neo-iskristas impulsiona a revolução não para diante — era essa a possibilidade que queriam garantir com a sua resolução — mas para trás. Mostrámos que é precisamente esta táctica que ata as mãos da social-democracia na luta contra a burguesia inconsequente e não a preserva da diluição na democracia burguesa. Compreende-se que das falsas premissas da resolução resulta uma consequência falsa: «Por isto, a social-democracia não deve propor-se como fim tomar ou compartilhar o poder no governo provisório, mas deve continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema.» Considerai a primeira metade desta conclusão, que se refere à exposição dos fins. Colocam os neo-iskristas como fim da actividade social-democrata a vitória decisiva da revolução sobre o tsarismo? Colocam. Não sabem formular acertadamente as condições da vitória decisiva, desviando-se para a formulação «osvobojdenista», mas apontam o fim mencionado. Prossigamos. Relacionam o governo provisório com a insurreição? Sim, relacionam-no directamente ao dizer que o governo provisório «surgirá da insurreição popular vitoriosa». Finalmente, colocam o fim de dirigir a insurreição? Sim, evitam, como o Sr. Struve , reconhecer o carácter necessário e inadiável da insurreição mas, ao mesmo tempo, diferentemente do Sr. Struve , dizem que a «social-democracia aspira a subordiná-la (a insurreição) à sua influência e direcção, e a utilizá-la no interesse da classe operária».
Tudo isso é muito coerente, não é verdade? Colocam-nos como fim subordinar a insurreição das massas proletárias e não proletárias à nossa influência, à nossa direcção, utilizá-la no nosso interesse. Por conseguinte, colocamo-nos como fim dirigir, durante a insurreição, tanto o proletariado como a burguesia revolucionária e a pequena burguesia («grupos não proletários»), isto é, «partilhar» a direcção da insurreição entre a social-democracia e a burguesia revolucionária. Colocamo-nos como fim a vitória da insurreição, a qual deve conduzir à instauração de um governo provisório («surgido da insurreição popular vitoriosa»). Por isso ... por isso não devemos colocar-nos como fim tomar ou compartilhar o poder no governo provisório revolucionário!
Os nossos amigos não conseguem juntar ponta com ponta. Oscilam entre o ponto de vista do Sr. Struve , que evita a insurreição, e o ponto de vista da social-democracia revolucionária, que concita à realização dessa tarefa inadiável. Oscilam entre o anarquismo, que condena em princípio, como uma traição ao proletariado, qualquer participação no governo provisório revolucionário, e o marxismo, que exige essa participação na condição de que a social-democracia exerça uma influência dirigente na insurreição(26*). Não têm nenhuma posição independente, nem a posição do Sr. Struve , que deseja chegar a um acordo com o tsarismo e, por este motivo, deve evitar e rodear a questão da insurreição; nem a posição dos anarquistas, que condenam qualquer acção «de cima» e qualquer participação na revolução burguesa. Os neo-iskristas confundem o entendimento com o tsarismo com a vitória sobre o tsarismo. Querem participar na revolução burguesa. Foram um pouco mais longe que as Duas Ditaduras de Martínov. Estão mesmo dispostos a dirigir a insurreição do povo — para renunciar a esta direcção imediatamente depois da vitória (ou talvez imediatamente antes da vitória?) isto é, para não colher os frutos da vitória e ceder todos os frutos inteiramente à burguesia. E é a isto que chamam «utilizar a insurreição no interesse da classe operária» ...
Não há necessidade de nos determos mais tempo nesta embrulhada. Será mais útil examinar a origem desta embrulhada na formulação que afirma: «Continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema.»
Encontramo-nos perante uma das conhecidas teses da social-democracia revolucionária internacional. Esta tese é perfeitamente acertada. Converteu-se num lugar-comum para todos os adversários do revisionismo ou do oportunismo nos países parlamentares. Ganhou foros de cidadania como repulsão legítima e necessária do «cretinismo parlamentar», do millerandismo, do bernsteinianismo, do reformismo italiano no espírito de Turati. Os nossos bons neo-iskristas aprenderam de cor esta boa tese e aplicam-na zelosamente... completamente a despropósito. As categorias da luta parlamentar são introduzidas em resoluções escritas para condições nas quais não existe nenhum parlamento. O conceito de «oposição», que é reflexo e expressão de uma situação política na qual ninguém fala seriamente de insurreição, transpõe-se absurdamente para uma situação em que a insurreição começou e em que todos os partidários da revolução pensam e falam na direcção da mesma. O desejo de «continuar» na mesma situação que antes, isto é, agindo apenas «de baixo», exprime-se de modo pomposo e ribombante precisamente quando a revolução coloca a questão da necessidade, em caso de vitória da insurreição, de agir de cima.
Não, decididamente os nossos neo-iskristas não têm sorte! Mesmo quando formulam uma tese social-democrata acertada, não sabem aplica-Ia acertadamente. Não pensaram na maneira como se transformam e se convertem na sua antítese as noções e os termos da luta parlamentar na época em que se iniciou a revolução, quando não há parlamento, quando há guerra civil e se produzem explosões da insurreição. Não pensaram que, nas condições que examinamos, as emendas propõem-se por meio de manifestações de rua, as interpelações fazem-se por meio de acções ofensivas dos cidadãos armados e a oposição ao governo realiza-se por meio do derrubamento violento do governo.
Da mesma forma que o famoso herói da nossa epopeia popular repetia os bons conselhos exactamente quando eram inoportunos, também os nossos admiradores de Martínov repetem as lições do parlamentarismo pacífico precisamente quando eles próprios verificam o começo das hostilidades directas. Não há nada mais curioso do que esta maneira de formular, com ar de importância, a palavra de ordem de «oposição extrema» numa resolução que começa aludindo à «vitória decisiva da revolução», à «insurreição popular»! Pensai bem, senhores: que significa representar o papel de «oposição extrema» na época da insurreição? Significa isto denunciar o governo ou derrubá-lo? Significa isto votar contra o governo ou infligir uma derrota às suas forças armadas num combate aberto? Significa isto negar-se a encher o tesouro do governo ou significa apoderar-se, por via revolucionária, desse tesouro para as necessidades da insurreição, o armamento dos operários e camponeses, a convocação da assembleia constituinte? Não começais a compreender, senhores, que o conceito de «oposição extrema» não exprime senão acções negativas — denunciar, votar contra, recusar? E porquê? Porque este conceito se refere apenas à luta parlamentar, e isto numa época em que ninguém coloca como fim imediato da luta a «vitória decisiva». Não começais a compreender que as coisas mudam radicalmente neste aspecto a partir do momento em que o povo politicamente oprimido inicia o ataque decisivo, em toda a linha, para a luta encarniçada pela vitória?
Os operários perguntam-nos: é necessário lançar-se energicamente à obra inadiável da insurreição? Que fazer para que a insurreição iniciada seja vitoriosa? Como aproveitar da vitória? Que programa se poderá e deverá realizar então? Os neo-iskristas, que aprofundam o marxismo, respondem: devemos continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema... Muito bem, não tínhamos razão quando chamávamos a estes cavalheiros virtuoses do filisteísmo?
10. As «Comunas Revolucionárias» e a Ditadura Revolucionária Democrática do Proletariado e do Campesinato
A conferência dos neo-iskristas não se manteve na posição anarquista a que tinha chegado o novo Iskra (somente «de baixo» e não «de baixo e de cima»). O absurdo de admitir a insurreição e não admitir a vitória e a participação no governo provisório revolucionário saltava demasiadamente aos olhos. Por isso, a resolução introduziu certas reservas e restrições na solução que davam à questão Martínov e Mártov. Examinemos estas reservas, expostas na seguinte parte da resolução:
«Esta táctica ('continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema'), naturalmente não exclui, no mínimo que seja, a conveniência da tomada parcial, episódica, do poder e da formação de comunas revolucionárias em tal ou tal cidade, em tal ou tal região, com o objectivo exclusivo de contribuir para o alargamento da insurreição e para a desorganização do governo.»
Se assim é, isto quer dizer que, em princípio, se aceita a acção não só de baixo mas também de cima. Por conseguinte, a tese sustentada no conhecido artigo de L. Mártov no Iskra (n.° 93) é rejeitada e é reconhecida como justa a táctica do jornal Vperiod: não só «de baixo» mas também «de cima».
Além disso, a tomada do poder (mesmo parcial, episódica, etc.) pressupõe evidentemente a participação não só da social-democracia e não só do proletariado. Isto é devido a que não é somente o proletariado que está interessado na revolução democrática e que participa activamente da mesma. Isto é devido a que a insurreição é «popular», como se diz no início da resolução que examinamos, que nela participam também «grupos não proletários» (expressão da resolução dos conferencistas sobre a insurreição), isto é, também a burguesia. Deste modo, a conferência deitou pela borda fora, como o Vperiod procurava conseguir, o princípio segundo o qual toda a participação dos socialistas juntamente com a pequena burguesia no governo provisório revolucionário é uma traição à classe operária. A «traição» não deixa de ser traição pelo facto de que a acção que a determina seja parcial, episódica, regional, etc. Portanto, a equiparação da participação no governo provisório revolucionário ao jauressismo vulgar foi deitada pela borda fora pela conferência, como o Vperiod procurava conseguir. Um governo não deixa de ser governo pelo facto de o seu poder se estender não a muitas cidades mas a uma cidade, não a muitas regiões mas a uma região, como tão-pouco deixa de o ser pelo nome que tiver esse governo. Assim, o modo de colocar a questão, do ponto de vista dos princípios que o novo Iskra tentou dar, foi rejeitado pela conferência.
Vejamos agora se são razoáveis as restrições que a conferência impõe à constituição, agora aceite em princípio, de governos revolucionários e à participação nos mesmos. Não sabemos em que se diferencia o conceito de «episódico» do conceito de «provisório» Tememos que, neste caso, uma palavra estrangeira e «nova» não sirva aqui senão para ocultar a ausência de uma ideia clara. Isto parece «mais profundo», mas na verdade é apenas mais obscuro e confuso. Em que se diferencia a «conveniência» da «tomada do poder» parcial numa cidade ou região, da participação no governo provisório revolucionário de todo o Estado? Entre as «cidades», não as há tais como Petersburgo, onde teve lugar o 9 de Janeiro? Entre as regiões não está a do Cáucaso, que é maior do que muitos Estados? As tarefas (que em tempos inquietavam o novo Iskra) com respeito ao que fazer com as prisões, a polícia, o tesouro, etc, não se colocarão também a nós com a «tomada do poder» mesmo numa cidade, sem falar já de uma região? Ninguém negará, naturalmente, que se as forças são insuficientes, se o êxito da insurreição não é completo, se a vitória não é decisiva, são possíveis governos provisórios revolucionários parciais de cidades e outros. Mas a que propósito vem isto, senhores? Não sois vós mesmos que falais, no início da resolução, da «vitória decisiva da revolução», da «insurreição popular vitoriosa»?? Desde quando os sociais-democratas tomam a seu cargo a obra dos anarquistas: dispersar a atenção e os objectivos do proletariado? orientá-lo para o «parcial» e não para o geral, uno, integral e completo? Ao pressupor a «tomada do poder» numa cidade, vós próprios falais do «alargamento da insurreição» — a outra cidade, podemos pensar? a todas as cidades, podemos esperá-lo. As vossas conclusões, senhores, são tão vacilantes e casuais, contraditórias e confusas, como as vossas premissas. O III congresso do POSDR deu uma resposta exaustiva e clara à questão do governo provisório revolucionário em geral. Esta resposta aplica-se também a todos os governos provisórios parciais. A resposta da conferência, pelo contrário, separando de maneira artificial e arbitrária uma parte da questão, não procura senão evitar (mas sem êxito) a questão no seu conjunto e semeia a confusão.
Que significa isso de «comunas revolucionárias»? Essa noção será diferente da de «governo provisório revolucionário» e, em caso afirmativo, em quê? Os próprios senhores conferencistas não o sabem. A confusão do pensamento revolucionário condu-los, como sucede habitualmente, à frase revolucionária. Sim, o emprego do termo «comuna revolucionária» numa resolução de representantes da social-democracia é uma frase revolucionária e nada mais. Marx condenou mais de uma vez semelhante fraseologia, em que se encobrem, por detrás de um termo «sedutor» de um passado caduco, as tarefas do futuro. O carácter sedutor de um termo que desempenhou um papel na história converte-se, em casos semelhantes, num ouropel inútil e nocivo, num chocalho. Nós precisamos de dar aos operários e a todo o povo uma ideia clara e inequívoca da razão por que queremos a constituição de um governo provisório revolucionário, de quais são precisamente as transformações que realizaremos se exercermos amanhã influência decisiva sobre o poder, caso a insurreição popular já iniciada tenha um desenlace vitorioso. Eis as questões que se colocam aos dirigentes políticos.
O III congresso do POSDR responde a estas questões com uma clareza absoluta, apresentando um programa completo destas transformações — o programa mínimo do nosso partido. Enquanto a palavra «comuna» não dá resposta alguma e nada mais faz do que encher a cabeça com sons longínquos... ou com frases ocas. Quanto mais cara for para nós, por exemplo, a Comuna de Paris de 1871, tanto menos tolerável é que façamos alusões à mesma sem examinar os seus erros e as suas condições peculiares. Fazer isso equivaleria a repetir o exemplo absurdo dos blanquistas, ridicularizados por Engels, que se prosternavam (em 1874, no seu Manifesto) diante de qualquer acto da Comuna[N252]. Que dirá o conferencista ao operário quando este o interrogar sobre esta «comuna revolucionária» que é mencionada na resolução? Poder-lhe-á dizer unicamente que sob esse nome se conhece na história um governo operário que não sabia e não podia então distinguir os elementos da revolução democrática e da socialista, que confundia as tarefas da luta pela república com as tarefas da luta pelo socialismo, que não soube cumprir a tarefa de uma ofensiva militar enérgica contra Versalhes, que cometeu o erro de não se apoderar do Banco de França, etc. Numa palavra, tanto se vos referis na vossa resposta à Comuna de Paris como a outra qualquer, essa resposta será: foi um governo como o nosso não deve ser. Bela resposta, não há dúvida! Não revela isto o verbalismo de um exegeta e a impotência de um revolucionário, quando se faz silêncio quanto ao programa prático do partido e se começa inoportunamente a dar na resolução uma lição de história? Não demonstra isto, precisamente, a existência do erro que pretendiam em vão imputar-nos a nós: a confusão da revolução democrática e da socialista, entre as quais nenhuma «comuna» estabeleceu a distinção?
Como fim «exclusivo» do governo provisório (tão inoportunamente qualificado de comuna) é apresentado o alargamento da insurreição e a desorganização do governo. Este «exclusivo» elimina, no sentido literal da palavra, qualquer outra tarefa, não sendo mais que uma reminiscência da teoria absurda de «somente de baixo». Uma eliminação semelhante de outras tarefas é, uma vez mais, uma prova de miopia e irreflexão. A «comuna revolucionária», isto é, poder revolucionário, mesmo que apenas numa cidade, deverá ocupar-se inevitavelmente (mesmo que temporária, «parcial, episodicamente») de todos os assuntos estatais e, nesse caso, é o cúmulo da insensatez esconder a cabeça debaixo da asa. Este poder deverá tanto decretar a jornada de oito horas como instituir a inspecção operária nas fábricas, organizar a instrução geral gratuita, implantar a elegibilidade dos juizes, constituir comités camponeses, etc. — numa palavra, deverá realizar sem falta uma série de reformas. Incluir estas reformas na noção de «contribuir para o alargamento da insurreição» significaria jogar com as palavras e aumentar deliberadamente a falta de clareza onde é preciso que haja uma clareza absoluta.
A parte final da resolução neo-iskrista não fornece novos materiais para a crítica das tendências de princípio do «economismo» ressuscitado no nosso partido, mas ilustra de um lado um tanto diferente o que ficou dito mais atrás.
Eis essa parte:
«Só num caso a social-democracia deveria, por iniciativa sua, encaminhar os seus esforços no sentido de tomar o poder e mantê-lo nas suas mãos pelo maior tempo possível, a saber: no caso de a revolução se alargar aos países avançados da Europa ocidental, nos quais já alcançaram uma certa (?) maturidade as condições para a realização do socialismo. Nesse caso, os estreitos limites históricos da revolução russa podem ampliar-se consideravelmente e tornar-se-á possível entrar na via das transformações socialistas.
«Baseando a sua táctica no propósito de conservar para o partido social-democrata, no decurso de todo o período revolucionário, a situação de oposição revolucionária extrema em relação a todos os governos que se sucedem durante a revolução, a social-democracia poderá preparar-se da melhor maneira para a utilização do poder governamental, caso este caia (??) nas suas mãos.»
Aqui a ideia fundamental é a mesma que repetidamente o Vperiod formulou ao dizer que não, devemos temer (como teme Martínov) a vitória completa da social-democracia na revolução democrática, isto é, a ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato, pois tal vitória dar-nos-á a possibilidade de levantar a Europa, e o proletariado socialista europeu, depois de ter sacudido o jugo da burguesia, ajudar-nos-á, por sua vez, a realizar a revolução socialista. Vede, porém, até que ponto aparece piorada esta ideia na exposição neo-iskrista. Não nos deteremos em pormenores como o absurdo de que o poder pode «cair» nas mãos de um partido consciente, que considera nociva a táctica da tomada do poder; de que, na Europa, as condições para o socialismo alcançaram não uma certa maturidade, mas a maturidade em geral; de que o programa do nosso partido não conhece transformações socialistas, mas conhece apenas a revolução socialista. Tomemos a diferença principal e fundamental entre as ideias do Vperiod e as da resolução. O Vperiod apontava ao proletariado revolucionário da Rússia uma tarefa activa: triunfar na luta pela democracia e aproveitar esta vitória para alargar a revolução à Europa. A resolução não compreende esta conexão entre a nossa «vitória decisiva» (não no sentido neo-iskrista) e a revolução na Europa e por isso fala não das tarefas do proletariado, não das perspectivas da sua vitória, mas de uma das possibilidades em geral: «no caso de a revolução se alargar»... O Vperiod indicava de modo claro e definitivo — e estas indicações entraram na resolução do III congresso do POSDR — como precisamente se pode e deve «utilizar o poder governamental» no interesse do proletariado, tendo em conta o que se pode realizar imediatamente no grau actual de desenvolvimento social e o que é necessário realizar primeiro como premissa democrática da luta pelo socialismo. Também neste sentido a resolução se arrasta irremediavelmente na cauda quando diz «poderá preparar-se para a utilização» sem saber dizer como se poderá, como se deverá preparar e como utilizá-lo. Não duvidamos, por exemplo, de que os neo-iskristas poderão preparar-se para a utilização da posição dirigente no partido, mas a verdade é que, até agora, a sua experiência desta utilização e a sua preparação não infundem nenhuma esperança no que diz respeito à transformação da possibilidade em realidade...
O Vperiod dizia em que consiste precisamente a possibilidade «real» de manter o poder nas nossas mãos — na ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato, na sua força de massas conjunta, capaz de superar todas as forças da contra-revolução, na sua coincidência inevitável de interesses em relação às transformações democráticas. A resolução da conferência também nada dá de positivo neste sentido, limitando-se somente a evitar a questão. Pois a possibilidade de manter o poder na Rússia deve ser condicionada pela composição das forças sociais da própria Rússia, pelas condições da revolução democrática que actualmente está a processar-se entre nós. Pois a vitória do proletariado na Europa (e do alargamento da revolução à Europa até à vitória do proletariado há ainda uma certa distância) provocará uma luta contra-revolucionáría desesperada da burguesia russa; e a resolução dos neo-iskristas não diz uma só palavra sobre esta força contra-revolucionária, cuja importância foi devidamente apreciada na resolução do III congresso do POSDR. Se, na luta pela república e pela democracia, não pudéssemos apoiar-nos nos camponeses além do proletariado, «manter o poder» seria então uma causa perdida. E se não é uma causa perdida, se a «vitória decisiva da revolução sobre o tsarísmo» abre uma tal possibilidade, devemos então apontá-la, apelar activamente para a transformação da possibilidade em realidade, dar palavras de ordem práticas não só para o caso de a revolução se alargar à Europa, mas também para que isto se realize. Nos seguídistas da social-democracia a referência aos «estreitos limites históricos da revolução russa» esconde apenas a concepção estreita das tarefas desta revolução democrática e do papel dirigente do proletariado nesta revolução!
Uma das objecções contra a palavra de ordem da «ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato» consiste em que a ditadura pressupõe a «unidade de vontade» (Iskra, n.° 95), e a unidade de vontade entre o proletariado e a pequena burguesia é impossível. Esta objecção é inconsistente, porque se baseia numa interpretação abstracta, «metafísica», da noção de «unidade de vontade». A vontade pode ser única num sentido e não ser única noutro. A ausência de unidade nas questões do socialismo e na luta pelo socialismo não exclui a unidade de vontade nas questões da democracia e na luta pela república. Esquecer isto significaria esquecer a diferença lógica e histórica entre a revolução democrática e a socialista. Esquecer isto significaria esquecer o carácter da revolução democrática como sendo de todo o povo: se é de todo o povo significa que há «unidade de vontade», exactamente na medida em que esta revolução satisfaz as necessidades e as exigências de todo o povo. Para além dos limites da democracia, nem sequer se põe a questão da unidade de vontade entre o proletariado e a burguesia camponesa. A luta de classes entre eles é inevitável, mas, no terreno da república democrática, esta luta será a luta popular mais profunda e mais vasta pelo socialismo. A ditadura revolucionaria democrática do proletariado e do campesinato tem, como tudo no mundo, o seu passado e o seu futuro. O seu passado é a autocracia, o regime de servidão, a monarquia, os privilégios. Na luta contra este passado, no combate à contra-revolução, é possível a «unidade de vontade» do proletariado e do campesinato, pois existe unidade de interesses.
O seu futuro é a luta contra a propriedade privada, a luta do trabalhador assalariado contra o patrão, a luta pelo socialismo. Aqui a unidade de vontade é impossível(27*). Aqui encontramo-nos não em presença do caminho que vai da autocracia à república, mas do caminho que vai da república democrática pequeno-burguesa ao socialismo.
Naturalmente, numa situação histórica concreta entrelaçam-se os elementos do passado e do futuro, um caminho confunde-se com o outro. O trabalho assalariado e a sua luta contra a propriedade privada existem também sob a autocracia, nascem mesmo no regime de servidão. Mas isto não nos impede minimamente de distinguir lógica e historicamente os grandes períodos do desenvolvimento. Pois todos nós contrapomos a revolução burguesa e a socialista, todos nós insistimos incondicionalmente na necessidade de estabelecer uma distinção rigorosa entre as mesmas, mas poder-se-á negar que, na história, elementos isolados, particulares, de uma e outra revolução se entrelaçam? Não regista a época das revoluções democráticas na Europa uma série de movimentos socialistas e tentativas socialistas? E a futura revolução socialista na Europa não terá ainda muito e muito que fazer para completar o que ficou incompleto no terreno da democracia?
O social-democrata não deve nunca esquecer, nem por um instante, a inevitabilidade da luta de classe do proletariado pelo socialismo, mesmo contra a burguesia e a pequena burguesia mais democráticas e republicanas. Isto é indiscutível. Daí decorre a necessidade absoluta de que a social-democracia tenha um partido próprio, independente e rigorosamente de classe. Daí decorre o carácter temporário da nossa palavra de ordem de «bater juntamente» com a burguesia, o dever de vigiar rigorosamente «o aliado, como se fosse um inimigo», etc. Tudo isto não oferece também a menor dúvida. Mas seria ridículo e reaccionário esquecer, ignorar ou menosprezar, por causa disso, as tarefas essenciais do momento, mesmo que sejam transitórias e temporárias. A luta contra a autocracia é uma tarefa temporária e transitória dos socialistas, mas ignorar ou menosprezar em qualquer medida esta tarefa equivale a trair o socialismo e a servir a reacção. A ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato é indiscutivelmente apenas uma tarefa transitória e temporária dos socialistas, mas ignorar esta tarefa na época da revolução democrática é abertamente reaccionário.
As tarefas políticas concretas devem ser colocadas numa situação concreta. Tudo é relativo, tudo flui, tudo se modifica. A social-democracia alemã não inclui no seu programa a reivindicação da república. Neste país a situação é tal que esta questão dificilmente pode ser separada, na prática, da questão do socialismo (se bem que, em relação à Alemanha, Engels, nas suas observações sobre o projecto de programa de Erfurt, em 1891, advertisse contra a tendência de menosprezar a importância da república e da luta pela república![N253]) Na social-democracia russa nem sequer surgiu a questão de suprimir do programa e da agitação a reivindicação da república, pois no nosso país nem sequer se põe a questão de uma ligação indissolúvel entre a questão da república e a questão do socialismo. Um social-democrata alemão de 1898 que não colocasse em primeiro plano de modo especial a questão da república era um fenómeno natural que não provocava nem surpresa nem censura. Um social-democrata alemão que, em 1848, deixasse na sombra a questão da república teria sido simplesmente um traidor à revolução. Não há verdade abstracta. A verdade é sempre concreta.
Tempo virá — quando tiver terminado a luta contra a autocracia russa, quando tiver passado na Rússia a época da revolução democrática — em que será mesmo ridículo falar de «unidade de vontade» do proletariado e do campesinato, de ditadura democrática, etc. Pensaremos, então, directamente, na ditadura socialista do proletariado e falaremos dela de maneira mais pormenorizada. Mas, na actualidade, o partido da classe de vanguarda não pode deixar de esforçar-se com a máxima energia por alcançar a vitória decisiva da revolução democrática sobre o tsarismo. E a vitória decisiva não é senão a ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato.
Nota[N254]
1) Recordamos ao leitor que, na polémica do Iskra com o Vperiod, o primeiro se referia, entre outras coisas, a uma carta de Engels a Turati, na qual Engels advertia o chefe (futuro) dos reformistas italianos que não confundisse a revolução democrática e a socialista. A revolução próxima na Itália — escrevia Engels referindo-se à situação política da Itália em 1894 — será pequeno-burguesa, democrática, e não socialista. O Iskra censurava o Vperiod pelo facto de se ter afastado do princípio estabelecido por Engels. Esta censura era injusta, uma vez que o Vperiod (n.° 14) reconhecia plenamente em geral a justeza da teoria de Marx sobre a diferença entre as três forças principais das revoluções do século XIX(28*). Segundo esta teoria, actuam contra o velho regime, a autocracia, o feudalismo, o regime de servidão: 1) a grande burguesia liberal; 2) a pequena burguesia radical; 3) o proletariado. A primeira não luta por mais do que uma monarquia constitucional; a segunda, pela república democrática; o terceiro, pela revolução socialista. A confusão entre a luta pequeno-burguesa por uma revolução democrática completa e a luta proletária pela revolução socialista constitui, para um socialista, uma ameaça de bancarrota política. Esta advertência de Marx é perfeitamente justa. Mas, precisamente por essa razão, a palavra de ordem de «comunas revolucionárias» é errada, uma vez que as comunas que se conhecem na história confundiam precisamente a revolução democrática e a socialista. Pelo contrário, a nossa palavra de ordem de ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato preserva-nos em absoluto deste erro. Reconhecendo incondicionalmente o carácter burguês da revolução, que é incapaz de ultrapassar imediatamente os limites de uma revolução apenas democrática, a nossa palavra de ordem impulsiona para a frente esta revolução concreta, procura dar-lhe as formas mais vantajosas para o proletariado, procura por conseguinte aproveitar ao máximo a revolução democrática para que a luta que se seguirá do proletariado pelo socialismo tenha o maior êxito.
Tudo isso é muito coerente, não é verdade? Colocam-nos como fim subordinar a insurreição das massas proletárias e não proletárias à nossa influência, à nossa direcção, utilizá-la no nosso interesse. Por conseguinte, colocamo-nos como fim dirigir, durante a insurreição, tanto o proletariado como a burguesia revolucionária e a pequena burguesia («grupos não proletários»), isto é, «partilhar» a direcção da insurreição entre a social-democracia e a burguesia revolucionária. Colocamo-nos como fim a vitória da insurreição, a qual deve conduzir à instauração de um governo provisório («surgido da insurreição popular vitoriosa»). Por isso ... por isso não devemos colocar-nos como fim tomar ou compartilhar o poder no governo provisório revolucionário!
Os nossos amigos não conseguem juntar ponta com ponta. Oscilam entre o ponto de vista do Sr. Struve , que evita a insurreição, e o ponto de vista da social-democracia revolucionária, que concita à realização dessa tarefa inadiável. Oscilam entre o anarquismo, que condena em princípio, como uma traição ao proletariado, qualquer participação no governo provisório revolucionário, e o marxismo, que exige essa participação na condição de que a social-democracia exerça uma influência dirigente na insurreição(26*). Não têm nenhuma posição independente, nem a posição do Sr. Struve , que deseja chegar a um acordo com o tsarismo e, por este motivo, deve evitar e rodear a questão da insurreição; nem a posição dos anarquistas, que condenam qualquer acção «de cima» e qualquer participação na revolução burguesa. Os neo-iskristas confundem o entendimento com o tsarismo com a vitória sobre o tsarismo. Querem participar na revolução burguesa. Foram um pouco mais longe que as Duas Ditaduras de Martínov. Estão mesmo dispostos a dirigir a insurreição do povo — para renunciar a esta direcção imediatamente depois da vitória (ou talvez imediatamente antes da vitória?) isto é, para não colher os frutos da vitória e ceder todos os frutos inteiramente à burguesia. E é a isto que chamam «utilizar a insurreição no interesse da classe operária» ...
Não há necessidade de nos determos mais tempo nesta embrulhada. Será mais útil examinar a origem desta embrulhada na formulação que afirma: «Continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema.»
Encontramo-nos perante uma das conhecidas teses da social-democracia revolucionária internacional. Esta tese é perfeitamente acertada. Converteu-se num lugar-comum para todos os adversários do revisionismo ou do oportunismo nos países parlamentares. Ganhou foros de cidadania como repulsão legítima e necessária do «cretinismo parlamentar», do millerandismo, do bernsteinianismo, do reformismo italiano no espírito de Turati. Os nossos bons neo-iskristas aprenderam de cor esta boa tese e aplicam-na zelosamente... completamente a despropósito. As categorias da luta parlamentar são introduzidas em resoluções escritas para condições nas quais não existe nenhum parlamento. O conceito de «oposição», que é reflexo e expressão de uma situação política na qual ninguém fala seriamente de insurreição, transpõe-se absurdamente para uma situação em que a insurreição começou e em que todos os partidários da revolução pensam e falam na direcção da mesma. O desejo de «continuar» na mesma situação que antes, isto é, agindo apenas «de baixo», exprime-se de modo pomposo e ribombante precisamente quando a revolução coloca a questão da necessidade, em caso de vitória da insurreição, de agir de cima.
Não, decididamente os nossos neo-iskristas não têm sorte! Mesmo quando formulam uma tese social-democrata acertada, não sabem aplica-Ia acertadamente. Não pensaram na maneira como se transformam e se convertem na sua antítese as noções e os termos da luta parlamentar na época em que se iniciou a revolução, quando não há parlamento, quando há guerra civil e se produzem explosões da insurreição. Não pensaram que, nas condições que examinamos, as emendas propõem-se por meio de manifestações de rua, as interpelações fazem-se por meio de acções ofensivas dos cidadãos armados e a oposição ao governo realiza-se por meio do derrubamento violento do governo.
Da mesma forma que o famoso herói da nossa epopeia popular repetia os bons conselhos exactamente quando eram inoportunos, também os nossos admiradores de Martínov repetem as lições do parlamentarismo pacífico precisamente quando eles próprios verificam o começo das hostilidades directas. Não há nada mais curioso do que esta maneira de formular, com ar de importância, a palavra de ordem de «oposição extrema» numa resolução que começa aludindo à «vitória decisiva da revolução», à «insurreição popular»! Pensai bem, senhores: que significa representar o papel de «oposição extrema» na época da insurreição? Significa isto denunciar o governo ou derrubá-lo? Significa isto votar contra o governo ou infligir uma derrota às suas forças armadas num combate aberto? Significa isto negar-se a encher o tesouro do governo ou significa apoderar-se, por via revolucionária, desse tesouro para as necessidades da insurreição, o armamento dos operários e camponeses, a convocação da assembleia constituinte? Não começais a compreender, senhores, que o conceito de «oposição extrema» não exprime senão acções negativas — denunciar, votar contra, recusar? E porquê? Porque este conceito se refere apenas à luta parlamentar, e isto numa época em que ninguém coloca como fim imediato da luta a «vitória decisiva». Não começais a compreender que as coisas mudam radicalmente neste aspecto a partir do momento em que o povo politicamente oprimido inicia o ataque decisivo, em toda a linha, para a luta encarniçada pela vitória?
Os operários perguntam-nos: é necessário lançar-se energicamente à obra inadiável da insurreição? Que fazer para que a insurreição iniciada seja vitoriosa? Como aproveitar da vitória? Que programa se poderá e deverá realizar então? Os neo-iskristas, que aprofundam o marxismo, respondem: devemos continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema... Muito bem, não tínhamos razão quando chamávamos a estes cavalheiros virtuoses do filisteísmo?
10. As «Comunas Revolucionárias» e a Ditadura Revolucionária Democrática do Proletariado e do Campesinato
A conferência dos neo-iskristas não se manteve na posição anarquista a que tinha chegado o novo Iskra (somente «de baixo» e não «de baixo e de cima»). O absurdo de admitir a insurreição e não admitir a vitória e a participação no governo provisório revolucionário saltava demasiadamente aos olhos. Por isso, a resolução introduziu certas reservas e restrições na solução que davam à questão Martínov e Mártov. Examinemos estas reservas, expostas na seguinte parte da resolução:
«Esta táctica ('continuar a ser o partido da oposição revolucionária extrema'), naturalmente não exclui, no mínimo que seja, a conveniência da tomada parcial, episódica, do poder e da formação de comunas revolucionárias em tal ou tal cidade, em tal ou tal região, com o objectivo exclusivo de contribuir para o alargamento da insurreição e para a desorganização do governo.»
Se assim é, isto quer dizer que, em princípio, se aceita a acção não só de baixo mas também de cima. Por conseguinte, a tese sustentada no conhecido artigo de L. Mártov no Iskra (n.° 93) é rejeitada e é reconhecida como justa a táctica do jornal Vperiod: não só «de baixo» mas também «de cima».
Além disso, a tomada do poder (mesmo parcial, episódica, etc.) pressupõe evidentemente a participação não só da social-democracia e não só do proletariado. Isto é devido a que não é somente o proletariado que está interessado na revolução democrática e que participa activamente da mesma. Isto é devido a que a insurreição é «popular», como se diz no início da resolução que examinamos, que nela participam também «grupos não proletários» (expressão da resolução dos conferencistas sobre a insurreição), isto é, também a burguesia. Deste modo, a conferência deitou pela borda fora, como o Vperiod procurava conseguir, o princípio segundo o qual toda a participação dos socialistas juntamente com a pequena burguesia no governo provisório revolucionário é uma traição à classe operária. A «traição» não deixa de ser traição pelo facto de que a acção que a determina seja parcial, episódica, regional, etc. Portanto, a equiparação da participação no governo provisório revolucionário ao jauressismo vulgar foi deitada pela borda fora pela conferência, como o Vperiod procurava conseguir. Um governo não deixa de ser governo pelo facto de o seu poder se estender não a muitas cidades mas a uma cidade, não a muitas regiões mas a uma região, como tão-pouco deixa de o ser pelo nome que tiver esse governo. Assim, o modo de colocar a questão, do ponto de vista dos princípios que o novo Iskra tentou dar, foi rejeitado pela conferência.
Vejamos agora se são razoáveis as restrições que a conferência impõe à constituição, agora aceite em princípio, de governos revolucionários e à participação nos mesmos. Não sabemos em que se diferencia o conceito de «episódico» do conceito de «provisório» Tememos que, neste caso, uma palavra estrangeira e «nova» não sirva aqui senão para ocultar a ausência de uma ideia clara. Isto parece «mais profundo», mas na verdade é apenas mais obscuro e confuso. Em que se diferencia a «conveniência» da «tomada do poder» parcial numa cidade ou região, da participação no governo provisório revolucionário de todo o Estado? Entre as «cidades», não as há tais como Petersburgo, onde teve lugar o 9 de Janeiro? Entre as regiões não está a do Cáucaso, que é maior do que muitos Estados? As tarefas (que em tempos inquietavam o novo Iskra) com respeito ao que fazer com as prisões, a polícia, o tesouro, etc, não se colocarão também a nós com a «tomada do poder» mesmo numa cidade, sem falar já de uma região? Ninguém negará, naturalmente, que se as forças são insuficientes, se o êxito da insurreição não é completo, se a vitória não é decisiva, são possíveis governos provisórios revolucionários parciais de cidades e outros. Mas a que propósito vem isto, senhores? Não sois vós mesmos que falais, no início da resolução, da «vitória decisiva da revolução», da «insurreição popular vitoriosa»?? Desde quando os sociais-democratas tomam a seu cargo a obra dos anarquistas: dispersar a atenção e os objectivos do proletariado? orientá-lo para o «parcial» e não para o geral, uno, integral e completo? Ao pressupor a «tomada do poder» numa cidade, vós próprios falais do «alargamento da insurreição» — a outra cidade, podemos pensar? a todas as cidades, podemos esperá-lo. As vossas conclusões, senhores, são tão vacilantes e casuais, contraditórias e confusas, como as vossas premissas. O III congresso do POSDR deu uma resposta exaustiva e clara à questão do governo provisório revolucionário em geral. Esta resposta aplica-se também a todos os governos provisórios parciais. A resposta da conferência, pelo contrário, separando de maneira artificial e arbitrária uma parte da questão, não procura senão evitar (mas sem êxito) a questão no seu conjunto e semeia a confusão.
Que significa isso de «comunas revolucionárias»? Essa noção será diferente da de «governo provisório revolucionário» e, em caso afirmativo, em quê? Os próprios senhores conferencistas não o sabem. A confusão do pensamento revolucionário condu-los, como sucede habitualmente, à frase revolucionária. Sim, o emprego do termo «comuna revolucionária» numa resolução de representantes da social-democracia é uma frase revolucionária e nada mais. Marx condenou mais de uma vez semelhante fraseologia, em que se encobrem, por detrás de um termo «sedutor» de um passado caduco, as tarefas do futuro. O carácter sedutor de um termo que desempenhou um papel na história converte-se, em casos semelhantes, num ouropel inútil e nocivo, num chocalho. Nós precisamos de dar aos operários e a todo o povo uma ideia clara e inequívoca da razão por que queremos a constituição de um governo provisório revolucionário, de quais são precisamente as transformações que realizaremos se exercermos amanhã influência decisiva sobre o poder, caso a insurreição popular já iniciada tenha um desenlace vitorioso. Eis as questões que se colocam aos dirigentes políticos.
O III congresso do POSDR responde a estas questões com uma clareza absoluta, apresentando um programa completo destas transformações — o programa mínimo do nosso partido. Enquanto a palavra «comuna» não dá resposta alguma e nada mais faz do que encher a cabeça com sons longínquos... ou com frases ocas. Quanto mais cara for para nós, por exemplo, a Comuna de Paris de 1871, tanto menos tolerável é que façamos alusões à mesma sem examinar os seus erros e as suas condições peculiares. Fazer isso equivaleria a repetir o exemplo absurdo dos blanquistas, ridicularizados por Engels, que se prosternavam (em 1874, no seu Manifesto) diante de qualquer acto da Comuna[N252]. Que dirá o conferencista ao operário quando este o interrogar sobre esta «comuna revolucionária» que é mencionada na resolução? Poder-lhe-á dizer unicamente que sob esse nome se conhece na história um governo operário que não sabia e não podia então distinguir os elementos da revolução democrática e da socialista, que confundia as tarefas da luta pela república com as tarefas da luta pelo socialismo, que não soube cumprir a tarefa de uma ofensiva militar enérgica contra Versalhes, que cometeu o erro de não se apoderar do Banco de França, etc. Numa palavra, tanto se vos referis na vossa resposta à Comuna de Paris como a outra qualquer, essa resposta será: foi um governo como o nosso não deve ser. Bela resposta, não há dúvida! Não revela isto o verbalismo de um exegeta e a impotência de um revolucionário, quando se faz silêncio quanto ao programa prático do partido e se começa inoportunamente a dar na resolução uma lição de história? Não demonstra isto, precisamente, a existência do erro que pretendiam em vão imputar-nos a nós: a confusão da revolução democrática e da socialista, entre as quais nenhuma «comuna» estabeleceu a distinção?
Como fim «exclusivo» do governo provisório (tão inoportunamente qualificado de comuna) é apresentado o alargamento da insurreição e a desorganização do governo. Este «exclusivo» elimina, no sentido literal da palavra, qualquer outra tarefa, não sendo mais que uma reminiscência da teoria absurda de «somente de baixo». Uma eliminação semelhante de outras tarefas é, uma vez mais, uma prova de miopia e irreflexão. A «comuna revolucionária», isto é, poder revolucionário, mesmo que apenas numa cidade, deverá ocupar-se inevitavelmente (mesmo que temporária, «parcial, episodicamente») de todos os assuntos estatais e, nesse caso, é o cúmulo da insensatez esconder a cabeça debaixo da asa. Este poder deverá tanto decretar a jornada de oito horas como instituir a inspecção operária nas fábricas, organizar a instrução geral gratuita, implantar a elegibilidade dos juizes, constituir comités camponeses, etc. — numa palavra, deverá realizar sem falta uma série de reformas. Incluir estas reformas na noção de «contribuir para o alargamento da insurreição» significaria jogar com as palavras e aumentar deliberadamente a falta de clareza onde é preciso que haja uma clareza absoluta.
A parte final da resolução neo-iskrista não fornece novos materiais para a crítica das tendências de princípio do «economismo» ressuscitado no nosso partido, mas ilustra de um lado um tanto diferente o que ficou dito mais atrás.
Eis essa parte:
«Só num caso a social-democracia deveria, por iniciativa sua, encaminhar os seus esforços no sentido de tomar o poder e mantê-lo nas suas mãos pelo maior tempo possível, a saber: no caso de a revolução se alargar aos países avançados da Europa ocidental, nos quais já alcançaram uma certa (?) maturidade as condições para a realização do socialismo. Nesse caso, os estreitos limites históricos da revolução russa podem ampliar-se consideravelmente e tornar-se-á possível entrar na via das transformações socialistas.
«Baseando a sua táctica no propósito de conservar para o partido social-democrata, no decurso de todo o período revolucionário, a situação de oposição revolucionária extrema em relação a todos os governos que se sucedem durante a revolução, a social-democracia poderá preparar-se da melhor maneira para a utilização do poder governamental, caso este caia (??) nas suas mãos.»
Aqui a ideia fundamental é a mesma que repetidamente o Vperiod formulou ao dizer que não, devemos temer (como teme Martínov) a vitória completa da social-democracia na revolução democrática, isto é, a ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato, pois tal vitória dar-nos-á a possibilidade de levantar a Europa, e o proletariado socialista europeu, depois de ter sacudido o jugo da burguesia, ajudar-nos-á, por sua vez, a realizar a revolução socialista. Vede, porém, até que ponto aparece piorada esta ideia na exposição neo-iskrista. Não nos deteremos em pormenores como o absurdo de que o poder pode «cair» nas mãos de um partido consciente, que considera nociva a táctica da tomada do poder; de que, na Europa, as condições para o socialismo alcançaram não uma certa maturidade, mas a maturidade em geral; de que o programa do nosso partido não conhece transformações socialistas, mas conhece apenas a revolução socialista. Tomemos a diferença principal e fundamental entre as ideias do Vperiod e as da resolução. O Vperiod apontava ao proletariado revolucionário da Rússia uma tarefa activa: triunfar na luta pela democracia e aproveitar esta vitória para alargar a revolução à Europa. A resolução não compreende esta conexão entre a nossa «vitória decisiva» (não no sentido neo-iskrista) e a revolução na Europa e por isso fala não das tarefas do proletariado, não das perspectivas da sua vitória, mas de uma das possibilidades em geral: «no caso de a revolução se alargar»... O Vperiod indicava de modo claro e definitivo — e estas indicações entraram na resolução do III congresso do POSDR — como precisamente se pode e deve «utilizar o poder governamental» no interesse do proletariado, tendo em conta o que se pode realizar imediatamente no grau actual de desenvolvimento social e o que é necessário realizar primeiro como premissa democrática da luta pelo socialismo. Também neste sentido a resolução se arrasta irremediavelmente na cauda quando diz «poderá preparar-se para a utilização» sem saber dizer como se poderá, como se deverá preparar e como utilizá-lo. Não duvidamos, por exemplo, de que os neo-iskristas poderão preparar-se para a utilização da posição dirigente no partido, mas a verdade é que, até agora, a sua experiência desta utilização e a sua preparação não infundem nenhuma esperança no que diz respeito à transformação da possibilidade em realidade...
O Vperiod dizia em que consiste precisamente a possibilidade «real» de manter o poder nas nossas mãos — na ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato, na sua força de massas conjunta, capaz de superar todas as forças da contra-revolução, na sua coincidência inevitável de interesses em relação às transformações democráticas. A resolução da conferência também nada dá de positivo neste sentido, limitando-se somente a evitar a questão. Pois a possibilidade de manter o poder na Rússia deve ser condicionada pela composição das forças sociais da própria Rússia, pelas condições da revolução democrática que actualmente está a processar-se entre nós. Pois a vitória do proletariado na Europa (e do alargamento da revolução à Europa até à vitória do proletariado há ainda uma certa distância) provocará uma luta contra-revolucionáría desesperada da burguesia russa; e a resolução dos neo-iskristas não diz uma só palavra sobre esta força contra-revolucionária, cuja importância foi devidamente apreciada na resolução do III congresso do POSDR. Se, na luta pela república e pela democracia, não pudéssemos apoiar-nos nos camponeses além do proletariado, «manter o poder» seria então uma causa perdida. E se não é uma causa perdida, se a «vitória decisiva da revolução sobre o tsarísmo» abre uma tal possibilidade, devemos então apontá-la, apelar activamente para a transformação da possibilidade em realidade, dar palavras de ordem práticas não só para o caso de a revolução se alargar à Europa, mas também para que isto se realize. Nos seguídistas da social-democracia a referência aos «estreitos limites históricos da revolução russa» esconde apenas a concepção estreita das tarefas desta revolução democrática e do papel dirigente do proletariado nesta revolução!
Uma das objecções contra a palavra de ordem da «ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato» consiste em que a ditadura pressupõe a «unidade de vontade» (Iskra, n.° 95), e a unidade de vontade entre o proletariado e a pequena burguesia é impossível. Esta objecção é inconsistente, porque se baseia numa interpretação abstracta, «metafísica», da noção de «unidade de vontade». A vontade pode ser única num sentido e não ser única noutro. A ausência de unidade nas questões do socialismo e na luta pelo socialismo não exclui a unidade de vontade nas questões da democracia e na luta pela república. Esquecer isto significaria esquecer a diferença lógica e histórica entre a revolução democrática e a socialista. Esquecer isto significaria esquecer o carácter da revolução democrática como sendo de todo o povo: se é de todo o povo significa que há «unidade de vontade», exactamente na medida em que esta revolução satisfaz as necessidades e as exigências de todo o povo. Para além dos limites da democracia, nem sequer se põe a questão da unidade de vontade entre o proletariado e a burguesia camponesa. A luta de classes entre eles é inevitável, mas, no terreno da república democrática, esta luta será a luta popular mais profunda e mais vasta pelo socialismo. A ditadura revolucionaria democrática do proletariado e do campesinato tem, como tudo no mundo, o seu passado e o seu futuro. O seu passado é a autocracia, o regime de servidão, a monarquia, os privilégios. Na luta contra este passado, no combate à contra-revolução, é possível a «unidade de vontade» do proletariado e do campesinato, pois existe unidade de interesses.
O seu futuro é a luta contra a propriedade privada, a luta do trabalhador assalariado contra o patrão, a luta pelo socialismo. Aqui a unidade de vontade é impossível(27*). Aqui encontramo-nos não em presença do caminho que vai da autocracia à república, mas do caminho que vai da república democrática pequeno-burguesa ao socialismo.
Naturalmente, numa situação histórica concreta entrelaçam-se os elementos do passado e do futuro, um caminho confunde-se com o outro. O trabalho assalariado e a sua luta contra a propriedade privada existem também sob a autocracia, nascem mesmo no regime de servidão. Mas isto não nos impede minimamente de distinguir lógica e historicamente os grandes períodos do desenvolvimento. Pois todos nós contrapomos a revolução burguesa e a socialista, todos nós insistimos incondicionalmente na necessidade de estabelecer uma distinção rigorosa entre as mesmas, mas poder-se-á negar que, na história, elementos isolados, particulares, de uma e outra revolução se entrelaçam? Não regista a época das revoluções democráticas na Europa uma série de movimentos socialistas e tentativas socialistas? E a futura revolução socialista na Europa não terá ainda muito e muito que fazer para completar o que ficou incompleto no terreno da democracia?
O social-democrata não deve nunca esquecer, nem por um instante, a inevitabilidade da luta de classe do proletariado pelo socialismo, mesmo contra a burguesia e a pequena burguesia mais democráticas e republicanas. Isto é indiscutível. Daí decorre a necessidade absoluta de que a social-democracia tenha um partido próprio, independente e rigorosamente de classe. Daí decorre o carácter temporário da nossa palavra de ordem de «bater juntamente» com a burguesia, o dever de vigiar rigorosamente «o aliado, como se fosse um inimigo», etc. Tudo isto não oferece também a menor dúvida. Mas seria ridículo e reaccionário esquecer, ignorar ou menosprezar, por causa disso, as tarefas essenciais do momento, mesmo que sejam transitórias e temporárias. A luta contra a autocracia é uma tarefa temporária e transitória dos socialistas, mas ignorar ou menosprezar em qualquer medida esta tarefa equivale a trair o socialismo e a servir a reacção. A ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato é indiscutivelmente apenas uma tarefa transitória e temporária dos socialistas, mas ignorar esta tarefa na época da revolução democrática é abertamente reaccionário.
As tarefas políticas concretas devem ser colocadas numa situação concreta. Tudo é relativo, tudo flui, tudo se modifica. A social-democracia alemã não inclui no seu programa a reivindicação da república. Neste país a situação é tal que esta questão dificilmente pode ser separada, na prática, da questão do socialismo (se bem que, em relação à Alemanha, Engels, nas suas observações sobre o projecto de programa de Erfurt, em 1891, advertisse contra a tendência de menosprezar a importância da república e da luta pela república![N253]) Na social-democracia russa nem sequer surgiu a questão de suprimir do programa e da agitação a reivindicação da república, pois no nosso país nem sequer se põe a questão de uma ligação indissolúvel entre a questão da república e a questão do socialismo. Um social-democrata alemão de 1898 que não colocasse em primeiro plano de modo especial a questão da república era um fenómeno natural que não provocava nem surpresa nem censura. Um social-democrata alemão que, em 1848, deixasse na sombra a questão da república teria sido simplesmente um traidor à revolução. Não há verdade abstracta. A verdade é sempre concreta.
Tempo virá — quando tiver terminado a luta contra a autocracia russa, quando tiver passado na Rússia a época da revolução democrática — em que será mesmo ridículo falar de «unidade de vontade» do proletariado e do campesinato, de ditadura democrática, etc. Pensaremos, então, directamente, na ditadura socialista do proletariado e falaremos dela de maneira mais pormenorizada. Mas, na actualidade, o partido da classe de vanguarda não pode deixar de esforçar-se com a máxima energia por alcançar a vitória decisiva da revolução democrática sobre o tsarismo. E a vitória decisiva não é senão a ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato.
Nota[N254]
1) Recordamos ao leitor que, na polémica do Iskra com o Vperiod, o primeiro se referia, entre outras coisas, a uma carta de Engels a Turati, na qual Engels advertia o chefe (futuro) dos reformistas italianos que não confundisse a revolução democrática e a socialista. A revolução próxima na Itália — escrevia Engels referindo-se à situação política da Itália em 1894 — será pequeno-burguesa, democrática, e não socialista. O Iskra censurava o Vperiod pelo facto de se ter afastado do princípio estabelecido por Engels. Esta censura era injusta, uma vez que o Vperiod (n.° 14) reconhecia plenamente em geral a justeza da teoria de Marx sobre a diferença entre as três forças principais das revoluções do século XIX(28*). Segundo esta teoria, actuam contra o velho regime, a autocracia, o feudalismo, o regime de servidão: 1) a grande burguesia liberal; 2) a pequena burguesia radical; 3) o proletariado. A primeira não luta por mais do que uma monarquia constitucional; a segunda, pela república democrática; o terceiro, pela revolução socialista. A confusão entre a luta pequeno-burguesa por uma revolução democrática completa e a luta proletária pela revolução socialista constitui, para um socialista, uma ameaça de bancarrota política. Esta advertência de Marx é perfeitamente justa. Mas, precisamente por essa razão, a palavra de ordem de «comunas revolucionárias» é errada, uma vez que as comunas que se conhecem na história confundiam precisamente a revolução democrática e a socialista. Pelo contrário, a nossa palavra de ordem de ditadura revolucionária democrática do proletariado e do campesinato preserva-nos em absoluto deste erro. Reconhecendo incondicionalmente o carácter burguês da revolução, que é incapaz de ultrapassar imediatamente os limites de uma revolução apenas democrática, a nossa palavra de ordem impulsiona para a frente esta revolução concreta, procura dar-lhe as formas mais vantajosas para o proletariado, procura por conseguinte aproveitar ao máximo a revolução democrática para que a luta que se seguirá do proletariado pelo socialismo tenha o maior êxito.
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