O artigo por nós mencionado acima, publicado no órgão do «comité» menchevique de Tiflis (Sotsial-Demokrat, n.° 1) intitula-se O Zémski Sobor e a Nossa Táctica. O seu autor não esqueceu ainda por completo o nosso programa, lança a palavra de ordem de república, mas discorre sobre a táctica da seguinte maneira:
«Para atingir este objectivo (a república) podem-se indicar dois caminhos: ou não prestar nenhuma atenção ao Zémski Sobor em vias de ser convocado pelo governo e derrotar o governo com as armas na mão, formar um governo revolucionário e convocar a assembleia constituinte. Ou declarar o Zémski Sobor como centro da nossa acção, fazendo pressão de armas na mão sobre a sua composição, sobre a sua actividade, e obrigá-lo pela força a declarar-se assembleia constituinte, ou a convocar por seu intermédio uma assembleia constituinte. Estas duas tácticas diferenciam-se muito claramente uma da outra. Vejamos, pois, qual das duas é mais vantajosa para nós.»
Eis como os neo-iskristas russos expõem as ideias ulteriormente consubstanciadas na resolução por nós examinada. Observai que isto foi escrito antes de Tsuxima[N248], quando o «projecto» de Bulíguine não tinha ainda vindo à luz. Até os liberais perdiam a paciência e exprimiam a sua desconfiança nas colunas da imprensa legal, enquanto um social-democrata neo-iskrista se mostrava mais confiante do que os liberais. Declara ele que o Zémski Sobor «está em vias de ser convocado» e acredita no tsar a tal ponto que propõe fazer deste Zémski Sobor (ou talvez uma «Duma de Estado» ou um «Sobor consultivo»?) ainda inexistente o centro da nossa actuação. Mais franco e mais rectilíneo do que os autores da resolução adoptada na conferência, o nosso tiflissense não considera como equivalentes as duas «tácticas» (expostas por ele com uma ingenuidade inimitável), mas declara que a segunda é «mais vantajosa». Escutai:
«Táctica primeira. Como sabeis, a revolução que se aproxima é uma revolução burguesa, isto é, está destinada a realizar uma transformação do regime actual na qual está interessado não só o proletariado mas também toda a sociedade burguesa. Todas as classes se encontram em oposição ao governo, incluindo os próprios capitalistas. O proletariado em luta e a burguesia em luta vão, em certo sentido, juntos e atacam juntos o absolutismo de lados diferentes. O governo está aqui completamente isolado e privado da simpatia da sociedade. Por isso, é muito fácil destruí-lo. O proletariado da Rússia no seu conjunto não tem ainda suficiente consciência de classe nem está suficientemente organizado para poder, sozinho, levar a cabo a revolução. E se pudesse fazê-lo não realizaria uma revolução burguesa, mas proletária (socialista). Interessa-nos, portanto, que o governo fique sem aliados, não possa dividir a oposição, não atraia para si a burguesia e deixe isolado o proletariado...»
Assim, é do interesse do proletariado que o governo não possa separar a burguesia e o proletariado! Não será por engano que o órgão georgiano se chama Sotsial-Demokrat em vez de se chamar Osvobojdénie? Vede que inimitável filosofia da revolução democrática! Não vemos nós aqui, com os nossos próprios olhos, o pobre tiflissense totalmente desorientado pela sentenciosa interpretação seguidista do conceito «revolução burguesa»? Examina a questão do possível isolamento do proletariado na revolução democrática e esquece-se... esquece-se de uma minúcia... do campesinato! Entre os possíveis aliados do proletariado, ele conhece e acha do seu agrado os latifundiários dos zemstvos, mas não sabe nada dos camponeses. E isto no Cáucaso! Pois bem, não tínhamos nós razão quando dizíamos que o novo Iskra, com os seus raciocínios, desce até à burguesia monárquica, em vez de elevar até si como aliado o campesinato revolucionário?
«... Em caso contrário, a derrota do proletariado e a vitória do governo são inevitáveis, E é precisamente isto que a autocracia deseja. Esta, sem dúvida, no seu Zémski Sobor, atrairá para o seu lado os representantes da nobreza, dos zemstvos, das cidades, das Universidades e demais instituições burguesas. Esforçar-se-á por ganhá-los com pequenas concessões e, dessa maneira, reconciliá-los consigo. Reforçada deste modo, dirigirá todos os seus golpes contra o povo trabalhador, que ficará isolado. É nosso dever impedir tão infeliz desenlace. Mas poderemos fazê-lo pelo primeiro caminho? Suponhamos que não prestámos nenhuma atenção ao Zémski Sobor, mas que começámos a preparar-nos nós próprios para a insurreição e um belo dia saímos armados para a rua para a luta. E eis que em lugar de encontrarmos pela frente um só inimigo, encontramo-nos com dois: o governo e o Zémski Sobor. Enquanto nos preparávamos, eles tiveram tempo de entender-se, de chegar a um acordo, de elaborar uma constituição vantajosa para eles e de repartir o poder entre si. Esta é uma táctica directamente vantajosa para o governo e devemos repudiá-la da maneira mais enérgica..."
Isso é que é falar com franqueza! Há que repudiar decididamente a «táctica» de preparar a insurreição porque, «entretanto», o governo chegará a um arranjo com a burguesia! Seria possível encontrar, na velha literatura do mais inveterado «economismo», alguma coisa parecida com esta difamação da socíal-democracia revolucionária? As insurreições e as revoltas operárias e camponesas que se verificam aqui e ali são um facto. O Zémski Sobor é uma promessa de Bulíguine. E o Sotsial-Demokrat da cidade de Tiflis decide: repudiar a táctica de preparar a insurreição e esperar pelo «centro de acção», o Zémski Sobor...
«... A segunda táctica, pelo contrário, consiste em colocar o Zémski Sobor sob a nossa vigilância, não lhe dar possibilidade de actuar segundo a sua vontade e de chegar a um acordo com o governo(16*).
«Nós apoiamos o Zémski Sobor na medida em que lute contra a autocracia e combatemo-lo quando se conciliar com a autocracia. Por uma intervenção enérgica e pela força, dividimos os deputados(17*), atraímos para nós os radicais, eliminamos do governo os conservadores e, desta maneira, colocamos todo o Zémski Sobor na via revolucionária. Graças a esta táctica, o governo ficará permanentemente isolado, a oposição será forte e deste modo será facilitada a implantação de um regime democrático.»
Sim! Sim! Que nos digam agora que exageramos a viragem dos neo-iskristas para a variedade mais vulgar do «economismo». Isto é exactamente igual aos famosos pós contra as moscas: apanha-se a mosca, aplica-se-lhe o pó e ela morre. Dividir pela força os deputados do Zémski Sobor, «eliminar do governo os conservadores» — e todo o Zémski Sobor adoptará a via revolucionária... Tudo isso sem nenhuma espécie de insurreição armada «jacobina», mas muito nobremente, quase parlamentarmente, «fazendo pressão» sobre os membros do Zémski Sobor.
Pobre Rússia! Disse-se dela que usa sempre chapéus fora de moda e desusados na Europa. Não temos ainda parlamento, Bulíguine nem sequer o prometeu, mas cretinismo parlamentar[N249] há quanto se queira.
«... Como deve efectuar-se esta intervenção? Em primeiro lugar, exigiremos que o Zémski Sobor seja convocado na base do sufrágio universal, igual, directo e secreto. Juntamente com a publicação(18*) deste sistema eleitoral, deve ser consagrada pela lei(19*) a completa liberdade de agitação eleitoral, isto é, a liberdade de reunião, de palavra, de imprensa, a imunidade dos eleitores e eleitos e a libertação de todos os delinquentes políticos. A data das eleições deve ser fixada para o mais tarde possível, a fim de nos dar tempo suficiente para informar e preparar o povo. E uma vez que a elaboração do regulamento de convocação do Sobor foi confiada a uma comissão presidida pelo Ministro do Interior Bulíguine, devemos fazer pressão sobre esta comissão e sobre os seus membros(20*). Se a comissão Bulíguine se negar a satisfazer as nossas reivindicações(21*) e conceder o direito de voto somente aos possidentes, devemos intervir nestas eleições e obrigar, por meios revolucionários, os eleitores a eleger candidatos avançados e exigir no Zémski Sobor uma assembleia constituinte. Por fim devemos obrigar por todos os meios possíveis — manifestações, greves, e, se for necessário, a insurreição — o Zémski Sobor a convocar uma assembleia constituinte ou a declarar-se como tal. O proletariado em armas deve ser o defensor da assembleia constituinte e ambos(22*) juntos marcharão para a república democrática. «Esta é a táctica social-democrata e só ela nos assegurará a vitória.»
Não pense o leitor que este incrível absurdo seja simples ensaio jornalístico de qualquer neo-iskrista irresponsável e sem influência. Não, isto é dito no órgão de todo um comité dos neo-iskristas, o de Tíflis. Mais ainda. Este absurdo é abertamente aprovado pelo «Iskra» no seu n.° 100, no qual lemos estas linhas consagradas ao Sotsial-Demokrat:
"O n." 1 está redigido com vivacidade e talento. Nota-se a mão experimentada e hábil de um redactor que é escritor... Pode dizer-se com segurança que o jornal cumprirá brilhantemente a tarefa que se propôs.»
Sim! Se esta tarefa consiste em demonstrar cabalmente, a todos e a cada um, a plena decomposição ideológica do neo-iskrismo, cumpriu-a de facto «brilhantemente». Ninguém teria sabido exprimir com maior «vivacidade, talento e habilidade» o rebaixamento dos neo-iskristas até ao oportunismo liberal-burguês.
8. O Osvobojdenismo e o Neo-Iskrismo
Passemos agora a outra confirmação evidente da significação política do neo-iskrismo.
Num artigo notável, excelente, muito instrutivo, intitulado Como se encontrar a si mesmo (Osvobojdénie n.° 71), o Sr. Struve entra em guerra com o «revolucionarismo programático» dos nossos partidos extremos. O Sr. Struve mostra-se sobretudo descontente comigo(23*). No que a mim se refere, não posso estar mais contente com o Sr. Struve: eu não poderia desejar melhor aliado na luta contra o «economismo» renascente dos neo-iskristas e contra a falta absoluta de princípios dos «socialistas-revolucionários». Mostraremos nalguma outra ocasião como o Sr. Struve e a Osvobojdénie demonstraram, na prática, todo o reaccionarismo das «emendas» ao marxismo feitas no projecto de programa dos socialistas-revolucionários. Já falámos muitas vezes(24*), e falaremos agora outra vez, de como o Sr. Struve me prestou um serviço leal, honrado e verdadeiro todas as vezes que aprovou em princípio os neo-iskristas.
No artigo do Sr. Struve há uma série de declarações interessantíssimas que aqui só podemos assinalar de passagem. Ele tenciona «criar uma democracia russa apoiando-se não na luta mas na colaboração de classes», com a particularidade de que a «intelectualidade socialmente privilegiada» (tal como a «nobreza culta», ante a qual o Sr. Struve faz reverências com a graça autenticamente mundana de um... lacaio) trará o «peso da sua situação social» (o peso de um saco de dinheiro) para este partido «não classista». O Sr. Struve exprime o desejo de dar a conhecer à juventude a falsidade «desse chavão radical de que a burguesia se assustou e atraiçoou o proletariado e a causa da liberdade». (Saudamos de todo o coração este desejo. Nada confirma melhor este «chavão» marxista do que a guerra que lhe faz o Sr. Struve . Faça favor, Sr. Struve , não remeta para as calendas gregas a execução do seu excelente plano!)
Para tratar o nosso tema importa assinalar as palavras de ordem práticas contra as quais luta actualmente um representante da burguesia russa dotado de um instinto político tão fino e tão sensível às menores variações do tempo. Em primeiro lugar, contra a palavra de ordem do republicanismo. O Sr. Struve está firmemente convencido de que esta palavra de ordem é «incompreensível e alheia à massa do povo» (ele esquece-se de acrescentar: é compreensível, mas desvantajosa para a burguesia!). Gostaríamos de ver que resposta receberia o Sr. Struve dos operários nos nossos círculos e nos nossos comícios! Ou os operários não são povo? E os camponeses? Acontece-lhes professar, segundo as palavras do Sr. Struve , «um republicanismo ingénuo» («correr com o tsar»), mas a burguesia liberal acredita que este republicanismo ingénuo será substituído não por um republicanismo consciente, mas por um monarquismo consciente! Ça dépend, Sr. Struve , isso depende ainda das circunstâncias. Tanto o tsarismo como a burguesia não podem deixar de opor-se a uma melhoria radical da situação dos camponeses à custa da grande propriedade latifundiária, e a classe operária não pode deixar de cooperar nisto com o campesinato.
Em segundo lugar, o Sr. Struve afirma que «na guerra civil o atacante estará sempre errado». Esta ideia aproxima-se muito das tendências do neo-iskrismo expostas mais atrás. Não diremos, naturalmente, que na guerra civil é sempre vantajoso atacar; não, às vezes a táctica defensiva é obrigatória durante certo tempo. Mas formular uma tese como a do Sr. Struve e aplicá-la à Rússia de 1905 é precisamente exibir um fragmento do «chavão radical» («a burguesia assusta-se e atraiçoa a causa da liberdade»). Quem não quiser atacar agora a autocracia, a reacção, quem não se preparar para este ataque, quem não o propugnar, afirma-se falsamente partidário da revolução.
O Sr. Struve condena as palavras de ordem: «conspiração» e «motim» (este é uma «insurreição em miniatura»). O Sr. Struve desdenha uma e outro do ponto de vista «do acesso às massas»! Perguntamos ao Sr. Struve: poderia ele indicar a propaganda do motim, por exemplo, numa obra como Que Fazer? de um revolucionarista tão extremo, na sua maneira de ver? E, quanto à «conspiração», será tão grande a diferença, por exemplo, entre nós e o Sr. Struve? Não trabalhamos ambos em jornais «ilegais», introduzidos «conspirativamente» na Rússia e que servem os grupos «secretos» da «União de Libertação» ou do POSDR? Os nossos comícios operários são, em muitos casos, «conspirativos», não o negamos. E as assembleias dos senhores osvobojdenistas? De que pode gabar-se, Sr. Struve , perante os desprezíveis partidários da desprezível conspiração?
É verdade que para fornecer armas aos operários é necessária uma rigorosa conspiração. Neste ponto o Sr. Struve fala já com mais franqueza. Escutai-o:
«No que se refere à insurreição armada, ou à revolução no sentido técnico, somente uma propaganda de massa do programa democrático pode criar as condições psicológicas e sociais da insurreição armada geral. Assim, mesmo do ponto de vista, que não compartilho, que considera a insurreição armada como o coroamento inevitável da actual luta pela emancipação, o essencial, o mais necessário, é inculcar nas massas as ideias de transformação democrática.»
O Sr. Struve procura fugir à questão. Fala da inevitabilidade da insurreição, em vez de falar da necessidade da mesma para a vitória da revolução. Uma insurreição não preparada, espontânea, dispersa, já começou. Ninguém pode garantir absolutamente que ela chegará até à insurreição popular armada integral e total, uma vez que isso depende tanto do estado das forças revolucionárias (que só se pode avaliar inteiramente durante a própria luta), como da conduta do governo e da burguesia e de uma série de outras circunstâncias que não é possível predizer com exactidão. É despropositado falar de inevitabilidade no sentido desta certeza absoluta num acontecimento concreto a que a argumentação do Sr. Struve reduz o assunto. Se se quer ser partidário da revolução, deve-se falar de se é necessária a insurreição para a vitória da revolução, de se é necessário ou não preconizá-la activamente, defendê-la, prepará-la imediata e energicamente. O Sr. Struve não pode deixar de compreender esta diferença: por exemplo, não encobre a questão, indiscutível para um democrata, da necessidade do sufrágio universal com a questão, discutível e não essencial para um político, da inevitabilidade de se conseguir esse sufrágio no decurso da presente revolução. Ao fugir a questão da necessidade da insurreição, o Sr. Struve exprime a essência mais profunda da posição política da burguesia liberal. A burguesia, em primeiro lugar, prefere entender-se com a autocracia em vez de a esmagar; em qualquer caso, a burguesia deixa a luta de armas na mão para os operários (isto em segundo lugar). Eis a significação real que têm as evasivas do Sr. Struve. Eis porque ele recua da questão da necessidade da insurreição para a questão das suas condições «psicológicas e sociais», da «propaganda» preliminar. Exactamente da mesma forma que os palradores burgueses no parlamento de Frankfurt em 1848 se ocupavam em compor resoluções, declarações, decisões, da «propaganda de massa» e da preparação das «condições psicológicas e sociais», quando do que se tratava era de resistir à força armada do governo, quando o movimento «tinha conduzido à necessidade» da luta armada, quando a acção verbal exclusiva (cem vezes necessária no período de preparação) se tinha convertido numa vil inactividade e cobardia burguesas — da mesma forma, o Sr. Struve foge à questão da insurreição, encobrindo-se com frases. O Sr. Struve demonstra-nos linearmente aquilo que muitos sociais-democratas se obstinam a não ver, a saber: que o momento revolucionário se diferencia dos ordinários e quotidianos momentos históricos de preparação em que o estado de espírito, a agitação, a convicção das massas devem traduzir-se e traduzem-se em acção.
O revolucionarismo vulgar não compreende que a palavra é também um acto; esta é uma tese incontestável, aplicada à história em geral ou a épocas da história em que não há acção política aberta das massas, que nenhum putsch pode substituir nem criar artificialmente. O seguidismo dos revolucionários não compreende que, quando se inicia o momento revolucionário, quando a velha «superstrutura» rebenta por todos os lados, quando a acção política aberta das classes e das massas, que criam para si uma nova superstrutura, se converteu num facto, quando começou a guerra civil, limitar-se então, como outrora ,«às palavras», sem dar a palavra de ordem directa de passar aos «actos», fugir então à acção, invocando as «condições psicológicas» e a «propaganda» em geral, significa apatia, imobilidade cadavérica, verbalismo, ou então perfídia e traição perante a revolução. Os palradores de Frankfurt da burguesia democrática são um exemplo histórico inolvidável de uma tal traição ou de uma tal estupidez verbalista.
Quereis que vos expliquemos esta diferença entre o revolucionarismo vulgar e o seguidismo dos revolucionários com exemplos da história do movimento social-democrata na Rússia? Dar-vos-emos essa explicação. Recordai os anos 1901-1902, que estão ainda tão próximos e nos parecem agora pertencer a um passado longínquo. Começaram as manifestações. O revolucionarismo vulgar lançou o grito de «ao assalto» (Rabótcheie Dielo), foram publicados os «volantes sangrentos» (de procedência berlinense, se a memória me não falha), atacou-se como «literatismo» e coisa de gabinete a ideia de agitação em toda a Rússia por meio de um jornal (Nadéjdine)[N251]. O seguidismo dos revolucionários apresentou-se então, pelo contrário, com o sermão de que «a luta económica constitui o melhor meio para a agitação política». Qual foi a posição da social-democracia revolucionária? Atacou estas duas tendências. Condenou os métodos pirotécnicos e os gritos de assalto, pois todos viam ou deviam ver claramente que a acção aberta das massas era coisa do futuro. Condenou o seguidismo e apresentou claramente mesmo a palavra de ordem da insurreição armada de todo o povo, não no sentido de um apelo directo (o Sr. Struve não encontraria entre nós naquele tempo um apelo ao «motim»), mas no sentido de uma conclusão necessária, no sentido da «propaganda» (da qual o Sr. Struve se lembrou só agora — o nosso respeitável Sr. Struve está sempre atrasado alguns anos), no sentido da preparação destas mesmas «condições psicológicas e sociais» de que agora tanto falam, «melancolicamente e a despropósito», os representantes da confundida burguesia traficante. Então a propaganda e a agitação, a agitação e a propaganda eram realmente colocadas em primeiro plano pelo estado de coisas objectivo. Então como pedra de toque do trabalho para a preparação da insurreição podia colocar-se (e colocava-se em Que Fazer?) o trabalho de criar um jornal político para toda a Rússia, cuja publicação semanal nos parecia um ideal. Então as palavras de ordem agitação de massas em lugar de acções armadas directas e preparação das condições psicológicas e sociais da insurreição em lugar dos métodos pirotécnicos eram as únicas palavras de ordem justas da social-democracia revolucionária. Agora estas palavras de ordem foram ultrapassadas pelos acontecimentos, o movimento deixou-as para trás, tornaram-se velharias, farrapos que não servem senão para ocultar a hipocrisia da tendência dos osvobojdenistas e o seguidismo dos neo-iskristas!
Ou talvez eu me engane? Talvez a revolução não tenha ainda começado? Não chegou ainda o momento da acção política aberta das classes? Não começou ainda a guerra civil e, portanto, não chegou o momento da crítica pelas armas ser necessária e obrigatoriamente a herdeira, a sucessora, a testamenteira, a coroadora da arma da crítica?
Olhai em vosso redor, saí do vosso gabinete para a rua, a fim de responder a estas perguntas. Não foi o próprio governo que começou já a guerra civil, assassinando em massa, por toda a parte, cidadãos pacíficos e desarmados? Não estão a actuar os cem-negros armados, como «argumento» da autocracia? A burguesia — até a burguesia — não reconheceu a necessidade de uma milícia civil? O próprio Sr. Struve , este Sr. Struve tão idealmente moderado e exacto, não diz (ah!, di-lo só para para se justificar!) que «o carácter aberto das acções revolucionárias» (como falamos agora!) «é actualmente uma das condições mais importantes da influência educativa sobre as massas populares»?
Quem tenha olhos para ver não pode duvidar de que maneira deve ser agora colocada pelos partidários da revolução a questão da insurreição armada. Ora observai os três modos de colocar esta questão, publicados nos órgãos da imprensa livre capazes de influir em alguma medida sobre as massas.
Primeiro modo de colocar a questão. Resolução do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia(25*). Reconhece-se e declara-se publicamente que o movimento revolucionário democrático geral já conduziu à necessidade da insurreição armada. A organização do proletariado para a insurreição coloca-se na ordem do dia como uma das tarefas essenciais, primordiais e necessárias do partido. Deu-se instruções no sentido de se tomarem as medidas mais enérgicas para armar o proletariado e para assegurar a possibilidade da direcção imediata da insurreição.
Segundo modo de colocar a questão. O artigo de princípios na Osvobojdénie do «chefe dos constitucionalistas russos» (assim chamou não há muito ao Sr. Struve um órgão tão influente da burguesia europeia como o jornal de Frankfurt), ou do chefe da burguesia progressista russa. Ele não compartilha a opinião da inevitabilidade da insurreição. A conspiração e o motim são processos específicos de um revolucionarismo insensato. O republicanismo é um método de atordoamento. A insurreição armada é de facto uma questão apenas técnica, enquanto «o fundamental e mais necessário» é a propaganda de massas e a preparação das condições psicológico-sociais.
Terceiro modo de colocar a questão. A resolução da conferência neo-iskrista. A nossa tarefa é preparar a insurreição. É excluída a possibilidade de uma insurreição de acordo com um plano. As condições favoráveis para a insurreição são criadas pela desorganização governamental, pela nossa agitação, pela nossa organização. Somente então «podem adquirir importância mais ou menos séria os preparativos técnicos para o combate».
Nada mais? Nada mais. Se a insurreição se tornou necessária, os dirigentes neo-iskristas do proletariado não o sabem ainda. Se é inadiável a tarefa de organizar o proletariado para a luta imediata, é coisa que para eles ainda não está clara. Não é necessário apelar para a adopção das medidas mais enérgicas, é muito mais importante (em 1905 e não em 1902) esclarecer, em linhas gerais, em que condições «podem» estas medidas adquirir importância «mais ou menos séria»...
Vedes agora, camaradas neo-iskristas, onde vos levou a vossa viragem para o martinovismo? Compreendeis que a vossa filosofia política se revelou uma reedição da filosofia dos osvobojdenistas? que vos colocastes (contra a vossa vontade e sem consciência disso) na cauda da burguesia monárquica? Não está claro agora para vós que, insistindo nas velhas cantilenas e aperfeiçoando-vos no verbalismo, perdestes de vista a circunstância de que — para falar com as inolvidáveis palavras do inolvidável artigo de Piotr Struve — «o carácter aberto das acções revolucionárias é actualmente uma das condições mais importantes da influência educativa sobre as massas populares»?
«Para atingir este objectivo (a república) podem-se indicar dois caminhos: ou não prestar nenhuma atenção ao Zémski Sobor em vias de ser convocado pelo governo e derrotar o governo com as armas na mão, formar um governo revolucionário e convocar a assembleia constituinte. Ou declarar o Zémski Sobor como centro da nossa acção, fazendo pressão de armas na mão sobre a sua composição, sobre a sua actividade, e obrigá-lo pela força a declarar-se assembleia constituinte, ou a convocar por seu intermédio uma assembleia constituinte. Estas duas tácticas diferenciam-se muito claramente uma da outra. Vejamos, pois, qual das duas é mais vantajosa para nós.»
Eis como os neo-iskristas russos expõem as ideias ulteriormente consubstanciadas na resolução por nós examinada. Observai que isto foi escrito antes de Tsuxima[N248], quando o «projecto» de Bulíguine não tinha ainda vindo à luz. Até os liberais perdiam a paciência e exprimiam a sua desconfiança nas colunas da imprensa legal, enquanto um social-democrata neo-iskrista se mostrava mais confiante do que os liberais. Declara ele que o Zémski Sobor «está em vias de ser convocado» e acredita no tsar a tal ponto que propõe fazer deste Zémski Sobor (ou talvez uma «Duma de Estado» ou um «Sobor consultivo»?) ainda inexistente o centro da nossa actuação. Mais franco e mais rectilíneo do que os autores da resolução adoptada na conferência, o nosso tiflissense não considera como equivalentes as duas «tácticas» (expostas por ele com uma ingenuidade inimitável), mas declara que a segunda é «mais vantajosa». Escutai:
«Táctica primeira. Como sabeis, a revolução que se aproxima é uma revolução burguesa, isto é, está destinada a realizar uma transformação do regime actual na qual está interessado não só o proletariado mas também toda a sociedade burguesa. Todas as classes se encontram em oposição ao governo, incluindo os próprios capitalistas. O proletariado em luta e a burguesia em luta vão, em certo sentido, juntos e atacam juntos o absolutismo de lados diferentes. O governo está aqui completamente isolado e privado da simpatia da sociedade. Por isso, é muito fácil destruí-lo. O proletariado da Rússia no seu conjunto não tem ainda suficiente consciência de classe nem está suficientemente organizado para poder, sozinho, levar a cabo a revolução. E se pudesse fazê-lo não realizaria uma revolução burguesa, mas proletária (socialista). Interessa-nos, portanto, que o governo fique sem aliados, não possa dividir a oposição, não atraia para si a burguesia e deixe isolado o proletariado...»
Assim, é do interesse do proletariado que o governo não possa separar a burguesia e o proletariado! Não será por engano que o órgão georgiano se chama Sotsial-Demokrat em vez de se chamar Osvobojdénie? Vede que inimitável filosofia da revolução democrática! Não vemos nós aqui, com os nossos próprios olhos, o pobre tiflissense totalmente desorientado pela sentenciosa interpretação seguidista do conceito «revolução burguesa»? Examina a questão do possível isolamento do proletariado na revolução democrática e esquece-se... esquece-se de uma minúcia... do campesinato! Entre os possíveis aliados do proletariado, ele conhece e acha do seu agrado os latifundiários dos zemstvos, mas não sabe nada dos camponeses. E isto no Cáucaso! Pois bem, não tínhamos nós razão quando dizíamos que o novo Iskra, com os seus raciocínios, desce até à burguesia monárquica, em vez de elevar até si como aliado o campesinato revolucionário?
«... Em caso contrário, a derrota do proletariado e a vitória do governo são inevitáveis, E é precisamente isto que a autocracia deseja. Esta, sem dúvida, no seu Zémski Sobor, atrairá para o seu lado os representantes da nobreza, dos zemstvos, das cidades, das Universidades e demais instituições burguesas. Esforçar-se-á por ganhá-los com pequenas concessões e, dessa maneira, reconciliá-los consigo. Reforçada deste modo, dirigirá todos os seus golpes contra o povo trabalhador, que ficará isolado. É nosso dever impedir tão infeliz desenlace. Mas poderemos fazê-lo pelo primeiro caminho? Suponhamos que não prestámos nenhuma atenção ao Zémski Sobor, mas que começámos a preparar-nos nós próprios para a insurreição e um belo dia saímos armados para a rua para a luta. E eis que em lugar de encontrarmos pela frente um só inimigo, encontramo-nos com dois: o governo e o Zémski Sobor. Enquanto nos preparávamos, eles tiveram tempo de entender-se, de chegar a um acordo, de elaborar uma constituição vantajosa para eles e de repartir o poder entre si. Esta é uma táctica directamente vantajosa para o governo e devemos repudiá-la da maneira mais enérgica..."
Isso é que é falar com franqueza! Há que repudiar decididamente a «táctica» de preparar a insurreição porque, «entretanto», o governo chegará a um arranjo com a burguesia! Seria possível encontrar, na velha literatura do mais inveterado «economismo», alguma coisa parecida com esta difamação da socíal-democracia revolucionária? As insurreições e as revoltas operárias e camponesas que se verificam aqui e ali são um facto. O Zémski Sobor é uma promessa de Bulíguine. E o Sotsial-Demokrat da cidade de Tiflis decide: repudiar a táctica de preparar a insurreição e esperar pelo «centro de acção», o Zémski Sobor...
«... A segunda táctica, pelo contrário, consiste em colocar o Zémski Sobor sob a nossa vigilância, não lhe dar possibilidade de actuar segundo a sua vontade e de chegar a um acordo com o governo(16*).
«Nós apoiamos o Zémski Sobor na medida em que lute contra a autocracia e combatemo-lo quando se conciliar com a autocracia. Por uma intervenção enérgica e pela força, dividimos os deputados(17*), atraímos para nós os radicais, eliminamos do governo os conservadores e, desta maneira, colocamos todo o Zémski Sobor na via revolucionária. Graças a esta táctica, o governo ficará permanentemente isolado, a oposição será forte e deste modo será facilitada a implantação de um regime democrático.»
Sim! Sim! Que nos digam agora que exageramos a viragem dos neo-iskristas para a variedade mais vulgar do «economismo». Isto é exactamente igual aos famosos pós contra as moscas: apanha-se a mosca, aplica-se-lhe o pó e ela morre. Dividir pela força os deputados do Zémski Sobor, «eliminar do governo os conservadores» — e todo o Zémski Sobor adoptará a via revolucionária... Tudo isso sem nenhuma espécie de insurreição armada «jacobina», mas muito nobremente, quase parlamentarmente, «fazendo pressão» sobre os membros do Zémski Sobor.
Pobre Rússia! Disse-se dela que usa sempre chapéus fora de moda e desusados na Europa. Não temos ainda parlamento, Bulíguine nem sequer o prometeu, mas cretinismo parlamentar[N249] há quanto se queira.
«... Como deve efectuar-se esta intervenção? Em primeiro lugar, exigiremos que o Zémski Sobor seja convocado na base do sufrágio universal, igual, directo e secreto. Juntamente com a publicação(18*) deste sistema eleitoral, deve ser consagrada pela lei(19*) a completa liberdade de agitação eleitoral, isto é, a liberdade de reunião, de palavra, de imprensa, a imunidade dos eleitores e eleitos e a libertação de todos os delinquentes políticos. A data das eleições deve ser fixada para o mais tarde possível, a fim de nos dar tempo suficiente para informar e preparar o povo. E uma vez que a elaboração do regulamento de convocação do Sobor foi confiada a uma comissão presidida pelo Ministro do Interior Bulíguine, devemos fazer pressão sobre esta comissão e sobre os seus membros(20*). Se a comissão Bulíguine se negar a satisfazer as nossas reivindicações(21*) e conceder o direito de voto somente aos possidentes, devemos intervir nestas eleições e obrigar, por meios revolucionários, os eleitores a eleger candidatos avançados e exigir no Zémski Sobor uma assembleia constituinte. Por fim devemos obrigar por todos os meios possíveis — manifestações, greves, e, se for necessário, a insurreição — o Zémski Sobor a convocar uma assembleia constituinte ou a declarar-se como tal. O proletariado em armas deve ser o defensor da assembleia constituinte e ambos(22*) juntos marcharão para a república democrática. «Esta é a táctica social-democrata e só ela nos assegurará a vitória.»
Não pense o leitor que este incrível absurdo seja simples ensaio jornalístico de qualquer neo-iskrista irresponsável e sem influência. Não, isto é dito no órgão de todo um comité dos neo-iskristas, o de Tíflis. Mais ainda. Este absurdo é abertamente aprovado pelo «Iskra» no seu n.° 100, no qual lemos estas linhas consagradas ao Sotsial-Demokrat:
"O n." 1 está redigido com vivacidade e talento. Nota-se a mão experimentada e hábil de um redactor que é escritor... Pode dizer-se com segurança que o jornal cumprirá brilhantemente a tarefa que se propôs.»
Sim! Se esta tarefa consiste em demonstrar cabalmente, a todos e a cada um, a plena decomposição ideológica do neo-iskrismo, cumpriu-a de facto «brilhantemente». Ninguém teria sabido exprimir com maior «vivacidade, talento e habilidade» o rebaixamento dos neo-iskristas até ao oportunismo liberal-burguês.
8. O Osvobojdenismo e o Neo-Iskrismo
Passemos agora a outra confirmação evidente da significação política do neo-iskrismo.
Num artigo notável, excelente, muito instrutivo, intitulado Como se encontrar a si mesmo (Osvobojdénie n.° 71), o Sr. Struve entra em guerra com o «revolucionarismo programático» dos nossos partidos extremos. O Sr. Struve mostra-se sobretudo descontente comigo(23*). No que a mim se refere, não posso estar mais contente com o Sr. Struve: eu não poderia desejar melhor aliado na luta contra o «economismo» renascente dos neo-iskristas e contra a falta absoluta de princípios dos «socialistas-revolucionários». Mostraremos nalguma outra ocasião como o Sr. Struve e a Osvobojdénie demonstraram, na prática, todo o reaccionarismo das «emendas» ao marxismo feitas no projecto de programa dos socialistas-revolucionários. Já falámos muitas vezes(24*), e falaremos agora outra vez, de como o Sr. Struve me prestou um serviço leal, honrado e verdadeiro todas as vezes que aprovou em princípio os neo-iskristas.
No artigo do Sr. Struve há uma série de declarações interessantíssimas que aqui só podemos assinalar de passagem. Ele tenciona «criar uma democracia russa apoiando-se não na luta mas na colaboração de classes», com a particularidade de que a «intelectualidade socialmente privilegiada» (tal como a «nobreza culta», ante a qual o Sr. Struve faz reverências com a graça autenticamente mundana de um... lacaio) trará o «peso da sua situação social» (o peso de um saco de dinheiro) para este partido «não classista». O Sr. Struve exprime o desejo de dar a conhecer à juventude a falsidade «desse chavão radical de que a burguesia se assustou e atraiçoou o proletariado e a causa da liberdade». (Saudamos de todo o coração este desejo. Nada confirma melhor este «chavão» marxista do que a guerra que lhe faz o Sr. Struve . Faça favor, Sr. Struve , não remeta para as calendas gregas a execução do seu excelente plano!)
Para tratar o nosso tema importa assinalar as palavras de ordem práticas contra as quais luta actualmente um representante da burguesia russa dotado de um instinto político tão fino e tão sensível às menores variações do tempo. Em primeiro lugar, contra a palavra de ordem do republicanismo. O Sr. Struve está firmemente convencido de que esta palavra de ordem é «incompreensível e alheia à massa do povo» (ele esquece-se de acrescentar: é compreensível, mas desvantajosa para a burguesia!). Gostaríamos de ver que resposta receberia o Sr. Struve dos operários nos nossos círculos e nos nossos comícios! Ou os operários não são povo? E os camponeses? Acontece-lhes professar, segundo as palavras do Sr. Struve , «um republicanismo ingénuo» («correr com o tsar»), mas a burguesia liberal acredita que este republicanismo ingénuo será substituído não por um republicanismo consciente, mas por um monarquismo consciente! Ça dépend, Sr. Struve , isso depende ainda das circunstâncias. Tanto o tsarismo como a burguesia não podem deixar de opor-se a uma melhoria radical da situação dos camponeses à custa da grande propriedade latifundiária, e a classe operária não pode deixar de cooperar nisto com o campesinato.
Em segundo lugar, o Sr. Struve afirma que «na guerra civil o atacante estará sempre errado». Esta ideia aproxima-se muito das tendências do neo-iskrismo expostas mais atrás. Não diremos, naturalmente, que na guerra civil é sempre vantajoso atacar; não, às vezes a táctica defensiva é obrigatória durante certo tempo. Mas formular uma tese como a do Sr. Struve e aplicá-la à Rússia de 1905 é precisamente exibir um fragmento do «chavão radical» («a burguesia assusta-se e atraiçoa a causa da liberdade»). Quem não quiser atacar agora a autocracia, a reacção, quem não se preparar para este ataque, quem não o propugnar, afirma-se falsamente partidário da revolução.
O Sr. Struve condena as palavras de ordem: «conspiração» e «motim» (este é uma «insurreição em miniatura»). O Sr. Struve desdenha uma e outro do ponto de vista «do acesso às massas»! Perguntamos ao Sr. Struve: poderia ele indicar a propaganda do motim, por exemplo, numa obra como Que Fazer? de um revolucionarista tão extremo, na sua maneira de ver? E, quanto à «conspiração», será tão grande a diferença, por exemplo, entre nós e o Sr. Struve? Não trabalhamos ambos em jornais «ilegais», introduzidos «conspirativamente» na Rússia e que servem os grupos «secretos» da «União de Libertação» ou do POSDR? Os nossos comícios operários são, em muitos casos, «conspirativos», não o negamos. E as assembleias dos senhores osvobojdenistas? De que pode gabar-se, Sr. Struve , perante os desprezíveis partidários da desprezível conspiração?
É verdade que para fornecer armas aos operários é necessária uma rigorosa conspiração. Neste ponto o Sr. Struve fala já com mais franqueza. Escutai-o:
«No que se refere à insurreição armada, ou à revolução no sentido técnico, somente uma propaganda de massa do programa democrático pode criar as condições psicológicas e sociais da insurreição armada geral. Assim, mesmo do ponto de vista, que não compartilho, que considera a insurreição armada como o coroamento inevitável da actual luta pela emancipação, o essencial, o mais necessário, é inculcar nas massas as ideias de transformação democrática.»
O Sr. Struve procura fugir à questão. Fala da inevitabilidade da insurreição, em vez de falar da necessidade da mesma para a vitória da revolução. Uma insurreição não preparada, espontânea, dispersa, já começou. Ninguém pode garantir absolutamente que ela chegará até à insurreição popular armada integral e total, uma vez que isso depende tanto do estado das forças revolucionárias (que só se pode avaliar inteiramente durante a própria luta), como da conduta do governo e da burguesia e de uma série de outras circunstâncias que não é possível predizer com exactidão. É despropositado falar de inevitabilidade no sentido desta certeza absoluta num acontecimento concreto a que a argumentação do Sr. Struve reduz o assunto. Se se quer ser partidário da revolução, deve-se falar de se é necessária a insurreição para a vitória da revolução, de se é necessário ou não preconizá-la activamente, defendê-la, prepará-la imediata e energicamente. O Sr. Struve não pode deixar de compreender esta diferença: por exemplo, não encobre a questão, indiscutível para um democrata, da necessidade do sufrágio universal com a questão, discutível e não essencial para um político, da inevitabilidade de se conseguir esse sufrágio no decurso da presente revolução. Ao fugir a questão da necessidade da insurreição, o Sr. Struve exprime a essência mais profunda da posição política da burguesia liberal. A burguesia, em primeiro lugar, prefere entender-se com a autocracia em vez de a esmagar; em qualquer caso, a burguesia deixa a luta de armas na mão para os operários (isto em segundo lugar). Eis a significação real que têm as evasivas do Sr. Struve. Eis porque ele recua da questão da necessidade da insurreição para a questão das suas condições «psicológicas e sociais», da «propaganda» preliminar. Exactamente da mesma forma que os palradores burgueses no parlamento de Frankfurt em 1848 se ocupavam em compor resoluções, declarações, decisões, da «propaganda de massa» e da preparação das «condições psicológicas e sociais», quando do que se tratava era de resistir à força armada do governo, quando o movimento «tinha conduzido à necessidade» da luta armada, quando a acção verbal exclusiva (cem vezes necessária no período de preparação) se tinha convertido numa vil inactividade e cobardia burguesas — da mesma forma, o Sr. Struve foge à questão da insurreição, encobrindo-se com frases. O Sr. Struve demonstra-nos linearmente aquilo que muitos sociais-democratas se obstinam a não ver, a saber: que o momento revolucionário se diferencia dos ordinários e quotidianos momentos históricos de preparação em que o estado de espírito, a agitação, a convicção das massas devem traduzir-se e traduzem-se em acção.
O revolucionarismo vulgar não compreende que a palavra é também um acto; esta é uma tese incontestável, aplicada à história em geral ou a épocas da história em que não há acção política aberta das massas, que nenhum putsch pode substituir nem criar artificialmente. O seguidismo dos revolucionários não compreende que, quando se inicia o momento revolucionário, quando a velha «superstrutura» rebenta por todos os lados, quando a acção política aberta das classes e das massas, que criam para si uma nova superstrutura, se converteu num facto, quando começou a guerra civil, limitar-se então, como outrora ,«às palavras», sem dar a palavra de ordem directa de passar aos «actos», fugir então à acção, invocando as «condições psicológicas» e a «propaganda» em geral, significa apatia, imobilidade cadavérica, verbalismo, ou então perfídia e traição perante a revolução. Os palradores de Frankfurt da burguesia democrática são um exemplo histórico inolvidável de uma tal traição ou de uma tal estupidez verbalista.
Quereis que vos expliquemos esta diferença entre o revolucionarismo vulgar e o seguidismo dos revolucionários com exemplos da história do movimento social-democrata na Rússia? Dar-vos-emos essa explicação. Recordai os anos 1901-1902, que estão ainda tão próximos e nos parecem agora pertencer a um passado longínquo. Começaram as manifestações. O revolucionarismo vulgar lançou o grito de «ao assalto» (Rabótcheie Dielo), foram publicados os «volantes sangrentos» (de procedência berlinense, se a memória me não falha), atacou-se como «literatismo» e coisa de gabinete a ideia de agitação em toda a Rússia por meio de um jornal (Nadéjdine)[N251]. O seguidismo dos revolucionários apresentou-se então, pelo contrário, com o sermão de que «a luta económica constitui o melhor meio para a agitação política». Qual foi a posição da social-democracia revolucionária? Atacou estas duas tendências. Condenou os métodos pirotécnicos e os gritos de assalto, pois todos viam ou deviam ver claramente que a acção aberta das massas era coisa do futuro. Condenou o seguidismo e apresentou claramente mesmo a palavra de ordem da insurreição armada de todo o povo, não no sentido de um apelo directo (o Sr. Struve não encontraria entre nós naquele tempo um apelo ao «motim»), mas no sentido de uma conclusão necessária, no sentido da «propaganda» (da qual o Sr. Struve se lembrou só agora — o nosso respeitável Sr. Struve está sempre atrasado alguns anos), no sentido da preparação destas mesmas «condições psicológicas e sociais» de que agora tanto falam, «melancolicamente e a despropósito», os representantes da confundida burguesia traficante. Então a propaganda e a agitação, a agitação e a propaganda eram realmente colocadas em primeiro plano pelo estado de coisas objectivo. Então como pedra de toque do trabalho para a preparação da insurreição podia colocar-se (e colocava-se em Que Fazer?) o trabalho de criar um jornal político para toda a Rússia, cuja publicação semanal nos parecia um ideal. Então as palavras de ordem agitação de massas em lugar de acções armadas directas e preparação das condições psicológicas e sociais da insurreição em lugar dos métodos pirotécnicos eram as únicas palavras de ordem justas da social-democracia revolucionária. Agora estas palavras de ordem foram ultrapassadas pelos acontecimentos, o movimento deixou-as para trás, tornaram-se velharias, farrapos que não servem senão para ocultar a hipocrisia da tendência dos osvobojdenistas e o seguidismo dos neo-iskristas!
Ou talvez eu me engane? Talvez a revolução não tenha ainda começado? Não chegou ainda o momento da acção política aberta das classes? Não começou ainda a guerra civil e, portanto, não chegou o momento da crítica pelas armas ser necessária e obrigatoriamente a herdeira, a sucessora, a testamenteira, a coroadora da arma da crítica?
Olhai em vosso redor, saí do vosso gabinete para a rua, a fim de responder a estas perguntas. Não foi o próprio governo que começou já a guerra civil, assassinando em massa, por toda a parte, cidadãos pacíficos e desarmados? Não estão a actuar os cem-negros armados, como «argumento» da autocracia? A burguesia — até a burguesia — não reconheceu a necessidade de uma milícia civil? O próprio Sr. Struve , este Sr. Struve tão idealmente moderado e exacto, não diz (ah!, di-lo só para para se justificar!) que «o carácter aberto das acções revolucionárias» (como falamos agora!) «é actualmente uma das condições mais importantes da influência educativa sobre as massas populares»?
Quem tenha olhos para ver não pode duvidar de que maneira deve ser agora colocada pelos partidários da revolução a questão da insurreição armada. Ora observai os três modos de colocar esta questão, publicados nos órgãos da imprensa livre capazes de influir em alguma medida sobre as massas.
Primeiro modo de colocar a questão. Resolução do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia(25*). Reconhece-se e declara-se publicamente que o movimento revolucionário democrático geral já conduziu à necessidade da insurreição armada. A organização do proletariado para a insurreição coloca-se na ordem do dia como uma das tarefas essenciais, primordiais e necessárias do partido. Deu-se instruções no sentido de se tomarem as medidas mais enérgicas para armar o proletariado e para assegurar a possibilidade da direcção imediata da insurreição.
Segundo modo de colocar a questão. O artigo de princípios na Osvobojdénie do «chefe dos constitucionalistas russos» (assim chamou não há muito ao Sr. Struve um órgão tão influente da burguesia europeia como o jornal de Frankfurt), ou do chefe da burguesia progressista russa. Ele não compartilha a opinião da inevitabilidade da insurreição. A conspiração e o motim são processos específicos de um revolucionarismo insensato. O republicanismo é um método de atordoamento. A insurreição armada é de facto uma questão apenas técnica, enquanto «o fundamental e mais necessário» é a propaganda de massas e a preparação das condições psicológico-sociais.
Terceiro modo de colocar a questão. A resolução da conferência neo-iskrista. A nossa tarefa é preparar a insurreição. É excluída a possibilidade de uma insurreição de acordo com um plano. As condições favoráveis para a insurreição são criadas pela desorganização governamental, pela nossa agitação, pela nossa organização. Somente então «podem adquirir importância mais ou menos séria os preparativos técnicos para o combate».
Nada mais? Nada mais. Se a insurreição se tornou necessária, os dirigentes neo-iskristas do proletariado não o sabem ainda. Se é inadiável a tarefa de organizar o proletariado para a luta imediata, é coisa que para eles ainda não está clara. Não é necessário apelar para a adopção das medidas mais enérgicas, é muito mais importante (em 1905 e não em 1902) esclarecer, em linhas gerais, em que condições «podem» estas medidas adquirir importância «mais ou menos séria»...
Vedes agora, camaradas neo-iskristas, onde vos levou a vossa viragem para o martinovismo? Compreendeis que a vossa filosofia política se revelou uma reedição da filosofia dos osvobojdenistas? que vos colocastes (contra a vossa vontade e sem consciência disso) na cauda da burguesia monárquica? Não está claro agora para vós que, insistindo nas velhas cantilenas e aperfeiçoando-vos no verbalismo, perdestes de vista a circunstância de que — para falar com as inolvidáveis palavras do inolvidável artigo de Piotr Struve — «o carácter aberto das acções revolucionárias é actualmente uma das condições mais importantes da influência educativa sobre as massas populares»?
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