28 de Setembro de 1914
A guerra europeia, que foi preparada no decurso de decénios pelos governos e pelos partidos burgueses de todos os países, rebentou. O aumento dos armamentos, a extrema agudização da luta pelos mercados na época do estádio actual, imperialista, de desenvolvimento do capitalismo nos países avançados e os interesses dinásticos das monarquias mais atrasadas, as da Europa Oriental, deviam conduzir inevitavelmente, e conduziram, a esta guerra. Conquistar terras e subjugar nações estrangeiras, arruinar a nação concorrente, saquear as suas riquezas, desviar a atenção das massas trabalhadoras das crises políticas internas da Rússia, Alemanha, Inglaterra e de outros países, a desunião e o entontecimento nacionalista dos operários e o extermínio da sua vanguarda com o objectivo de debilitar o movimento revolucionário do proletariado — tal é o único real conteúdo, significado e sentido da actual guerra.
Sobre a social-democracia recai antes de mais nada o dever de revelar este verdadeiro significado da guerra e desmascarar implacavelmente a mentira, os sofismas e as frases «patrióticas» difundidas pelas classes dominantes, pelos latifundiários e pela burguesia em defesa da guerra.
À cabeça de um grupo de nações beligerantes está a burguesia alemã. Ela engana a classe operária e as massas trabalhadoras, assegurando que faz a guerra para defender a pátria, a liberdade e a cultura, para libertar os povos oprimidos pelo tsarismo, para destruir o tsarismo reaccionário. Mas de facto é precisamente esta burguesia, que rasteja diante dos junkers prussianos com Guilherme II à sua frente, que sempre foi a aliada mais fiel do tsarismo e inimiga do movimento revolucionário dos operários e dos camponeses da Rússia. De facto esta burguesia, juntamente com os junkers, dirigirá todos os seus esforços para, qualquer que seja o resultado da guerra, apoiar a monarquia tsarista contra a revolução na Rússia.
De facto a burguesia alemã empreendeu uma campanha de rapina contra a Sérvia, querendo subjugá-la e estrangular a revolução nacional dos eslavos do Sul, dirigindo ao mesmo tempo o grosso das suas forças militares contra países mais livres, a Bélgica e a França, a fim de saquear um concorrente mais rico. Difundindo a fábula de uma guerra defensiva da sua parte, a burguesia alemã escolheu de facto o momento mais favorável, do seu ponto de vista, para a guerra, aproveitando os seus últimos aperfeiçoamentos na técnica militar e adiantando-se aos novos armamentos, já planeados e decididos pela Rússia e pela França.
A cabeça do outro grupo de nações beligerantes encontra-se a burguesia inglesa e francesa, que engana a classe operária e as massas trabalhadoras, assegurando que faz a guerra pela pátria, pela liberdade e cultura, contra o militarismo e o despotismo da Alemanha. Mas de facto esta burguesia há muito já que alugou e preparou, com os seus milhares de milhões, as tropas do tsarismo russo, a monarquia mais reaccionária e bárbara da Europa, para atacar a Alemanha.
De facto o objectivo da luta da burguesia inglesa e francesa é conquistar as colónias alemãs e arruinar a nação concorrente, que se distingue por um desenvolvimento económico mais rápido. E para este nobre fim as nações «avançadas», «democráticas», ajudam o selvagem tsarismo a sufocar ainda mais a Polónia, a Ucrânia, etc, a esmagar ainda mais fortemente a revolução na Rússia.
Ambos os grupos de países beligerantes nada ficam a dever um ao outro no que respeita às pilhagens, às atrocidades e à interminável crueldade da guerra. Mas para enganar o proletariado e desviar a sua atenção da única guerra verdadeiramente libertadora, isto é, da guerra civil contra a burguesia tanto do «seu» país como dos países «alheios», para atingir este elevado fim a burguesia de cada país procura exaltar com frases falsas sobre patriotismo o significado da «sua» guerra nacional e assegurar que aspira a vencer o inimigo nao para a pilhagem e a conquista de terras, mas para «libertar» todos os outros povos salvo o seu.
Mas quanto mais zelosamente os governos e a burguesia de todos os países procuram desunir os operários e lançá-los uns contra os outros, quanto mais ferozmente é empregado para este elevado fim o sistema do estado de guerra e da censura militar (que persegue muito mais, mesmo agora, durante a guerra, o inimigo «interno» do que o externo), tanto mais imperioso é o dever do proletariado consciente de defender a sua coesão de classe, o seu internacionalismo, as suas convicções socialistas, contra o chauvinismo desenfreado da clique «patriótica» burguesa de todos os países. Renunciar a esta tarefa por parte dos operários conscientes significará renunciar a todas as suas aspirações libertadoras e democráticas, sem falar já das socialistas.
É preciso constatar com um sentimento da mais profunda amargura que os partidos socialistas dos principais países europeus não cumpriram esta sua tarefa, e a conduta dos dirigentes destes partidos — particularmente do alemão — confina com a traição directa à causa do socialismo. Num momento da maior importância histórica mundial, a maioria dos dirigentes da actual, da segunda (1889-1914) Internacional Socialista tenta substituir o socialismo pelo nacionalismo. Devido à sua conduta, os partidos operários destes países não se opuseram à conduta criminosa dos governos, mas chamaram a classe operária a fundir a sua posição com a posição dos governos imperialistas. Os dirigentes da Internacional cometeram uma traição em relação ao socialismo, votando a favor dos créditos de guerra, repetindo as palavras de ordem chauvinistas («patrióticas») da burguesia dos «seus» países, justificando e defendendo a guerra, entrando nos ministérios burgueses dos países beligerantes, etc, etc. Os dirigentes socialistas mais influentes e os órgãos da imprensa socialista mais influentes da Europa contemporânea adoptam um ponto de vista burguês-chauvinista e liberal, de forma alguma socialista. A responsabilidade por esta desonra do socialismo recai em primeiro lugar sobre os sociais-democratas alemães, que eram o partido mais forte e influente da II Internacional. Mas também não se pode justificar os socialistas franceses, que aceitam cargos ministeriais no governo daquela mesma burguesia que traiu a sua pátria e se aliou a Bismarck para esmagar a Comuna.
Os sociais-democratas alemães e austríacos tentam justificar o seu apoio à guerra pretendendo que assim lutam contra o tsarismo russo. Nós, sociais-democratas russos, declaramos que consideramos tal justificação um puro sofisma. O movimento revolucionário contra o tsarismo adquiriu novamente no nosso país nos últimos anos enormes proporções. À frente deste movimento sempre marchou a classe operária da Rússia. As greves políticas de milhões de trabalhadores, nos últimos anos, realizaram-se sob a palavra de ordem do derrubamento do tsarismo e da reivindicação de uma república democrática. Na própria véspera da guerra, o presidente da República francesa, Poincaré, durante a sua visita a Nicolau II, pôde ver com os seus olhos barricadas nas ruas de Petersburgo, erguidas pelas mãos dos operários russos. O proletariado da Rússia não recuou diante de nenhum sacrifício para libertar toda a humanidade da vergonha da monarquia tsarista. Mas devemos dizer que se alguma coisa pode, em determinadas condições, adiar a queda do tsarismo, se alguma coisa pode ajudar o tsarismo na luta contra toda a democracia da Rússia, é precisamente a actual guerra, que colocou ao serviço dos objectivos reaccionários do tsarismo o saco de dinheiro da burguesia inglesa, francesa e russa. E se alguma coisa pode dificultar a luta revolucionária da classe operária da Rússia contra o tsarismo é precisamente a conduta dos dirigentes da social-democracia alemã e austríaca, que não deixa de nos ser apresentada como exemplo pela imprensa chauvinista da Rússia.
Mesmo que admitamos que a falta de forças da social-democracia alemã era tão grande que podia obrigá-la a renunciar a quaisquer acções revolucionárias, mesmo nesse caso não devia juntar-se ao campo chauvinista, não devia dar passos a propósito dos quais os socialistas italianos declaram com razão que os dirigentes dos sociais-democratas alemães desonram a bandeira da Internacional proletária.
O nosso partido, o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, já sofreu e sofrerá ainda enormes perdas ocasionadas pela guerra. Toda a nossa imprensa operária legal foi liquidada. A maioria dos sindicatos foram encerrados, numerosos camaradas nossos foram presos e deportados. Mas a nossa representação parlamentar — a Fracção Operária Social-Democrata da Rússia na Duma de Estado — considerou ser seu dever socialista incondicional não votar os créditos de guerra e mesmo abandonar a sala de sessões da Duma para expressar ainda mais energicamente o seu protesto, considerou um dever estigmatizar a política dos governos europeus como imperialista[N343]. E, apesar da opressão decuplicada do governo tsarista, os operários sociais-democratas da Rússia já editam os primeiros apelos clandestinos contra a guerra[N344], cumprindo o seu dever para com a democracia e a Internacional.
Se os representantes da social-democrada revolucionária, personificada na minoria dos sociais-democratas alemães e nos melhores socíais-democratas nos países neutrais, experimentam o pungente sentimento de vergonha por motivo desta bancarrota da II Internacional; se as vozes dos socialistas contra o chauvinismo da maioria dos partidos sociais-democratas ressoam tanto na Inglaterra como na França; se os oportunistas personificados, por exemplo, pelos Cadernos Mensais Socialistas (Sozialistische Monatshefte), que há muito ocupam uma posição nacional-liberal, celebram com plena razão a sua vitória sobre o socialismo europeu — prestam o pior serviço ao proletariado aqueles que vacilam entre o oportunismo e a social-democracia revolucionária (como o «centro» no partido social-democrata alemão), que procuram silenciar ou ocultar com frases diplomáticas a bancarrota da II Internacional.
Pelo contrário, deve-se reconhecer abertamente esta bancarrota e compreender as suas causas, para poder edificar uma nova e mais sólida coesão socialista dos operários de todos os países.
Os oportunistas fizeram fracassar as decisões dos congressos de Stuttgart, de Copenhaga e de Basileia[N345], que obrigavam os socialistas de todos os países a lutar contra o chauvinismo em todas e quaisquer condições, que obrigavam os socialistas a responder a qualquer guerra desencadeada pela burguesia e pelos governos com a redobrada propaganda da guerra civil e da revolução social. A bancarrota da II Internacional é a bancarrota do oportunismo, que se desenvolveu sobre a base das particularidades de uma época histórica passada (a chamada época «pacífica») e que nos últimos anos passou a dominar de facto na Internacional. Os oportunistas há muito que preparavam esta bancarrota, negando a revolução socialista e substituindo-a pelo reformismo burguês; negando a luta de classes e a sua necessária transformação, em determinados momentos, em guerra civil e defendendo a colaboração de classes; pregando o chauvinismo burguês sob o nome de patriotismo e de defesa da pátria e ignorando ou negando a verdade fundamental do socialismo, já exposta no Manifesto Comunista, de que os operários não têm pátria; limitando-se na luta contra o militarismo ao ponto de vista sentimental-filisteu, em vez de reconhecer a necessidade da guerra revolucionária dos proletários de todos os países contra a burguesia de todos os países; transformando a necessária utilização do parlamentarismo burguês e da legalidade burguesa numa feiticização desta legalidade e no esquecimento da obrigatoriedade das formas clandestinas de organização e de agitação nas épocas de crise. O «complemento» natural do oportunismo, a corrente anarco-sindicalista — concepção igualmente burguesa e hostil ao ponto de vista proletário, isto é, marxista — caracterizou-se não menos ignominiosamente por uma repetição fátua das palavras de ordem do chauvinismo durante a presente crise.
Não é actualmente possível cumprir as tarefas do socialismo, não é possível realizar a verdadeira coesão internacional dos operários, sem romper decididamente com o oportunismo e explicar às massas a inevitabilidade do seu fiasco.
A tarefa da social-democracia de cada país deve consistir, em primeiro lugar, na luta contra o chauvinismo desse país. Na Rússia este chauvinismo abrangeu inteiramente o liberalismo burguês (os «democratas-constitucionalistas») e parte dos populistas, indo até aos socialistas-revolucíonários e aos sociais-democratas «de direita». (Em particular, é obrigatório estigmatizar as intervenções chauvinistas, por exemplo, de E. Smirnov, P. Máslov, G. Plekhánov, retomadas e utilizadas largamente pela imprensa «patriótica» burguesa.)
Na actual situação não se pode determinar, do ponto de vista do proletariado internacional, a derrota de qual dos dois grupos de nações beligerantes seria o mal menor para o socialismo. Mas para nós, sociais-democratas russos, não pode haver dúvida alguma de que, do ponto de vista da classe operária e das massas trabalhadoras de todos os povos da Rússia, o mal menor seria a derrota da monarquia tsarista, o governo mais reaccionário e bárbaro, que oprime o maior número de nações e a maior massa de população da Europa e da Ásia.
A palavra de ordem política imediata da social-democracia da Europa deve ser a formação dos Estados Unidos da Europa republicanos, sendo que, diferentemente da burguesia, que está pronta a «prometer» tudo o que se queira, só para atrair o proletariado à torrente geral do chauvinismo, os sociais-democratas irão explicar toda a falsidade e falta de sentido desta palavra de ordem se não forem derrubadas pela revolução as monarquias alemã, austríaca e russa.
Na Rússia, dado o maior atraso deste país, que não terminou ainda a sua revolução burguesa, as tarefas da social-democracia devem ser, tal como antes, as três condições fundamentais de uma transformação democrática consequente: república democrática (com a plena igualdade de direitos e a autodeterminação de todas as nações), a confiscação das terras dos latifundiários e a jornada de 8 horas de trabalho. Mas em todos os países avançados a guerra coloca na ordem do dia a palavra de ordem de revolução socialista, que se torna tanto mais urgente quanto mais o fardo da guerra recair sobre os ombros do proletariado, quanto mais activo deva ser o seu papel na reconstrução da Europa, após os horrores da actual barbárie «patriótica» nas condições dos gigantescos progressos técnicos do grande capitalismo. A utilização pela burguesia das leis do tempo de guerra para amordaçar por completo o proletariado coloca diante dele a tarefa imperiosa da criação de formas clandestinas de agitação e de organização. Que os oportunistas «guardem» as organizações legais ao preço da traição às suas convicções — os sociais-democratas revolucionários utilizarão a experiência e os laços organizativos da classe operária para a criação de formas clandestinas, correspondentes à época de crise, de luta pelo socialismo e a união dos operários não com a burguesia chauvinista do seu país, mas com os operários de todos os países. A Internacional proletária não pereceu e não perecerá. Apesar de todos os obstáculos as massas operárias criarão uma nova Internacional. O actual triunfo do oportunismo é efémero. Quanto mais vítimas da guerra houver, tanto mais clara será para as massas operárias a traição à causa operária por parte dos oportunistas e a necessidade de voltar as armas contra os governos e a burguesia de cada país.
A transformação da actual guerra imperialista em guerra civil é a única palavra de ordem proletária justa, indicada pela experiência da Comuna, apontada pela resolução de Basileia (1912) e decorrente de todas as condições da guerra imperialista entre os países burgueses altamente desenvolvidos. Por muito grandes que pareçam ser as dificuldades de tal transformação neste ou naquele momento, os socialistas nunca renunciarão ao trabalho preparatório sistemático, persistente, contínuo nesta direcção, já que a guerra se tornou um facto.
Só nesta via o proletariado poderá escapar à sua dependência da burguesia chauvinista e, de uma ou de outra forma, mais ou menos rapidamente, dar passos decisivos na via da verdadeira liberdade dos povos e na via para o socialismo.
Viva a fraternidade internacional dos operários contra o chauvinismo e o patriotismo da burguesia de todos os países!
Viva a Internacional proletária, libertada do oportunismo!
O Comité Central do Partido Operário Social-Democrata da Rússia
Sobre a social-democracia recai antes de mais nada o dever de revelar este verdadeiro significado da guerra e desmascarar implacavelmente a mentira, os sofismas e as frases «patrióticas» difundidas pelas classes dominantes, pelos latifundiários e pela burguesia em defesa da guerra.
À cabeça de um grupo de nações beligerantes está a burguesia alemã. Ela engana a classe operária e as massas trabalhadoras, assegurando que faz a guerra para defender a pátria, a liberdade e a cultura, para libertar os povos oprimidos pelo tsarismo, para destruir o tsarismo reaccionário. Mas de facto é precisamente esta burguesia, que rasteja diante dos junkers prussianos com Guilherme II à sua frente, que sempre foi a aliada mais fiel do tsarismo e inimiga do movimento revolucionário dos operários e dos camponeses da Rússia. De facto esta burguesia, juntamente com os junkers, dirigirá todos os seus esforços para, qualquer que seja o resultado da guerra, apoiar a monarquia tsarista contra a revolução na Rússia.
De facto a burguesia alemã empreendeu uma campanha de rapina contra a Sérvia, querendo subjugá-la e estrangular a revolução nacional dos eslavos do Sul, dirigindo ao mesmo tempo o grosso das suas forças militares contra países mais livres, a Bélgica e a França, a fim de saquear um concorrente mais rico. Difundindo a fábula de uma guerra defensiva da sua parte, a burguesia alemã escolheu de facto o momento mais favorável, do seu ponto de vista, para a guerra, aproveitando os seus últimos aperfeiçoamentos na técnica militar e adiantando-se aos novos armamentos, já planeados e decididos pela Rússia e pela França.
A cabeça do outro grupo de nações beligerantes encontra-se a burguesia inglesa e francesa, que engana a classe operária e as massas trabalhadoras, assegurando que faz a guerra pela pátria, pela liberdade e cultura, contra o militarismo e o despotismo da Alemanha. Mas de facto esta burguesia há muito já que alugou e preparou, com os seus milhares de milhões, as tropas do tsarismo russo, a monarquia mais reaccionária e bárbara da Europa, para atacar a Alemanha.
De facto o objectivo da luta da burguesia inglesa e francesa é conquistar as colónias alemãs e arruinar a nação concorrente, que se distingue por um desenvolvimento económico mais rápido. E para este nobre fim as nações «avançadas», «democráticas», ajudam o selvagem tsarismo a sufocar ainda mais a Polónia, a Ucrânia, etc, a esmagar ainda mais fortemente a revolução na Rússia.
Ambos os grupos de países beligerantes nada ficam a dever um ao outro no que respeita às pilhagens, às atrocidades e à interminável crueldade da guerra. Mas para enganar o proletariado e desviar a sua atenção da única guerra verdadeiramente libertadora, isto é, da guerra civil contra a burguesia tanto do «seu» país como dos países «alheios», para atingir este elevado fim a burguesia de cada país procura exaltar com frases falsas sobre patriotismo o significado da «sua» guerra nacional e assegurar que aspira a vencer o inimigo nao para a pilhagem e a conquista de terras, mas para «libertar» todos os outros povos salvo o seu.
Mas quanto mais zelosamente os governos e a burguesia de todos os países procuram desunir os operários e lançá-los uns contra os outros, quanto mais ferozmente é empregado para este elevado fim o sistema do estado de guerra e da censura militar (que persegue muito mais, mesmo agora, durante a guerra, o inimigo «interno» do que o externo), tanto mais imperioso é o dever do proletariado consciente de defender a sua coesão de classe, o seu internacionalismo, as suas convicções socialistas, contra o chauvinismo desenfreado da clique «patriótica» burguesa de todos os países. Renunciar a esta tarefa por parte dos operários conscientes significará renunciar a todas as suas aspirações libertadoras e democráticas, sem falar já das socialistas.
É preciso constatar com um sentimento da mais profunda amargura que os partidos socialistas dos principais países europeus não cumpriram esta sua tarefa, e a conduta dos dirigentes destes partidos — particularmente do alemão — confina com a traição directa à causa do socialismo. Num momento da maior importância histórica mundial, a maioria dos dirigentes da actual, da segunda (1889-1914) Internacional Socialista tenta substituir o socialismo pelo nacionalismo. Devido à sua conduta, os partidos operários destes países não se opuseram à conduta criminosa dos governos, mas chamaram a classe operária a fundir a sua posição com a posição dos governos imperialistas. Os dirigentes da Internacional cometeram uma traição em relação ao socialismo, votando a favor dos créditos de guerra, repetindo as palavras de ordem chauvinistas («patrióticas») da burguesia dos «seus» países, justificando e defendendo a guerra, entrando nos ministérios burgueses dos países beligerantes, etc, etc. Os dirigentes socialistas mais influentes e os órgãos da imprensa socialista mais influentes da Europa contemporânea adoptam um ponto de vista burguês-chauvinista e liberal, de forma alguma socialista. A responsabilidade por esta desonra do socialismo recai em primeiro lugar sobre os sociais-democratas alemães, que eram o partido mais forte e influente da II Internacional. Mas também não se pode justificar os socialistas franceses, que aceitam cargos ministeriais no governo daquela mesma burguesia que traiu a sua pátria e se aliou a Bismarck para esmagar a Comuna.
Os sociais-democratas alemães e austríacos tentam justificar o seu apoio à guerra pretendendo que assim lutam contra o tsarismo russo. Nós, sociais-democratas russos, declaramos que consideramos tal justificação um puro sofisma. O movimento revolucionário contra o tsarismo adquiriu novamente no nosso país nos últimos anos enormes proporções. À frente deste movimento sempre marchou a classe operária da Rússia. As greves políticas de milhões de trabalhadores, nos últimos anos, realizaram-se sob a palavra de ordem do derrubamento do tsarismo e da reivindicação de uma república democrática. Na própria véspera da guerra, o presidente da República francesa, Poincaré, durante a sua visita a Nicolau II, pôde ver com os seus olhos barricadas nas ruas de Petersburgo, erguidas pelas mãos dos operários russos. O proletariado da Rússia não recuou diante de nenhum sacrifício para libertar toda a humanidade da vergonha da monarquia tsarista. Mas devemos dizer que se alguma coisa pode, em determinadas condições, adiar a queda do tsarismo, se alguma coisa pode ajudar o tsarismo na luta contra toda a democracia da Rússia, é precisamente a actual guerra, que colocou ao serviço dos objectivos reaccionários do tsarismo o saco de dinheiro da burguesia inglesa, francesa e russa. E se alguma coisa pode dificultar a luta revolucionária da classe operária da Rússia contra o tsarismo é precisamente a conduta dos dirigentes da social-democracia alemã e austríaca, que não deixa de nos ser apresentada como exemplo pela imprensa chauvinista da Rússia.
Mesmo que admitamos que a falta de forças da social-democracia alemã era tão grande que podia obrigá-la a renunciar a quaisquer acções revolucionárias, mesmo nesse caso não devia juntar-se ao campo chauvinista, não devia dar passos a propósito dos quais os socialistas italianos declaram com razão que os dirigentes dos sociais-democratas alemães desonram a bandeira da Internacional proletária.
O nosso partido, o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, já sofreu e sofrerá ainda enormes perdas ocasionadas pela guerra. Toda a nossa imprensa operária legal foi liquidada. A maioria dos sindicatos foram encerrados, numerosos camaradas nossos foram presos e deportados. Mas a nossa representação parlamentar — a Fracção Operária Social-Democrata da Rússia na Duma de Estado — considerou ser seu dever socialista incondicional não votar os créditos de guerra e mesmo abandonar a sala de sessões da Duma para expressar ainda mais energicamente o seu protesto, considerou um dever estigmatizar a política dos governos europeus como imperialista[N343]. E, apesar da opressão decuplicada do governo tsarista, os operários sociais-democratas da Rússia já editam os primeiros apelos clandestinos contra a guerra[N344], cumprindo o seu dever para com a democracia e a Internacional.
Se os representantes da social-democrada revolucionária, personificada na minoria dos sociais-democratas alemães e nos melhores socíais-democratas nos países neutrais, experimentam o pungente sentimento de vergonha por motivo desta bancarrota da II Internacional; se as vozes dos socialistas contra o chauvinismo da maioria dos partidos sociais-democratas ressoam tanto na Inglaterra como na França; se os oportunistas personificados, por exemplo, pelos Cadernos Mensais Socialistas (Sozialistische Monatshefte), que há muito ocupam uma posição nacional-liberal, celebram com plena razão a sua vitória sobre o socialismo europeu — prestam o pior serviço ao proletariado aqueles que vacilam entre o oportunismo e a social-democracia revolucionária (como o «centro» no partido social-democrata alemão), que procuram silenciar ou ocultar com frases diplomáticas a bancarrota da II Internacional.
Pelo contrário, deve-se reconhecer abertamente esta bancarrota e compreender as suas causas, para poder edificar uma nova e mais sólida coesão socialista dos operários de todos os países.
Os oportunistas fizeram fracassar as decisões dos congressos de Stuttgart, de Copenhaga e de Basileia[N345], que obrigavam os socialistas de todos os países a lutar contra o chauvinismo em todas e quaisquer condições, que obrigavam os socialistas a responder a qualquer guerra desencadeada pela burguesia e pelos governos com a redobrada propaganda da guerra civil e da revolução social. A bancarrota da II Internacional é a bancarrota do oportunismo, que se desenvolveu sobre a base das particularidades de uma época histórica passada (a chamada época «pacífica») e que nos últimos anos passou a dominar de facto na Internacional. Os oportunistas há muito que preparavam esta bancarrota, negando a revolução socialista e substituindo-a pelo reformismo burguês; negando a luta de classes e a sua necessária transformação, em determinados momentos, em guerra civil e defendendo a colaboração de classes; pregando o chauvinismo burguês sob o nome de patriotismo e de defesa da pátria e ignorando ou negando a verdade fundamental do socialismo, já exposta no Manifesto Comunista, de que os operários não têm pátria; limitando-se na luta contra o militarismo ao ponto de vista sentimental-filisteu, em vez de reconhecer a necessidade da guerra revolucionária dos proletários de todos os países contra a burguesia de todos os países; transformando a necessária utilização do parlamentarismo burguês e da legalidade burguesa numa feiticização desta legalidade e no esquecimento da obrigatoriedade das formas clandestinas de organização e de agitação nas épocas de crise. O «complemento» natural do oportunismo, a corrente anarco-sindicalista — concepção igualmente burguesa e hostil ao ponto de vista proletário, isto é, marxista — caracterizou-se não menos ignominiosamente por uma repetição fátua das palavras de ordem do chauvinismo durante a presente crise.
Não é actualmente possível cumprir as tarefas do socialismo, não é possível realizar a verdadeira coesão internacional dos operários, sem romper decididamente com o oportunismo e explicar às massas a inevitabilidade do seu fiasco.
A tarefa da social-democracia de cada país deve consistir, em primeiro lugar, na luta contra o chauvinismo desse país. Na Rússia este chauvinismo abrangeu inteiramente o liberalismo burguês (os «democratas-constitucionalistas») e parte dos populistas, indo até aos socialistas-revolucíonários e aos sociais-democratas «de direita». (Em particular, é obrigatório estigmatizar as intervenções chauvinistas, por exemplo, de E. Smirnov, P. Máslov, G. Plekhánov, retomadas e utilizadas largamente pela imprensa «patriótica» burguesa.)
Na actual situação não se pode determinar, do ponto de vista do proletariado internacional, a derrota de qual dos dois grupos de nações beligerantes seria o mal menor para o socialismo. Mas para nós, sociais-democratas russos, não pode haver dúvida alguma de que, do ponto de vista da classe operária e das massas trabalhadoras de todos os povos da Rússia, o mal menor seria a derrota da monarquia tsarista, o governo mais reaccionário e bárbaro, que oprime o maior número de nações e a maior massa de população da Europa e da Ásia.
A palavra de ordem política imediata da social-democracia da Europa deve ser a formação dos Estados Unidos da Europa republicanos, sendo que, diferentemente da burguesia, que está pronta a «prometer» tudo o que se queira, só para atrair o proletariado à torrente geral do chauvinismo, os sociais-democratas irão explicar toda a falsidade e falta de sentido desta palavra de ordem se não forem derrubadas pela revolução as monarquias alemã, austríaca e russa.
Na Rússia, dado o maior atraso deste país, que não terminou ainda a sua revolução burguesa, as tarefas da social-democracia devem ser, tal como antes, as três condições fundamentais de uma transformação democrática consequente: república democrática (com a plena igualdade de direitos e a autodeterminação de todas as nações), a confiscação das terras dos latifundiários e a jornada de 8 horas de trabalho. Mas em todos os países avançados a guerra coloca na ordem do dia a palavra de ordem de revolução socialista, que se torna tanto mais urgente quanto mais o fardo da guerra recair sobre os ombros do proletariado, quanto mais activo deva ser o seu papel na reconstrução da Europa, após os horrores da actual barbárie «patriótica» nas condições dos gigantescos progressos técnicos do grande capitalismo. A utilização pela burguesia das leis do tempo de guerra para amordaçar por completo o proletariado coloca diante dele a tarefa imperiosa da criação de formas clandestinas de agitação e de organização. Que os oportunistas «guardem» as organizações legais ao preço da traição às suas convicções — os sociais-democratas revolucionários utilizarão a experiência e os laços organizativos da classe operária para a criação de formas clandestinas, correspondentes à época de crise, de luta pelo socialismo e a união dos operários não com a burguesia chauvinista do seu país, mas com os operários de todos os países. A Internacional proletária não pereceu e não perecerá. Apesar de todos os obstáculos as massas operárias criarão uma nova Internacional. O actual triunfo do oportunismo é efémero. Quanto mais vítimas da guerra houver, tanto mais clara será para as massas operárias a traição à causa operária por parte dos oportunistas e a necessidade de voltar as armas contra os governos e a burguesia de cada país.
A transformação da actual guerra imperialista em guerra civil é a única palavra de ordem proletária justa, indicada pela experiência da Comuna, apontada pela resolução de Basileia (1912) e decorrente de todas as condições da guerra imperialista entre os países burgueses altamente desenvolvidos. Por muito grandes que pareçam ser as dificuldades de tal transformação neste ou naquele momento, os socialistas nunca renunciarão ao trabalho preparatório sistemático, persistente, contínuo nesta direcção, já que a guerra se tornou um facto.
Só nesta via o proletariado poderá escapar à sua dependência da burguesia chauvinista e, de uma ou de outra forma, mais ou menos rapidamente, dar passos decisivos na via da verdadeira liberdade dos povos e na via para o socialismo.
Viva a fraternidade internacional dos operários contra o chauvinismo e o patriotismo da burguesia de todos os países!
Viva a Internacional proletária, libertada do oportunismo!
O Comité Central do Partido Operário Social-Democrata da Rússia
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