quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A redação do novo Iskra lança contra Alexándrov a edificante observação de que "a confiança é uma coisa delicada que não pode ser metida a martelo nos corações e nas cabeças" (n.º 56, suplemento). A redação não compreende que precisamente a colocação em primeiro plano da confiança, da mera confiança, trai uma vez mais o seu anarquismo senhorial e o seu seguidismo em matéria de organização. Quando eu era unicamente membro de um círculo, do grupo dos seis redatores ou da organização do Iskra, tinha o direito, para justificar por exemplo a minha recusa a trabalhar com Iskra, de invocar exclusivamente a falta de confiança, sem ter de apresentar explicações nem motivos. Uma vez membro do partido, não tenho o direito de invocar apenas uma vaga falta de confiança, porque isso abriria as portas de em par a todas as extravagâncias e todas as arbitrariedades dos antigos círculos; sou obrigado a fundamentar a minha "confiança" ou a minha "desconfiança" com uma argumentação formal, quer dizer, referir-me a esta ou aquela disposição formalmente estabelecida no nosso programa, na nossa tática, nos nossos estatutos. Sou obrigado a não me limitar a um "tenho confiança" ou "não tenho confiança" não fundamentado, mas reconhecer que tenho que responder pelas minhas decisões, como em geral qualquer parte integrante do partido tem que responder pelas suas, perante todo o partido; sou obrigado a seguir a via formalmente prescrita para exprimir a minha desconfiança,
Vejam como raciocina a nossa chamada redação de partido a propósito dos grupos de literatos que poderiam exigir representação na redação. "Não nos indignaremos, não invocaremos aos gritos a disciplina" -pregam-nos estes anarquistas senhoriais, que, sempre e em toda a parte, olharam com arrogância para isso a que se chama disciplina. Nós nos "entenderemos" (sicl) com o grupo se for sério, ou então rir-nos-emos das suas exigências.

Vejam que alto espírito de nobreza se afirma aqui contra o vulgar formalismo "de fábrica"! Mas, de fato, estamos perante a mesma fraseologia dos círculos, restaurada, oferecida ao partido por uma redação que sente que não é um organismo do partido, mas um resto de um antigo círculo. A falsidade intrínseca desta posição conduz indefetivelmente à elucubração anarquista que erige em princípio de organização social-democrata a dispersão, que em palavras, farisaicamente, se diz ser coisa passada. Não é necessária qualquer hierarquia de instituições e organismos superiores e inferiores do partido: para o anarquismo senhorial tal hierarquia é uma invenção burocrática de ministérios, departamentos, etc. (ver os artigos de Axelrod); não é necessária qualquer subordinação da parte ao todo, qualquer definição "burocrática e formal" dos processos de partido para "se entender" ou se delimitar; que as velhas questiúnculas de círculo sejam santificadas com uma fraseologia sobre os métodos de organização "autenticamente sociais-democratas"!

Eis aqui onde o proletário que passou pela escola "da fábrica" pode e deve dar uma lição ao individualismo anarquista. O operário consciente já há muito que largou as fraldas, já lá vai o tempo em que fugia do intelectual como tal. O operário consciente sabe apreciar uma bagagem de conhecimentos mais rica, o horizonte político mais vasto que encontra nos intelectuais sociais-democratas. Mas, à medida que vamos constituindo um verdadeiro partido, o operário consciente deve aprender a distinguir entre a psicologia do soldado do exército proletário e a psicologia do intelectual burguês que se pavoneia com frases anarquistas; deve aprender a exigir que cumpram os seus deveres de membros do partido não só os militantes de base, mas também "os de cima"; deve aprender a encarar com o mesmo desprezo o seguidismo em matéria de organização com que outrora o encarava no domínio da táctica!

O girondismo e o anarquismo senhorial estão inseparavelmente ligados a uma última particularidade característica da posição do novo Iskra em questões de organização - à defesa do autonomismo contra o centralismo. Este é o sentido de princípios que encerram os gritos (se acaso encerram algum(5)) contra o burocratismo e a autocracia, as queixas a propósito do "imerecido desdém para com os não-iskristas" (que no congresso defenderam o autonomismo), os cômicos gritos de que se exige uma "submissão absoluta", as queixas amargas sobre o pompadurismo etc., etc. A ala oportunista de qualquer partido defende e justifica sempre o que há de atrasado em matéria de programa, de táctica e de organização. A defesa do atraso em matéria de organização (seguidismo) pelo novo Iskra está intimamente ligada à defesa do autonomismo. A verdade é que o autonomismo, em geral, está já tão desacreditado pelos três anos de propaganda do antigo Iskra que o novo Iskra tem ainda vergonha de se pronunciar abertamente a seu favor; garante-nos ainda que sente simpatia pelo centralismo, mas prova-o apenas escrevendo a palavra centralismo em itálico. Na realidade, a crítica mais ligeira aos "princípios" do quase-centralismo "autenticamente social-democrata" (e não anarquista?) do novo Iskra revela a cada passo o ponto de vista do autonomismo. Não está agora claro para toda a gente que em matéria de organização Axelrod e Mártov viraram para Akímov? Acaso não o reconheceram solenemente eles próprios nas suas significativas palavras sobre o "imerecido desdém para com os não-iskristas"? E não foi o autonomismo que Akímov e os seus amigos defenderam no congresso do nosso partido?

Foi precisamente o autonomismo (se não o anarquismo) que Mártov e Axelrod defenderam no congresso da Liga quando, com divertido zelo, tentavam demonstrar que a parte não deve subordinar-se ao todo, que a parte é autônoma na determinação das suas relações com o todo, que os estatutos da Liga do estrangeiro, que definem essas relações, são válidos contra a vontade da maioria do partido, contra a vontade do centro do partido. E precisamente o autonomismo que hoje Mártov defende abertamente nas páginas do novo Iskra (n.0 60), a propósito da introdução nos comitês locais de membros nomeados pelo Comitê Central222. Já não falo dos sofismas infantis com os quais o camarada Mártov defendeu o autonomismo no congresso da Liga e o defende hoje no novo lskra(6). Interessa-me assinalar aqui esta inegável tendência para defender o autonomismo contra o centralismo como um aspecto característico do oportunismo nas questões de organização.

Tentativa talvez quase única de análise da noção de burocratismo é a que opõe no novo Iskra (n.0 53) o "princípio democrático formal" (o sublinhado é do autor) ao "princípio burocrático formal". Esta oposição (infelizmente tão pouco desenvolvida e explicada como a alusão aos não-iskristas) encerra um grão de verdade. Burocratismo versus(7) democracia é de fato centralismo versus autonomismo; é o princípio de organização da social-democracia revolucionária em oposição ao princípio de organização dos oportunistas da social-democracia. Este último tenta avançar da base para o topo, e é por isso que defende, sempre que possível e tanto quanto possível, o autonomismo, a "democracia" que vai (nos casos em que há excesso de zelo) até ao anarquismo. O primeiro tende a começar pelo topo, preconizando o alargamento dos direitos e poderes do centro relativamente às partes. Na época da dispersão e dos círculos, este topo, donde queria partir a social-democracia revolucionária na sua organização, era necessariamente um dos círculos, o mais influente pela sua atividade e consequência revolucionária (no nosso caso, a organização do Iskra). Na época do restabelecimento da verdadeira unidade do partido e da dissolução nesta unidade dos círculos obsoletos, este topo era necessariamente o congresso do partido, como órgão supremo do partido. O congresso agrupa, na medida do possível, todos os representantes das organizações ativas e, ao designar os organismos centrais (frequentemente com uma composição que satisfaz mais os elementos avançados do que os atrasados do partido, mais ao gosto da ala revolucionária que da sua ala oportunista), faz deles o topo até ao congresso seguinte. Assim procedem, pelo menos, os europeus da social-democracia, embora pouco a pouco, não sem esforço, não sem luta e sem querelas, este costume, odioso por principio para os anarquistas, começa a estender-se também aos asiáticos da social-democracia.

É extremamente interessante observar que todos estes princípios característicos do oportunismo que indiquei em matéria de organização (autonomismo, anarquismo senhorial ou próprio de intelectuais, seguidismo e girondismo) se observam mutatis mutandis (alterando o que deve ser alterado) em todos os partidos sociais-democratas de todo o mundo em que exista a divisão em ala revolucionária e ala oportunista (e onde não existirá ela?). Foi o que nestes últimos tempos surgiu com singular relevo no partido social-democrata alemão, quando a derrota sofrida na 20.ª circunscrição eleitoral da Saxônia (conhecida como o incidente Göhre(8)) trouxe para a ordem do dia os princípios de organização de partido. O zelo dos oportunistas alemães contribuiu em grande medida para levantar a questão de princípio a propósito deste incidente, O próprio Göhre (antigo pastor protestante, autor do conhecido livro Drei Monate Fabrikarbeiter(9) um dos "heróis" do congresso de Dresden) é um acérrimo oportunista, e o órgão dos oportunistas alemães consequentes, Sozialistische Monatshefte (Cadernos Mensais Socialistas) 224, imediatamente tomou a sua "defesa".

O oportunismo no programa está naturalmente ligado ao oportunismo na táctica e ao oportunismo em matéria de organização. O camarada Wolfgang Heine encarregou-se de expor o "novo" ponto de vista. Para dar ao leitor uma idéia da fisionomia deste intelectual típico, que, ao aderir à social-democracia, trouxe consigo a sua maneira oportunista de pensar, bastará dizer que o camarada Wolfgang Heine é um pouco menos que um camarada Akímov alemão e um pouco mais que um camarada Egórov alemão.

O camarada Wolfgang Heine entrou na liça nos Cadernos Mensais Socialistas com não menos pompa que o camarada Axelrod no novo Iskra. O título do seu artigo é já muito significativo: Notas democráticas a propósito do incidente Göhre (n.º 4, Abril, Sozialistische Monatshefte). E o conteúdo é menos tonitruante. O camarada W. Heine ergue-se contra "os atentados à autonomia da circunscrição eleitoral", defende "o princípio democrático", protesta contra a ingerência de uma "autoridade nomeada" (ou seja, da direção central do partido) na livre eleição dos delegados pelo povo, Não se trata aqui de um incidente fortuito, diz-nos sentenciosamente o camarada W.Reine, mas de toda "uma tendência para o burocratismo e para o centralismo no partido", uma tendência, diz, que se observara anteriormente, mas que hoje se torna particularmente perigosa. E preciso "reconhecer em princípio que os organismos locais do partido são os portadores a vida" (plágio da brochura do camarada Mártov: Mais Uma Vez em Minoria). Não devemos "habituar-nos à idéia de que todas as decisões polítcas importantes venham de um único centro", é preciso prevenir o partido contra "uma política doutrinária que perde o contato com a vida" (extraído do discurso do camarada Mártov no congresso do partido, passagem em que declara que "a vida se imporá")... "Se formos até ao fundo das coisas - diz o camarada W. Heine, aprofundando a sua argumentação -, se abstraimos dos conflitos pessoais, que aqui, como sempre, desempenharam um papel pouca importância, veremos neste encarniçamento contra os revisionistas (o sublinhado é do autor, que parece querer aludir à distinção entre a luta contra o revisionismo e a luta contra os revisionistas) principalmente a desconfiança dos representantes oficiais do partido para com o "elemento estranho" (W. Reine aparentemente ainda não leu a brochura sobre a luta contra o estado de sítio, e é por isso que se serve de um anglicismo: Outsidertum), a desconfiança da tradição para com o que sai do habitual , da instituição impessoal contra o que é individual" (ver a resolução de Axelrod, no congresso da Liga, sobre o esmagamento da iniciativa individual), "numa palavra, a mesma tendência que já caracterizamos mais acima como tendência para o burocratismo e para o centralismo no partido.

A noção de "disciplina" inspira ao camarada W. Heine não menos nobre indignação que ao camarada Axelrod. "... Censurou-se - diz ele - aos revisionistas a sua falta de disciplina por terem escrito nos Cadernos Mensais Socialistas, órgão ao qual nem sequer queriam reconhecer caráter social-democrata, porque não está sob o controlo do partido. Já a própria tentativa de restringir a noção de "social-democrata", já a própria exigência da disciplina domínio da produção ideológica em que deve reinar a liberdade absoluta" (recordai: a luta ideológica é um processo e as formas de organização são apenas formas), "testemunham uma tendência para o burocratismo e para o esmagamento da individualidade". E W. Reine segue por aí fora fulminando em todos os tons essa detestável tendência para fundar "uma vasta organização geral, o mais centralizada possível, uma táctica, uma teoria"; fulmina a exigência de "obediência incondicional", "submissão cega", fulmina o "centralismo simplificado", etc., etc., literalmente "à Axelrod".

A discussão iniciada por W. Reine alargou-se, e como no partido alemão não havia nenhuma querela sobre a cooptação a obscurecer a discussão, como os Akímov alemães afirmam a sua fisionomia não só nos congressos, mas também, e constantemente, num órgão próprio, a discussão depressa se reduziu a uma análise das tendências de princípio da ortodoxia e do revisionismo em matéria de organização. K. Kautsky interveio (Neue Zeit, 1904, n.0 28, artigo intitulado "Wahlkreis und Partei" - " Circunscrição eleitoral e partido") como um dos representantes da tendência revolucionária (acusada, bem entendido, como entre nós, de espírito "ditatorial", "inquisitorial. e outras coisas terríveis). O artigo de W. Reine - declara - "mostra o curso do pensamento de toda a corrente revisionista". Não só na Alemanha, mas também na França e na Itália, os oportunistas defendem a todo o transe autonomismo, o enfraquecimento da disciplina do partido, a sua redução a zero; por toda a parte as suas tendências conduzem à desorganização, degenerescência do "princípio democrático" em anarquismo. "A democracia não é a ausência de poder - ensina K. Kautsky aos oportunistas questão da organização -, democracia não é anarquia, é a supremacia massas sobre os seus mandatários, diferentemente de outras formas de poder, em que os pseudo-servidores do povo são de fato os seus senhores." K. Kautsky examina minuciosamente o papel desorganizador do autonomismo oportunista nos diferentes países, mostra que precisamente a adesão à social-democracia de "uma massa de elementos burgueses"(10) reforça oportunismo, o autonomismo e as tendências para a infração à disciplini recorda uma e outra vez que precisamente "a organização é a arma com -qual o proletariado se emancipará", que precisamente "a organização e para o proletariado a arma da luta de classe".

Na Alemanha, onde o oportunismo é mais débil do que na França e na Itália, "as tendências autonomistas, até agora, conduziram apenas a declamações mais ou menos patéticas contra os ditadores e os grandes inquisidores, contra as excomunhões(11) e a procura de heresias, conduziram às intrigas e querelas sem fim, cuja análise apenas conduziria a incessantes disputas".

Não é de espantar que na Rússia, onde o oportunismo no partido é ainda mais fraco que na Alemanha, as tendências autonomistas tenham gerado menos idéias e mais "declamações patéticas" e querelas.

Não é de espantar que Kautsky chegue à conclusão seguinte: "Talvez em nenhuma outra questão o revisionismo de todos os países, apesar de todas as suas diversidades e da variedade dos seus matizes, seja tão uniforme como em matéria de organização." Ao formular as tendências fundamentais da ortodoxia e do revisionismo neste domínio, também K. Kautsky recorre à "palavra terrível": burocratismo versus (contra) democracia. Dizem-nos, escreve K. Kautsky, que dar à direção do partido o direito de intervir na escolha de candidatos (para deputados ao parlamento) pelas circunscrições locais, é "um atentado vergonhoso ao princípio democrático, que exige que toda a atividade política se exerça da base ao topo, pela iniciativa das massas, e não do topo à base, por via burocrática ... Mas, se há um princípio verdadeiramente democrático, é que a maioria deve ter predomínio sobre a minoria, e não o contrário..." A eleição de deputados ao parlamento por qualquer circunscrição é um assunto importante para todo o partido, no seu conjunto, que por isso mesmo deve influenciar na designação dos candidatos, pelo menos através de pessoas de confiança do partido (Vertrauensmànner). "Quem considerar esta forma de agir demasiado burocrática ou centralista, que proponha que os candidatos sejam designados por votação direta de todos os membros do partido em geral (samtliche Parteigenossen). E como isso é irrealizável, não há razão para se lamentar da falta de democracia, quando esta função, como muitas outras que dizem respeito ao partido no seu conjunto, é exercida por um ou vários organismos do partido." Segundo o "direito consuetudinário" do partido alemão, as diferentes circunscrições eleitorais já antes "se entendiam amigavelmente" com a direção do partido para designar este ou aquele candidato. "Mas o partido tornou-se já demasia do grande para que este direito consuetudinário tácito seja suficiente. O direito consuetudinário deixa de ser direito quando deixa de ser reconhecido como algo que se entende por si mesmo, quando as suas definições e mesmo a sua própria existência são postas em causa. Neste caso torna-se absolutamente necessário formular com exatidão este direito, codificá-lo...", passar a uma "fixação(12) mais exata nos estatutos (statutarische Festlegung) e reforçar ao mesmo tempo o caráter rigoroso (grossere Straffheit) da organização".

Vedes assim, em circunstâncias diferentes, a mesma luta da ala oportunista e da ala revolucionária do partido sobre a questão da organização, o mesmo conflito entre autonomismo e centralismo, democracia e "burocratismo", a tendência para o enfraquecimento e a tendência para o reforço do caráter rigoroso da organização e da disciplina, a psicologia do intelectual instável e a do proletário consequente, o individualismo próprio de intelectuais e a coesão proletária. Pergunta-se: perante este conflito qual foi à atitude da democracia burguesa - não a que a menina travessa que é a história prometeu apenas mostrar um dia, em segredo, ao camarada Axelrod - mas a verdadeira, a democracia burguesa real, que na Alemanha tem também representantes não menos inteligentes e não menos observadores que nossos senhores da Osvobojdénie? A democracia burguesa alemã reagiu imediatamente à nova disputa e - como a russa, como sempre, como em toda a parte - pôs-se plenamente ao lado da ala oportunista do partido social-democrata. O destacado órgão do capital bolsista da Alemanha, Jornal de Frankfurt225, publicou um fulminante editorial (Frankf. Ztg., 1904, 7 Apr., n.0 97, Abendblatt(13)) que mostra que os plágios pouco escrupulosos a Axelrod se estão a tornar uma espécie de doença da imprensa alemã. Os terríveis democratas da Bolsa de Frankfurt fustigam a "autocracia" no Partido Social-Democrata, a "ditadura do partido", o "domínio autocrático dos chefes do partido", essas "excomunhões" com as quais se pretende "como que castigar todo o revisionismo" (recorde-se a "falsa acusação de oportunismo"), essa exigência duma "obediência cega", essa "disciplina que mata", essa exigência duma "submissão servil", de transformar os membros do partido em "cadáveres políticos" (esta é bem mais forte que a das engrenagens e parafusos)! "Toda a originalidade pessoal - exclamam os cavaleiros da Bolsa cheios de indignação perante o estado de coisas antidemocrático da social-democracia -, toda a individualidade tem que ser, vede, objeto de perseguições, porque ameaça conduzir ao estado de coisas francês, ao jauressismo e ao millerandismo, como declarou abertamente Sindermann, que apresentou o relatório sobre esta questão" no congresso partidário dos sociais-democratas saxões.

Assim, tanto quanto as novas palavrinhas do novo Iskra sobre a questão da organização tenham algum sentido de princípio, sem dúvida que esse sentido é oportunista. Esta conclusão é confirmada tanto por toda a análise no nosso congresso do partido, que se dividiu em ala revolucionária e ala oportunista, como pelo exemplo de todos os partidos sociais-democratas europeus, nos quais o oportunismo em matéria de organização se manifesta nas mesmas tendências, nas mesmas acusações, e muitas vezes nas mesmas palavrinhas. Claro que as particularidades nacionais dos diferentes partidos e a diversidade das condições políticas nos diferentes países imprimem a sua marca e fazem com que o oportunismo alemão se não assemelhe em nada ao oportunismo francês, nem o francês ao italiano, nem o italiano ao russo. Mas a semelhança da divisão fundamental de todos estes partidos em ala revolucionária e ala oportunista, a semelhança da linha de pensamento e das tendências do oportunismo nas questões de organização, ressaltam claramente apesar de toda esta diversidade de condições.(14) O grande número de representantes da intelectualidade radical entre os nossos marxistas e os nosso sociais-democratas torna inevitável a existência do oportunismo, gerado pela sua mentalidade, nos mais variados domínios e sob as mais diversas formas. Lutamos contra o oportunismo nas questões essenciais da nossa concepção do mundo, nas questões de programa, e a divergência completa quanto aos objetivos a atingir conduziu inevitavelmente a uma separação irrevogável entre os sociais-democratas e os liberais que corromperam o nosso marxismo legal. Lutamos contra o oportunismo nas questões de tática, e a nossa divergência com os camaradas Kritchévski e Akímov sobre essas questões menos importantes era, naturalmente, apenas temporárias e não levou à formação de partidos diferentes. Temos agora de vencer o oportunismo de Mártov e Axelrod nas questões de organização, que são evidentemente, ainda menos essenciais que as questões de programa a de tática, mas que no momento atual surgem em primeiro plano na vida do nosso partido.

Quando se fala da luta contra o oportunismo é preciso não esquecer nunca um traço característico de todo o oportunismo contemporâneo, em todos os domínios: o seu caráter vago, impreciso, inapreensível. Pela sua própria natureza o oportunista evita sempre pôr as questões de maneira clara e definida, procura a resultante, arrasta-se como uma cobra entre dois pontos de vista que se excluem mutuamente, procurando "estar de acordo" com um e com outro, reduzindo as suas divergências a ligeiras modificações, a dúvida, a votos piedosos e inocentes, etc., etc. Oportunista nas questões de programa, o camarada Ed. Bernstein "está de acordo" com o programa revolucionário do partido, e embora desejando, sem dúvida, a sua "reforma radical", considera-a inoportuna, inconveniente e menos importante que a clarificação dos "princípios gerais" da "crítica" (os quais consistem sobretudo em aceitar sem crítica os princípios e as palavrinhas da demoracia biurguesa). oportunismo nas questões de tática, o camarada von Vollmar está igualmente de acordo com a velha tática da social-democracia revolucionária, e antes se limita também a declaração enfáticas, a ligeiras emendas e ironias, sem propor qualquer tática "ministerialista" precisa. Oportunistas em questões de organização, os camaradas Mártov e Axelrod também não apresentaram até agora, apesar de diretamente exortados a fazê-lo, teses definidas de princípio que possam ser "fixadas em estatutos"; também eles desejariam, sem dúvida que desejariam, uma "reforma radical" dos nossos estatutos de organização (Iskra, n.º 58, p. 2, coluna 3), mas prefeririam ocupar-se antes das "questões de organização de ordem geral" (porque uma reforma verdadeiramente radical dos nossos estatutos, centralistas apesar do primeiro parágrafo, se feita dentro do espírito do novo Iskra conduziria inevitavelmente ao autonomismo, e o camarada Mártov, é claro, não quer confessar, nem a si próprio, a sua tendência em princípio para o autonomismo). A sua posição de "principio" sobre as questões de organização apresenta, por isso, todas as cores do arco-íris: predominam as cândidas e patéticas declamações sobre a autocracia e o burocratismo, sobre a obidiência cega e as engrenagens e parafusos - declamações tão cândidas que nelas é ainda extremamente difícil distinguir o que na realidade diz respeito aos princípios do que na realidade diz respeito à cooptação. Mas quanto mais se penetra no bosque mais lenha se encontra: as tentativas de análise e de definição exata do odioso "burocratismo" conduzem inevitavelmente ao autonomismo; as tentativas de "aprofundamento" e de fundamentação conduzem necessariamente à justificação do atraso ao seguidismo, à fraseologia girondina. Por fim, como único princípio verdadeiramente definido e que, por consequência, se manifesta na prática com particular relevo (a prática está sempre adiantada em relação à teoria) aparece o principio do anarquismo. Ridicularização da disciplina - autonomismo - anarquismo, tal é a escada que, em matéria de organização, o nosso oportunismo ora desce ora sobe, saltando de degrau em degrau, e esquivando-se com habilidade a qualquer formulação precisa dos seus princípios(15). É exatamente a mesma gradação que apresenta o oportunismo nas questões de programa e de táctica: ridicularização da "ortodoxia", da estreiteza e do imobilismo - "crítica" revisionista e ministerialismo - democracia burguesa.

Existe uma estreita relação psicológica entre este ódio pela disciplina e a constante e monótona nota de ofensa que transparece em todos os escritos de todos os oportunistas contemporâneos em geral, e da nossa minoria em particular. Vêem-se perseguidos, oprimidos, expulsos, cercados, atropelados. Estas palavrinhas encerram bem mais verdade psicológica e política do que o supunha provavelmente o próprio autor da encantadora e espiritual piada sobre os esbofeteados e os esbofeteadores226. Com efeito, tomai as atas do nosso congresso do partido; veremos que a minoria se compõe de todos os ofendidos, de todos aqueles que alguma vez ou em qualquer coisa foram ofendidos pela social-democracia revolucionária. Aí estão os bundistas e os da Rabótcheie Dielo, que "ofendemos" a ponto de se terem retirado do congresso, ai estão os do "Iújni Rabótchi", mortalmente ofendidos pelo massacre das organizações em geral e da deles em particular, aí está o camarada Mákhov, que ofendemos de cada vez que ele tomou a palavra (porque de cada vez não deixava de se cobrir de ridículo), ai estão, enfim, o camarada Mártov e o camarada Axelrod ofendidos pela "falsa acusação de oportunismo" a propósito do § 1 dos estatutos e pela sua derrota nas eleições. E todos estes amargos ressentimentos não foram a consequência fortuita de inadmissíveis ditos de espírito, de ataques acerbos, duma polêmica furiosa, do bater com as portas, do brandir de punhos, como tantos filisteus pensam ainda hoje, mas sim a consequência política inevitável de todo o trabalho ideológico do Iskra durante três anos. E se, durante esses três anos, fizemos mais do que dar à língua, mas exprimimos convicções que se devem converter em atos, não podíamos deixar de combater os anti-iskristas e o "pântano" no congresso. E quando nós, juntamente com o camarada Mártov, que, de viseira levantada, se batia nas primeiras filas, tínhamos ofendido tal quantidade de pessoas, só nos faltava ofender um pouco, muito pouco, o camarada Axelrod e o camarada Mártov para que a taça transbordasse. A quantidade transformou-se em qualidade. Produziu-se uma negação da negação. Todos os ofendidos, esquecidos já das contas que tinham a saldar entre eles, lançaram-se soluçando nos braços uns dos outros e levantaram a bandeira da "insurreição contra o leninismo"(16).

A insurreição é uma coisa excelente quando os elementos avançados se insurgem contra os elementos reacionários. Está muito bem que a ala revolucionária se insurja contra a ala oportunista. Mas é mau que a ala oportunista se insurja contra a ala revolucionaria.

O camarada Plekhánov vê-se obrigado a participar neste triste assunto como prisioneiro de guerra, por assim dizer. Esforça-se por "descarregar a sua cólera" pescando frases infelizes no autor desta ou daquela resolução favorável à "maioria", e ao fazê-lo exclama: "Pobre camarada Lénine! Tem uns belos partidários ortodoxos!" (Iskra, n.º 63, Suplemento.)

Pois bem, camarada Plekhánov, posso dizer-lhe que se eu sou pobre, a redação do novo !skra está perfeitamente na miséria. Por mais pobre que eu seja, ainda não caí numa miséria tão grande que tenha de fechar os olhos ao congresso do partido e, para exercitar a agudeza do meu espírito, tenha de ir buscar material às resoluções de gente dos comitês. Por mais pobre que eu seja, sou mil vezes mais rico que aqueles cujos partidários não deixam apenas escapar casualmente uma ou outra frase infeliz, mas em todas as questões de organização, de táctica e de programa se aferram obstinada e firmemente a princípios contrários aos da social-democracia revolucionária. Por mais pobre que eu seja, não cheguei ainda ao ponto de ter que esconder do público os elogios que me fazem estes partidários. E a redação do novo Iskra vê-se obrigada a isso.

Acaso saberá, leitor, o que é o comitê de Vorónej do Partido Operário Social-Democrata da Rússia? Se o ignora, leia as atas do congresso do partido. Verá que a tendência desse comitê é perfeitamente expressa pelo camarada Akimov e pelo camarada Brúker que, no congresso, combateram em toda a linha a ala revolucionária do partido, e que dezenas de vezes foram colocados entre os oportunistas por toda a gente, desde o camarada Plekhánov ao camarada Popov.

Pois bem, eis o que declara esse comitê de Vorónej na sua folha de Janeiro (n.0 12, Janeiro, 1904):

"Um grande acontecimento, muito importante para o nosso partido, que cresce constantemente, teve lugar no ano passado: O II Congresso do POSDR -, congresso dos representantes das suas organizações. A convocação dum congresso do partido é uma coisa muito complexa e, sob a monarquia, muito perigosa e difícil. E por isso não é de espantar que a convocação do congresso tenha estado longe de ser perfeita, e que, embora desenrolando-se sem contratempos, o próprio congresso não tenha podido responder a todas as exigências do partido. Os camaradas que tinham sido encarregados pela Conferência de 1902 de convocar o congresso tinham sido presos, e o congresso foi organizado por pessoas que representavam apenas uma das tendências da social-democracia russa - a tendência iskrista. Numerosas organizações sociais-democratas, mas não iskristas, não foram convidadas a tomar parte nos trabalhos do congresso: é em parte por isso que a tarefa de elaborar o programa e os estatutos do partido foi cumprida pelo congresso de forma extremamente imperfeita, e os próprios delegados reconhecem que há grandes lacunas nos estatutos, "susceptiveis de acarretar perigosos mal-entendidos". No congresso, os próprios iskristas cindiram-se, e muitos militantes eminentes do nosso POSDR, que até então se tinham mostrado, ter-se-ia dito, plenamente de acordo com o programa de ação do Iskra, reconheceram que muitos dos seus pontos de vista, defendidos principalmente por Lénine e Plekhánov, eram impraticaveis.

"Apesar de estes últimos terem triunfado no congresso, a força da vida prática, as exigências do trabalho real, no qual participam igualmente todos os náo-isktistas, depressa corrigem os erros dos teóricos e, depois do congresso, introduziram já sérias modificações. O "Iskra" mudou muito e promete mostrar-se atento às exigências dos militantes da social-democracia em geral. Desta maneira, embora os trabalhos do congresso tenham de ser revistos no próximo congresso, embora não sejam satisfatórios, como os próprios delegados puderam aperceber-se, e não possam por essa razão ser aceites pelo partido como decisões indiscutíveis, no entanto o congresso esclareceu a situação do partido, forneceu bastante material para a ulterior atividade do partido no plano teórico e de organização, e foi uma experiência instrutiva de enorme interesse para o trabalho do partido no seu conjunto. As decisões do Congresso e os estatutos por ele elaborados serão tomados em consideração por todas as organizações, mas muitas delas evitarão guiar-se unicamente por eles devido às suas manifestas imperfeições.

"O Comitê de Vorónej, compreendendo bem toda a importância do trabalho do partido no seu conjunto, faz-se vivamente eco de todas as questões ligadas à organização do congresso. Reconhece toda a importância do que se passou no congresso, felicita-se com a mudança verificada no "Iskra", que se tornou o Órgão Central (órgão principal). Embora a situação no partido e no CC ainda não nos satisfaça, estamos convencidos de que, com um esforço comum, o difícil trabalho de organização do partido se aperfeiçoará. Em resposta aos falsos boatos que correm, o comitê de Vorónej informa os camaradas que nem se põe a questão de o comitê de Vorónej sair do partido. O comitê de Vorónej compreende perfeitamente que perigoso precedente (exemplo) seria uma organização operária como o comitê de Vorónej sair do POSDR, que censura isso seria para o partido, e como isso seria nocivo para as organizações operárias, que poderiam seguir este exemplo. Não devemos provocar novas cisões, mas procurar tenazmente unir todos os operários conscientes e socialistas num único partido. Além disso o II congresso não foi um congresso constitutivo, mas um congresso ordinário. A expulsão do partido só pode ser decidida pelo tribunal do partido, e nenhuma organização, nem sequer o Comitê Central, tem o direito de expulsar do partido qualquer organização social-democrata. Mais ainda, o II congresso adoptou o parágrafo oito dos estatutos segundo o qual cada organização é autônoma (independente) nos seus assuntos locais, e, por isso, o comitê de Vorónej tem o pleno direito de aplícar os seus pontos de vista em matéria de organização na vida e no partido."

A redação do novo Iskra, ao citar esta folha no seu n.0 61, reproduziu a segunda parte da tirada acima transcrita, a que damos em caracteres maiores; quanto à primeira parte, a que damos em caracteres pequenos, a redação preferiu omiti-la.

Teve vergonha.

r) Algumas Palavras sobre a Dialética. Duas Revoluções
Se lançarmos um olhar de conjunto para o desenvolvimento da crise no nosso partido, facilmente veremos que, salvo raras exceções, a composição dos dois campos adversos permaneceu sempre a mesma. Era uma luta entre a ala revolucionária e a ala oportunista do nosso partido. Mas esta luta passou pelas mais variadas fases, e todo aquele que quiser ver claro na nossa enorme literatura já acumulada, na imensidade de indicações fragmentárias, citações fora do seu contexto, acusações várias, etc., etc., deve ter um conhecimento exato das particularidades de cada uma destas fases.

Enumeremos as fases principais, que se distinguem claramente umas das outras: 1) Discussão sobre o § 1 dos estatutos.Luta puramente ideológica sobre os princípios fundamentais da organização. Plekhánov e eu estamos em minoria. Mártov e Axelrod propõem uma fórmula oportunista e acabam por cair nos braços dos oportunistas. 2) Cisão da organização do Iskra na questão das listas de candidatos ao CC: Fomine ou Vassíliev no grupo de cinco, Trótski ou Travínski no grupo de três. Plekhánov e eu conseguimos a maioria (nove contra sete), em parte graças precisamente ao fato de termos estado em minoria no § 1. A coligação de Mártov com os oportunistas confirmou na prática todas as minhas apreensões, devidas ao incidente do em CO. 3) Continuação dos debates sobre pormenores dos estatutos. De novo Mártov é salvo pelos oportunistas. Nós estamos mais uma vez em minoria e defendendo os direitos da minoria nos centros. 4) Os sete oportunistas extremos retiram-se do congresso. Ficamos em maioria e vencemos a coligação (minoria iskrista, "pântano" e anti-iskristas) nas eleições. Mártov e Popov renunciam aos lugares nos nossos grupos de três. 5) Depois do congresso, querelas por causa da cooptação. Orgia de atos anarquistas e dafraseologia anarquista. Os elementos menos firmes e menos estáveis da "minoria" impõem-se. 6) Plekhánov adota, para evitar a cisão, a política do " kill with kindness". A "minoria" ocupa a redação do OC e o Conselho e ataca com todas as suas forças o CC. A querela continua a penetrar tudo. 7) E repelido o primeiro ataque contra o CC. A querela parece acalmar um pouco. Torna-se possível discutir com relativa calma duas questões puramente ideológicas que preocupam profundamente o partido: a) qual o significado político e a explicação da divisão do nosso partido em "maioria" e "minoría", que tomou forma no II Congresso e substituiu todas as anteriores divisões? b) qual o significado de principio da nova posição do novo Iskra sobre as questões de organização?

Cada uma destas fases é caracterizada por uma conjuntura de luta e por um objetivo imediato de ataque essencialmente diferentes; cada fase é por assim dizer uma batalha isolada numa campanha militar geral. Não se pode entender nada da nossa luta sem estudar as condições concretas de cada batalha. Feito isto, veremos claramente que o desenvolvimento segue de fato a via dialética, a via das contradições: a minoria torna-se maioria, a maioria minoria; cada campo passa da defensiva à ofensiva, e da ofensiva à defensiva; o ponto de partida da luta ideológica (§1) "é negado"e cede lugar a querelas que penetram(17) tudo, mas depois começa a "negação da negação" e, "entendendo-nos" a muito custo com a mulher que Deus nos deu nos diversos centros, voltamos ao ponto de partida da luta puramente ideológica, mas agora esta "tese", enriquecida por todos os resultados da "antítese", torna-se uma síntese superior em que o erro isolado, fortuito, sobre o § 1, se converteu num quase- sistema de concepções oportunistas sobre questões de organização, em que a ligação entre este fenômeno e a divisão fundamental do nosso partido em ala revolucionária e ala oportunista surge a toda a gente clareza cada vez maior, Numa palavra, não é só a aveia que cresce segundo Hegel, também os sociais-democratas russos se batem entre si segundo Hegel.

Mas a grande dialética hegeliana, que o marxismo fez sua depois de a ter posto de pé, nunca deve ser confundida com o processo vulgar que consiste em justificar os ziguezagues dos políticos que passam da ala revolucionária para a ala oportunista do partido, ou com o costume vulgar de enfiar no mesmo saco declarações isoladas, momentos diferentes do desenvolvimento de diversas fases dum processo único. A verdadeira dialética não justifica os erros pessoais, estuda as viragens inevitáveis, provando a sua inevitabilidade com um estudo pormenorizado do desenvolvimento em todos os aspectos concretos. O princípio fundamental da dialética é: não existe verdade abstrata, a verdade é sempre concreta ... E é preciso também não confundir a grande dialética hegeliana com a sabedoria vulgar, tão bem expressa no provérbio italiano: mettere la coda dove non va ii capo (meter o rabo onde a cabeça não cabe).

O resultado do desenvolvimento dialético da luta no nosso partido reduz-se a duas revoluções. O congresso do partido foi uma verdadeira revolução, como observou, com razão, o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. Têm também razão os espirituosos da minoria que dizem: o mundo move-se por revoluções, pois bem, nós fizemos uma revolução! Com efeito, eles fizeram uma revolução depois do congresso; e também é verdade que o mundo, falando em termos gerais, move-se por revoluções. Mas o significado concreto de cada revolução concreta não fica ainda definido por esse aforismo geral: há revoluções que são como reações, parafraseando a inesquecível expressão do inesquecível camarada Mákhov. É preciso saber se foi a ala revolucionária ou a ala oportunista do partido que constituiu a força real que levou a cabo a revolução, é preciso saber se foram os princípios revolucionários ou os princípios oportunistas que inspiravam os combatentes para se poder determinar se uma ou outra revolução concreta fez avançar ou recuar o mundo (o nosso partido).

O congresso do nosso partido foi um acontecimento único no seu gênero, sem precedentes em toda a história do movimento revolucionário russo. Pela primeira vez, um partido revolucionário clandestino conseguiu sair das trevas da ilegalidade para aparecer à luz do dia, mostrando a todos e cada um a trajetória e o desfecho da luta interna do nosso partido, a fisionomia do nosso partido e de cada uma das suas partes de alguma importância em questões de programa, de táctica e de organização. Pela primeira vez conseguimos libertar-nos das tradições de relaxamento próprio de círculos e de filistinismo revolucionário, reunir dezenas dos mais diversos grupos, muitas vezes terrivelmente hostis entre si, unidos exclusivamente pela força de uma idéia e prontos (prontos em princípio) a sacrificar todo e qualquer particularismo e independência de grupo em prol do grande todo que pela primeira vez criávamos de fato: o partido. Mas em política os sacrifícios não se obtêm sem esforço; conquistam-se combatendo. Como era inevitável, a luta pela morte das organizações foi terrivelmente encarniçada. O vento fresco da luta aberta e livre transformou-se em turbilhão. Este turbilhão varreu - e ainda bem que varreu! - tudo o que ainda subsistia de todos os interesses, sentimentos e tradições de circulo, e criou pela primeira vez organismos coletivos genuinamente de partido.

Mas uma coisa é chamar-se e outra coisa é ser. Uma coisa é sacrificar em princípio o espírito de círculo em prol do partido, e outra é renunciar ao seu próprio circulo. O vento fresco revelou-se demasiado fresco para gente habituada à atmosfera bafienta do filistinismo. "O partido não suportou o seu primeiro congresso", como disse com razão (disse com razão inadvertidamente) o camarada Mártov no seu Mais Uma Vez em Minoria. O sentimento de ofensa pelo massacre das organizações era demasiado grande. O turbilhão levantou todo o lodo que estava no fundo da corrente do nosso partido, e o lodo vingou-se. O velho e ancilosado espírito de circulo pôde mais que o ainda jovem espírito de partido. Batida em toda a linha, a ala oportunista, reforçada pela acidental conquista de Akimov, impôs-se -provisoriamente, bem entendido - sobre a ala revolucionária.

O resultado de tudo isto é o novo Iskra, que se vê obrigado a desenvolver e a aprofundar o erro cometido pelos seus redatores no congresso do partido. O velho Iskra ensinava as verdades da luta revolucionária. O novo Iskra ensina a sabedoria vulgar; as cedências e o espírito acomodatício. O velho Iskra era o órgão da ortodoxia militante. O novo Iskra traz-nos um arroto de oportunismo, principalmente em questões de organização. O velho Iskra mereceu a honra de ser detestado pelos oportunistas da Rússia e da Europa ocidental. O novo Iskra "tornou-se mais sensato" e em breve deixará de corar com os louvores que lhe prodigalizam os oportunistas extremos. O velho Iskra caminhava a direito para o seu objetivo, e as suas palavras não se afastavam dos seus atos. A falsidade intrínseca da posição do novo Iskra gera inevitavelmente a hipocrisia política, independentemente até da vontade ou da consciência de quem quer que seja. Grita contra o espírito de círculo para encobrir a vitória do espírito de círculo sobre o espírito de partido. Condena farisaicamente a cisão, como se para obviar à cisão dum partido com um mínimo de organização se pudesse imaginar outro meio que não a subordinação da minoria à maioria. Declara que éimprescindível ter em conta a opinião pública revolucionária e, ocultando os louvores dos Akimov, dedica-se a mexericos mesquinhos sobre os comitês da ala revolucionária do partido(18). Que vergonha! Como desonraram o nosso velho Iskra!

Um passo em frente, dois passos atrás ... É algo que acontece na vida dos indivíduos, na história das nações e no desenvolvimento dos partidos. Seria a mais criminosa das cobardias duvidar um só momento do triunfo inevitável e completo dos princípios da social-democracia revolucionária, da organização proletária e da disciplina de partido. Já conseguimos muito, devemos continuar a luta sem nos deixarmos desencorajar pelos reveses, lutar com firmeza, desprezando os métodos filistinos das questiúnculas de círculo, salvaguardando ao máximo o laço que liga num partido único todos os sociais-democratas da Rússia, laço estabelecido à custa de tantos esforços, e procurando conseguir, com um trabalho persistente e sistemático, que todos os membros do partido, sobretudo os operários, conheçam plena e conscientemente os deveres de partido, a luta no II Congresso do partido, todas as causas e peripécias da nossa divergência, todo o papel pernicioso do oportunismo, que, também no domínio da organização, do mesmo modo que no domínio do nosso programa e da nossa táctica, capitula perante a psicologia burguesa, adota sem qualquer critica o ponto de vista da democracia burguesa, embota a arma da luta de classe do proletariado.

O proletariado, na sua luta pelo poder, não tem outra arma senão a organização. Dividido pela concorrência anárquica que reina no mundo burguês, esmagado pelos trabalhos forçados ao serviço do capital, constantemente atirado ao abismo da miséria mais completa, do embrutecimento e da degenerescência, o proletariado só pode tornar-se, e tornar-se-á inevitavelmente, uma força invencível quando a sua unidade ideológica, baseada nos princípios do marxismo, é cimentada pela unidade material da organização que reúne milhões de trabalhadores num exército da classe operária. A esse exército não poderão resistir nem o poder decrépito da autocracia russa, nem o poder decrépito do capital internacional. Esse exército cerrará cada vez mais as suas fileiras, apesar de todos os ziguezagues e passos atrás, apesar das frases oportunistas dos girondinos da social-democracia contemporânea, apesar dos louvores presunçosos do espírito de circulo atrasado, apesar do falso brilho e do palavreado do anarquismo próprio de intelectuais.

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