sábado, 29 de novembro de 2008

A Revolução Proletária e o Renegado Kautsky

V. I. Lénine
Novembro de 1918
Prefácio
A brochura de Kautsky A Ditadura do Proletariado, publicada há pouco em Viena (Wien, 1918, Ignaz Brand, 63 pp.), constitui um exemplo evidentíssimo da mais completa e vergonhosa bancarrota da II Internacional, da qual há muito tempo falam todos os socialistas honestos de todos os países. A questão da revolução proletária passa agora na prática para a ordem do dia em toda uma série de países. É por isso necessária a análise dos sofismas próprios de um renegado e da completa abjuração do marxismo em Kautsky.
Mas em primeiro lugar é preciso sublinhar que quem escreve estas linhas teve que indicar muitas vezes, desde o próprio princípio da guerra, a ruptura de Kautsky com o marxismo. A isso foi consagrada toda uma série de artigos, publicados em 1914-1916 no Sotsial-Demokrat[N2] e na Kommunist[N3] que se publicavam no estrangeiro. Esses artigos foram reunidos numa edição do Soviete de Petrogrado: G. Zinóviev e N. Lénine, Contra a Corrente, Petrogrado, 1918 (550 páginas). Numa brochura publicada em Genebra em 1915 e também traduzida então para alemão e para francês[N 4], escrevia eu sobre o «kautskismo»:
«Kautsky, a maior autoridade da II Internacional, constitui um exemplo extremamente típico e claro de como o reconhecimento verbal do marxismo conduziu, de facto, à sua transformação em 'struvismo' ou em 'brentanismo' (isto é, numa doutrina liberal burguesa que reconhece uma luta 'de classe' não revolucionária do proletariado, o que foi expresso com particular clareza pelo escritor russo Struve e pelo economista alemão Brentano). Vemo-lo também no exemplo de Plekhánov. Com claros sofismas esvazia-se o marxismo da sua alma revolucionária viva, reconhece-se no marxismo tudo menos os meios revolucionários de luta, a sua propaganda e a preparação, a educação das massas precisamente nesse sentido. Kautsky, 'concilia' sem princípios a ideia fundamental do social-chauvinismo, o reconhecimento da defesa da pátria na presente guerra, com uma concessão diplomática e simulada às esquerdas sob a forma de abstenção na votação dos créditos, do reconhecimento verbal da sua oposição, etc. Kautsky, que em 1909 escreveu todo um livro sobre a aproximação de uma época de revoluções e sobre a relação entre a guerra e a revolução, Kautsky, que em 1912 assinou o Manifesto de Basileia[N5] sobre a utilização revolucionária da guerra futura, justifica e embeleza agora de todas as maneiras o social-chauvinismo, e, como Plekhánov, junta-se à burguesia para ridicularizar toda a ideia de revolução, todos os passos visando uma luta directamente revolucionária. «A classe operária não pode realizar o seu objectivo revolucionário mundial se não fizer uma guerra implacável a esta renegação, a esta falta de carácter, a esta atitude de servilismo perante o oportunismo, a esta vulgarização teórica sem precedentes do marxismo. O kautskismo não é casual, é o produto social das contradições da II Internacional, da combinação da fidelidade ao marxismo em palavras com a subordinação de facto ao oportunismo» (G. Zinóviev e N. Lénine, O Socialismo e a Guerra, Genebra, 1915, pp. 13-14).
Continuemos. No livro O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, escrito em 1916 (publicado em Petrogrado em 1917), analisei em pormenor a falsidade teórica de todos os raciocínios de Kautsky sobre o imperialismo. Citei a definição do imperialismo dada por Kautsky:
«O imperialismo é um produto do capitalismo industrial altamente desenvolvido. Consiste na tendência de toda a nação capitalista industrial para submeter ou anexar cada vez mais regiões agrárias (o sublinhado é de Kautsky), quaisquer que sejam as nações que as povoam.»(1*).
Mostrei que esta definição era absolutamente falsa, era «adaptada» de modo a esbater as mais profundas contradições do imperialismo e, seguidamente, chegar à conciliação com o oportunismo. Eu apresentei a minha própria definição do imperialismo:
«O imperialismo é o capitalismo na fase em que ganhou corpo a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capitais, começou a partilha do mundo pelos trusts internacionais e terminou a partilha de toda a Terra entre os países capitalistas mais importantes»(2*)
Mostrei que a crítica do imperialismo em Kautsky está mesmo abaixo da crítica burguesa, filistina.
Finalmente, em Agosto e Setembro de 1917, isto é, antes da revolução proletária na Rússia (25 de Outubro-7 de Novembro de 1917), escrevi a brochura O Estado e a Revolução. A Doutrina do Marxismo sobre o Estado e as Tarefas do Proletariado na Revolução, publicada em Petrogrado em princípios de 1918. E aqui, no capítulo VI, sobre «A vulgarização do marxismo pelos oportunistas», dediquei uma atenção especial a Kautsky, demonstrando que ele deturpa por completo a doutrina de Marx, adaptou-o ao oportunismo e «renegou de facto a revolução ao mesmo tempo que a reconhecia em palavras».
No fundo, o erro teórico fundamental de Kautsky na sua brochura sobre a ditadura do proletariado consiste precisamente nas deturpações oportunistas da doutrina de Marx sobre o Estado, que revelei em pormenor na minha brochura O Estado e a Revolução.
Estas observações preliminares eram necessárias pois provam que acusei abertamente Kautsky de ser um renegado muito antes de os bolcheviques terem tomado o poder de Estado e de terem, por isso, sido condenados por Kautsky.

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