quinta-feira, 27 de novembro de 2008

O Exército e a Revolução

V. I. Lenine
15 de Novembro de 1905
A revolta de Sebastopol cresce sem cessar. Ela se aproxima do seu desenlace. Os marinheiros e soldados que combatem pela liberdade destituem o seu chefe. A ordem é perfeita. O governo não consegue renovar o seu golpe sujo de Cronstad e provocar pogrons. A esquadra recusa-se a ir ao largo e ameaça a cidade se medidas forem tomadas contra os insurgentes. O tenente Schmidt, destituído pelos seus discursos "sediciosos" sobre a defesa armada das liberdades prometidas no manifesto de 17 de outubro, tomou o comando do Otchakov. Segundo a Rouss, o prazo dado aos marinheiros para render-se expira hoje, dia 15.
Estamos, portanto, à véspera de acontecimentos decisivos. Nos próximos dias – talvez mesmo nas próximas horas – vamos saber se os insurgentes conseguiram uma vitória completa, se foram vencidos ou se um acerto qualquer interveio. Em todo caso, os acontecimentos de Sebastopol significam a completa falência das tradições de obediência servil que transformam os homens da tropa em máquinas armadas e em instrumentos da repressão das menores aspirações de liberdade.
Os tempos em que o exército russo ia, como em 1849, reprimir a revolução no estrangeiro, são irremediavelmente passado. No presente, o exército separou-se para sempre da autocracia. Ele ainda não é revolucionário em seu conjunto. O nível político dos marinheiros e dos soldados é ainda muito baixo. Mas o que tem importância é que a consciência já foi despertada, que os soldados criaram um movimento próprio, que o espírito de liberdade penetrou nas casernas por todos os lados. A caserna, na Rússia, foi freqüentemente, pior que a prisão; em lugar algum se sufocava, se oprimia tanto a personalidade humana como na caserna; em parte alguma os castigos corporais, as sevícias, os insultos à dignidade humana floresceram a este ponto. E eis que esta caderna transformou-se em um foco da revolução.
Os acontecimentos de Sebastopol não são nem isolados, nem fortuitos. Não falaremos das tentativas anteriores de revolta aberta no exército e na frota. Comparemos o incêndio de Sebastopol às faíscas de Petersburgo. Lembremo-nos das reivindicações que os soldados elaboraram em diversas unidades militares da guarnição de Petersburgo (nosso jornal as publicou ontem). Que documento impressionante a lista destas reivindicações! Com que evidências mostra que um exército de escravos torna-se um exército revolucionário! E que força poderá agora impedir que tais reivindicações parciais se propaguem em toda a frota e em todo o exército?
Os soldados de Petersburgo reivindicam a melhoria do rancho, dos uniformes, do alojamento, o aumento do soldo, a redução da duração do serviço e a redução dos exercícios cotidianos. Porém, um lugar mais importante ainda pertence às reivindicações de um outro gênero que somente o soldado-cidadão pode formular. Direito de freqüentar todas as reuniões públicas em uniforme "igual a todos os cidadãos" direito de guardar e ler, na caserna, todos os jornais; liberdade de consciência; igualdade de direito de todas as nacionalidades; abolição da regra de render homenagem fora de serviço; supressão das ordenanças; supressão dos tribunais militares e jurisdição civil para todos os crimes e delitos militares; direito de apresentar demandas coletivas; direito de se defender diante da menor violência ou veleidade de um oficial, tais são as reivindicações principais dos soldados de Petersburgo.
Estas reivindicações provam que uma parte enorme do exército é já solidária com os insurgentes de Sebastopol que combatem pela liberdade.
Elas provam que os discursos hipócritas dos sequazes da autocracia sobre a neutralidade do exército, a necessidade de mantê-lo à margem da política etc., estes discursos não podem esperar ter o menor eco entre os soldados.
O exército não pode e não deve ficar neutro. Manter o exército à margem da política, é a palavra-de-ordem dos serviçais hipócritas da burguesia e do czarismo, que sempre na realidade arrastaram o exército para a política reacionária e transformaram os soldados russos em auxiliares dos Cem Negros e da polícia. Não se pode permanecer à margem da luta de um povo inteiro. Quem quer que seja indiferente torna-se cúmplice dos excessos de um governo policial que prometeu a liberdade apenas para insultar esta mesma liberdade.
As reivindicações dos soldados-cidadãos são as da social-democracia, de todos os partidos revolucionários, dos operários conscientes. O ingresso dos soldados nas fileiras dos partidários da liberdade, sua passagem para o povo assegurará com o triunfo das suas próprias reivindicações a vitória da causa da liberdade.
Mas, para que estas reivindicações sejam satisfeitas de um modo verdadeiramente completo e durável, é necessário ainda um pequeno passo adiante. Todos os votos dos soldados, martirizados nestas prisões malditas que são as casernas, devem ser congregados em uma reivindicação única. E esta reivindicação única será a supressão do exército permanente, substituído pelo armamento geral do povo.
Por todos os lados, em todos os países, o exército permanente serve menos contra o inimigo exterior que contra o inimigo interior. Por todos os lados, o exército permanente tornou-se o instrumento da reação, o serviçal do capital em luta contra o trabalho, o carrasco da liberdade do povo. Em nossa grande revolução libertadora, não nos deteremos apenas nas reivindicações particulares. Arrancaremos o mal pela raiz. Aboliremos completamente o exército permanente. Que o exército se confunda com o povo em armas, que os soldados tragam ao povo seus conhecimentos militares, que a caserna seja substituída pela escola militar livre. Nenhuma força no mundo ousará atentar contra a Rússia livre se a fortaleza da sua liberdade estiver formada pelo povo em armas, que terá suprimido a casta militar e que terá feito de todos os soldados cidadãos e de todos os cidadãos aptos a portar armas, soldados.
A experiência da Europa Ocidental mostrou todo o papel ferozmente reacionário dos exércitos permanentes. A ciência militar demonstrou que a organização de uma milícia popular capaz de se elevar à altura das necessidades de uma guerra defensiva bem como ofensiva é perfeitamente possível. Deixemos a burguesia hipócrita ou sentimental sonhar com o desarmamento. Enquanto houver no mundo oprimidos e explorados, devemos exigir o armamento geral do povo e não o desarmamento. Somente o armamento do povo assegurará plenamente o futuro da liberdade. Somente ele abaterá definitivamente a reação. Somente com esta reforma que a liberdade, deixando de ser privilégio de um punhado de exploradores, tornar-se-á realmente o patrimônio de milhões de trabalhadores.

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