Uma das mais importantes causas da inadmissibilidade desta reivindicação consiste precisamente em que ela e as ilusões que gera debilitam e retiram força inevitavelmente à nossa luta contra o oportunismo.
Não há dúvida de que esta luta é a questão principal imediata da Internacional. Uma luta contra o imperialismo que não esteja indissoluvelmente ligada à luta contra o oportunismo é uma frase oca ou um logro. Um dos principais defeitos de Zimmerwald e de Kienthal[N385], uma das causas fundamentais do possível fracasso destes germes da III Internacional consiste exactamente no facto de a questão da luta contra o oportunismo não ter sido sequer colocada abertamente, não falando já da sua resolução no sentido da necessidade da ruptura com os oportunistas. O oportunismo venceu — temporariamente — no seio do movimento operário europeu. Em todos os grandes países formaram-se dois matizes principais do oportunismo: primeiro, o social-imperialismo aberto, cínico, e por isso menos perigoso, dos senhores Plekhánov, Scheidemann, Legien, Albert Thomas e Sembat, Vandervelde, Hyndman, Henderson, etc. Segundo, o encoberto, kautskiano: Kautsky—Haase e o «Grupo Social-Democrata do Trabalho»[N386] na Alemanha; Longuet, Pressemane, Mayéras, etc, na França; Ramsay MacDonald e outros chefes do «Partido Trabalhista Independente» da Inglaterra; Mártov, Tchkheídze, etc, na Rússia; Treves e outros reformistas ditos de esquerda na Itália.
O oportunismo franco é aberta e directamente contra a revolução e contra os movimentos e explosões revolucionárias que se estão a iniciar e está em aliança directa com os governos, por mais diferentes que sejam as formas desta aliança, a começar com a participação nos ministérios e a terminar com a participação nos comités industriais de guerra (na Rússia)[N387]. Os oportunistas encobertos, os kautskianos, são muito mais perniciosos e perigosos para o movimento operário, porque eles escondem a sua defesa da aliança com os primeiros com a ajuda de palavrinhas «marxistas» e palavras de ordem pacifistas que soam a plausível. A luta contra estas duas formas do oportunismo dominante deve ser travada em todos os terrenos da política proletária: no parlamento, nos sindicatos, nas greves, nas questões militares, etc. A principal particularidade que distingue ambas estas formas do oportunismo dominante consiste em que é silenciada, encoberta ou tratada com os olhos postos nas proibições policiais a questão concreta da ligação da guerra actual com a revolução e outras questões concretas da revolução. E isto apesar de antes da guerra se ter assinalado inúmeras vezes a ligação precisamente desta guerra iminente com a revolução proletária, tanto de modo não oficial, como oficialmente no Manifesto de Basileia[N388]. Mas o principal defeito da reivindicação do desarmamento consiste precisamente em que aqui se eludem todas as questões concretas da revolução. Ou será que os partidários do desarmamento são por um tipo totalmente novo de revolução desarmada?
Continuemos. Nós não somos de modo algum contra a luta por reformas. Não queremos ignorar a triste possibilidade de que a humanidade sofra, no pior dos casos, ainda uma segunda guerra imperialista, se a revolução não surgir da guerra actual, apesar das numerosas explosões da efervescência das massas e do descontentamento das massas e apesar dos nossos esforços. Somos partidários de um programa de reformas que também deve estar voltado contra os oportunistas. Os oportunistas ficariam muito felizes se nós deixássemos só para eles a luta por reformas e nos elevássemos para as nuvens de um vago «desarmamento», fugindo de uma triste realidade. O «desarmamento» é precisamente a fuga a uma detestável realidade e de modo nenhum uma luta contra ela.
Num tal programa nós diríamos mais ou menos assim: «A palavra de ordem e o reconhecimento da defesa da pátria na guerra imperialista de 1914-1916 são apenas a corrupção do movimento operário com mentiras burguesas.» Tal resposta concreta às questões concretas seria teoricamente mais correcta, muito mais útil para o proletariado, mais insuportável para os oportunistas, do que a reivindicação do desarmamento e do que a renúncia a «toda» a defesa da pátria. E poderíamos acrescentar: «A burguesia de todas as grandes potências imperialistas, da Inglaterra, França, Alemanha, Áustria, Rússia, Itália, Japão e Estados Unidos, tornou-se tão reaccionária e tão penetrada da aspiração ao domínio mundial que toda a guerra por parte da burguesia destes países só pode ser reaccionária. O proletariado deve ser não só contra toda a guerra deste tipo, mas também deve desejar a derrota do 'seu' governo em tais guerras e aproveitá-la para uma insurreição revolucionária, se não tiver êxito a insurreição com o fim de impedir a guerra.»
Sobre a questão da milícia deveríamos dizer: não somos pela milícia burguesa, mas apenas pela proletária. Por isso, «nem um centavo e nem um homem» não só para o exército permanente, mas também para a milícia burguesa, mesmo em países como os Estados Unidos ou a Suíça, a Noruega, etc. Tanto mais que nós vemos nos países republicanos mais livres (por exemplo na Suíça) uma prussificação cada vez maior da milícia, especialmente em 1907 e 1911, e a sua prostituição para a mobilização das tropas contra os grevistas. Nós podemos reivindicar: a eleição dos oficiais pelo povo, a abolição de toda a justiça militar, a igualdade de direitos dos operários estrangeiros e nacionais (um ponto especialmente importante para os Estados imperialistas que, como a Suíça, exploram em número cada vez maior e de modo cada vez mais desavergonhado os operários estrangeiros, deixando-os privados de direitos), mais: o direito de, digamos, cada centena de habitantes de um dado país formar livres uniões para o estudo de toda a arte militar, com a livre escolha dos instrutores, com o pagamento do seu trabalho pelo erário público, etc. Só em tais condições o proletariado poderia estudar a arte militar efectivamente para si, e não para os seus escravizadores, e os interesses do proletariado exigem indiscutivelmente esse estudo. A revolução russa demonstrou que qualquer êxito, mesmo um êxito parcial do movimento revolucionário — por exemplo, a conquista de uma determinada cidade, de uma determinada povoação fabril, de uma determinada parte do exército —, obrigará inevitavelmente o proletariado vitorioso a realizar precisamente tal programa.
Por fim, não se pode lutar contra o oportunismo, como é evidente, só com programas, mas apenas através de uma constante vigilância para que eles sejam efectivamente postos em prática. O maior e fatal erro da fracassada II Internacional consistiu em que as palavras não correspondiam aos actos, em que se inculcava o hábito da hipocrisia e das desavergonhadas frases revolucionárias (ver a actual atitude de Kautsky e C.a para com o Manifesto de Basileia). O desarmamento, como ideia social, isto é, como ideia gerada por determinado ambiente social e que pode actuar sobre determinado ambiente social e não permanece como simples capricho pessoal, foi gerado, evidentemente, pelas condições de vida especiais, excepcionalmente «tranquilas», de alguns pequenos Estados, que durante um período de tempo bastante longo se mantiveram à margem do sangrento caminho mundial das guerras e têm esperanças de continuar à margem. Para se convencer disto basta pensar, por exemplo, na argumentação dos partidários noruegueses do desarmamento: «nós somos um pequeno país, o nosso exército é pequeno, não podemos fazer nada contra as grandes potências» (por isso também são impotentes contra a inclusão pela força numa aliança imperialista com este ou aquele grupo de grandes potências)... «queremos continuar em paz no nosso recanto perdido e continuar a nossa política de recanto perdido, reivindicar o desarmamento, tribunais de arbitragem obrigatórios, neutralidade permanente, etc.» («permanente» - talvez como a belga?).
A pequena aspiração dos pequenos Estados a ficarem à margem, o desejo pequeno-burguês de ficar o mais longe possível das grandes batalhas da história mundial, de aproveitar a sua situação relativamente monopolista para permanecer numa empedernida passividade, eis o ambiente social objectivo que pode assegurar um certo êxito e uma certa difusão à ideia do desarmamento em alguns Estados pequenos. Naturalmente que esta aspiração é reaccionária e assenta totalmente em ilusões, pois o imperialismo arrasta de uma forma ou de outra os pequenos Estados para o turbilhão da economia mundial e da política mundial.
À Suíça, por exemplo, o seu ambiente imperialista impõe objectivamente duas linhas do movimento operário: os oportunistas em aliança com a burguesia aspiram a fazer da Suíça uma união monopolista republicano-democrática para receber os lucros dos turistas da burguesia imperialista e para que esta «tranquila» situação do monopólio seja aproveitada do modo mais vantajoso, mais tranquilo possível.
Os verdadeiros sociais-democratas da Suíça esforçam-se por aproveitar a relativa liberdade e a posição «internacional» da Suíça para ajudar a estreita aliança dos elementos revolucionários dos partidos operários da Europa a vencer. A Suíça fala, graças a Deus, não «a sua própria língua», mas três línguas mundiais, e exactamente aquelas que falam os países beligerantes limítrofes.
Se os 20 000 membros do partido suíço contribuíssem semanalmente com dois cêntimos a título de «imposto extraordinário de guerra», nós receberíamos anualmente 20 000 francos, mais do que suficiente para, apesar das proibições dos Estados-Maiores, imprimir periodicamente e difundir em três línguas entre os operários e os soldados dos países beligerantes tudo aquilo que contém a verdade sobre a indignação que começa a surgir nos operários, sobre a sua confraternização nas trincheiras, sobre as suas esperanças no aproveitamento revolucionário das armas contra a burguesia imperialista dos seus «próprios» países, etc.
Tudo isto não é novo. É exactamente o que fazem os melhores jornais como La Sentinelle, Volksrecht, Berner Tagwacht[N389], mas, infelizmente, em medida insuficiente. Apenas na via de tal actividade a magnífica resolução do congresso do partido em Aarau[N390] pode tornar-se algo mais do que simplesmente uma magnífica resolução.
A questão que nos interessa agora coloca-se assim: corresponde a reivindicação de desarmamento à corrente revolucionária entre os sociais-democratas suíços? É evidente que não. Objectivamente, o «desarmamento» é o programa mais nacional, especificamente nacional, dos pequenos Estados, mas de modo nenhum o programa internacional da social-democracia revolucionária internacional.
Assinado: N. Lénine
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