sábado, 29 de novembro de 2008

O Estado

V. I. Lenine
11 de Julho de 1919
Camaradas, o tema da charla de hoje, consoante com o plano traçado por vocês que me foi comunicado, é o Estado. Desconheço até que ponto é que vocês estám ao tanto deste tema. Se nom me engano, os seus cursos acabam de principiar, e pola primeira vez abordarám sistematicamente este tema. Se assim for, pode muito bem acontecer que na primeira conferência sobre este tema tam difícil eu nom consiga que a minha exposiçom seja suficientemente clara e compreensível para muitos dos meus ouvintes. Em tal caso, rogo-lhes que nom se preocupem, porque o problema do Estado é um dos mais complicados e difíceis, porventura aquele em que mais confusom semeárom os eruditos, escritores e filósofos burgueses. Nom cabe esperar, portanto, que se poda chegar a umha profunda compreensom do tema com umha breve charla, numha só sessom. Após a primeira charla sobre este tema, deverám tomar nota dos trechos que nom tenham percebido ou que nom lhes resultarem claros, para voltarmos sobre eles duas, três e quatro vezes, a fim de mais tarde poder ser completado e aclarado o que nom for percebido, quer mediante a leitura, quer mediante diversas charlas e conferências. Espero que poderemos voltar a reunir-nos e que havemos poder daquela trocar opinions sobre todos os pontos complementares e ver o que é que ficou mais obscuro. Espero aliás, que para além das charlas e conferências, dedicarám algum tempo a ler, polo menos, algumhas das obras mais importantes de Marx e Engels. Nom há qualquer dúvida que estas obras, as mais importantes, se acharám na listagem de livros recomendados e nos manuais que estám disponíveis na biblioteca de vocês para os estudantes, da escola do Soviet e do Partido; e embora, mais umha vez, alguns de vocês se sintam no começo, desanimados pola dificuldade da exposiçom, torno a advertir-lhes que nom devem preocupar-se com isso; o que nom resulta claro à primeira leitura, tornará claro na segunda leitura, ou quando logo a seguir foquem o problema de outro ángulo um bocado diferente. Porque, repito mais umha vez, o problema é tam complexo e tem sido tam ensarilhado polos eruditos e escritores burgueses, que quem desejar estudá-lo a sério e chegar a dominá-lo por conta própria, deve abordá-lo várias vezes, voltar sobre ele umha e outra vez e considerá-lo de vários ángulos, para poder chegar a umha compreensom clara e definida dele. Porque é um problema fundamental, tam basilar em toda política e porque, nom apenas em tempos tam turbulentos e revolucionários como os que vivemos, mas inclusivamente nos mais pacíficos, toparám com ele todos os dias em qualquer jornal, a respeito de qualquer assunto económico ou político, será tanto mais fácil voltar sobre ele. Todos os dias, por um motivo ou outro, tornarám vocês à pergunta: o quê é o estado, qual a sua natureza, a sua significaçom e qual a atitude do nosso partido, o partido que luita pola derrubada do capitalismo, o partido comunista, qual é a sua atitude no que di respeito ao Estado? E o mais importante é que, como resultado das leituras que realizem, como resultado das charlas e conferências que escuitem sobre o Estado, adquirirám a capacidade de focar este problema por si próprios, já que o defrontarám com os mais diversos motivos, em relaçom com as questons triviais, nos contextos mais inesperados, e em discussons e debates com adversários. E só quando aprenderem a se orientar por si próprios neste problema é que poderám considerar-se firmes nas suas convicçons e capazes para as defenderem com sucesso contra qualquer e em qualquer momento.
Depois destas breves consideraçons, passarei a tratar o problema em si; o quê é o Estado, como surgiu e, nomeadamente, qual deve ser a atitude no que atinge ao Estado desde o partido da classe operária, que luita polo total derrocamento do capitalismo, o partido dos comunistas.
Já tenho dito que dificilmente se encontrará outro problema em que deliberada e inconscientemente, tenham semeado tanta confusom os representantes da ciência, a filosofia, a jurisprudência, a economia política e o jornalismo burgueses como no problema do Estado. Ainda hoje é confundido muito amiúde com problemas religiosos; nom só polos representantes de doutrinas religiosas (é completamente natural esperá-lo entre eles), mas mesmo pessoas que se consideram livres de preconceitos religiosos confundem muito amiúde a questom específica do Estado com problemas religiosos e tentam elaborar umha doutrina –nom raro complexa, com umha focagem e umha argumentaçom ideológicos e filosóficos— que defende que o Estado é qualquer cousa divina, sobrenatural, certa força, em virtude da qual tem vivido a humanidade, que confere, ou pode conferir aos homens, ou que contém em si qualquer cousa que nom é própria do homem, mas dada de fora: umha força de origem divina. E cumpre dizer que esta doutrina está tam estreitamente ligada aos interesses das classes exploradoras –dos terratenentes e os capitalistas—, serve tam bem aos seus interesses, impregnou tam fundamente todos os costumes, as conceiçons, a ciência dos senhores representantes da burguesia, que toparám vocês vestígios dela a cada passo, mesmo na conceiçom do Estado que tenhem os mencheviques e eseristas, quem rejeitam a ideia de que se acham sob o influxo de preconceitos religiosos e estám convencidos de poderem considerar o Estado com serenidade. Este problema tem sido tam ensarilhado e complicado porque atinge mais do que outro qualquer (cedendo lugar nisto só aos fundamentos da ciência económica) os interesses das classes dominantes. A teoria do Estado serve para justificar os privilégios sociais, a existência da exploraçom, a existência do capitalismo, razom pola qual seria o maior dos erros esperar imparcialidade neste problema, abordá-lo na crença de que quem julgam serem cientistas podam brindar a vocês umha conceiçom puramente científica do assunto. Quando se tenham familiarizado com o problema do Estado, com a doutrina do Estado e com a teoria do Estado, e o tenham aprofundado suficientemente, descobrirám sempre a luita entre classes diferentes, umha luita que se reflecte ou se exprime num conflito entre conceiçons sobre o Estado na apreciaçom do papel e da significaçom do Estado.
Para abordarmos este problema do jeito mais científico, cumpre dar, polo menos, umha rápida olhadela à história do Estado, ao seu surgimento e evoluçom. Com certeza, quando se trata de um problema de ciência social, e o mais necessário para adquirir realmente o hábito de focar este problema em forma correcta, sem perder-nos num cúmulo de detalhes ou na imensa variedade de opinions contraditórias; o mais importante para abordar o problema cientificamente, é nom esquecer o nexo histórico fundamental, analisar cada problema do ponto de vista de como é que surgiu na história o fenómeno dado e quais fôrom as principais etapas do seu desenvolvimento e, do ponto de vista do seu desenvolvimento, examinar em que se tem tornado hoje.
Espero que ao estudarmos este problema do Estado, se ham de familiarizar com a obra de Engels A origem da família, a propriedade privada e o Estado. Trata-se de umha das obras fundamentais do socialismo moderno, cada umha de cujas frases pode aceitar-se com plena confiança, na segurança de que nom foi escrita à toa, senom que se baseia numha abundante documentaçom histórica e política. Sem dúvida, nom todas as partes desta obra estám expostas em forma igualmente acessível e compreensível; algumhas delas suponhem um leitor que já possui uns conhecimentos de história e de economia. Mas volto a repetir que nom devem preocupar-se com que ao lerem essa obra nom a entendam imediatamente. Isto acontece a quase todo o mundo. Mas relendo-a mais tarde, quando estiverem interessados no problema, conseguirám percebê-la na sua maior parte, se nom na sua totalidade. Cito este livro de Engels porque nele se fai umha focagem correcta do problema no senso mencionado. Começa com um bosquejo histórico das origens do Estado.
Para tratar devidamente este problema, o mesmo que outro qualquer – por exemplo o das origens do capitalismo, a exploraçom do homem polo homem, o do socialismo, como surgiu o socialismo, quê condiçons o engendrárom—, qualquer destes problemas só pode ser focado com segurança e confiança se se dá umha olhadela à história do seu desenvolvimento em conjunto. Relativamente a este problema cumpre ter presente , antes de mais, que nem sempre existiu o Estado. Houvo um tempo em que nom havia Estado. Este ocorre no lugar e no momento em que surge a divisom da sociedade em classes, quando ocorrem os exploradores e os explorados.
Antes de surgir a primeira forma de exploraçom do homem polo homem, a primeira foram da divisom em classes – proprietários de escravos e escravos—, existia a família patriarcal ou, como por vezes é chamada, a família do clam (clam: gens; naquela altura viviam juntas as pessoas de umha mesma linhagem ou origem). Na vida de muitos povos primitivos subsistem pegadas muito definidas de aqueles tempos primitivos, e se consultar qualquer obra sobre a cultura primitiva, toparám-se descriçons, indicaçons e reminiscências mais ou menos precisas do facto de que houvo umha época mais ou menos similar a um comunismo primitivo, em que ainda nom existia a divisom da sociedade em escravistas e escravos. Nessa altura nom havia Estado, nom havia aparelho especial nengum para o emprego sistemático da força e o submetimento do povo pola força. Esse aparelho é o que se chama Estado.
Na sociedade primitiva, quando a gente vivia em pequenos grupos familiares e ainda se achava nas etapas mais baixas do desenvolvimento, em condiçons próximas do selvagismo –época separada por vários milhares de anos da moderna sociedade humana civilizada—, nom se observam ainda indícios da existência do Estado. Achamos o predomínio do costume, a autoridade, o respeito, o poder de que gozavam os anciaos do clam; achamos que por vezes este poder era reconhecido às mulheres –a posiçom das mulheres, daquela, nom tinha parecido com a de opressom e falta de direitos das mulheres de hoje—, mas em nengumha parte achamos umha categoria especial de indivíduos diferenciados que governem os outros e que, com o fim de governarem, disponham sistemática e permanentemente de certo aparelho de coerçom, de um aparelho de violência, tal como o que representam actualmente, como todos sabem, os grupos especiais de homens armados, os cárceres e demais meios para submeter pola força a vontade dos outros, todo o que constitui a essência do Estado.
Se deixarmos de parte as chamadas doutrinas religiosas, as subtilezas, os argumentos filosóficos e as diversas opinions erigidas polos eruditos burgueses, e procurarmos atingir a verdadeira essência do assunto, veremos que na realidade o Estado é um aparelho de governo, separado da sociedade humana. Quando ocorre um grupo de especial de homens desta classe, dedicados em exclusiva a governarem e que para governarem precisam de um aparelho especial de coerçom para submeterem a vontade de outros pola força –cárceres, grupos especiais de homens, exércitos, etc.–, é quando ocorre o Estado.
Mas houvo um tempo em que nom existia o Estado, em que os vínculos gerais, a sociedade mesma, a disciplina e organizaçom do trabalho se mantinham pola força do costume e a tradiçom, pola autoridade e respeito de que gozavam os anciaos do clam ou as mulheres –que naquela altura nom só gozavam de umha posiçom social igual à dos homens, senom que mesmo, nom raro, gozavam até de umha posiçom social superior—, e em que nom havia umha categoria especial de pessoas que se especializassem em governar. A história demonstra que o Estado, como aparelho especial para a coerçom dos homens, surge apenas onde e quando ocorre a divisom da sociedade em classes, quer dizer, a divisom em grupos de pessoas, algumhas das quais se apropriam permanentemente do trabalho alheio, onde uns exploram os outros.
E esta divisom da sociedade em classes, através da história, é o que devemos ter sempre presente com toda claridade, como um facto fundamental. O desenvolvimento de todas as sociedades humanas ao longo de milhares de anos, em todos o países sem excepçom, revela-nos umha sujeiçom geral a leis, umha regularidade e conseqüência; de jeito que temos, primeiro, umha sociedade sem classes, a sociedade originária, patriarcal, primitiva, em que nom existiam aristocratas; a seguir umha sociedade baseada na escravatura, umha sociedade escravista. Toda a Europa moderna e civilizada passou por essa etapa: a escravatura reinou soberana há dous mil anos. Por essa etapa passou também a grande maioria dos povos de outros lugares do mundo. Ainda hoje se conservam rastos da escravatura entra os povos menos desenvolvidos; em África, por exemplo, persiste na ainda na actualidade a instituiçom da escravatura. A divisom em proprietários de escravos e escravos foi a primeira divisom importante. O primeiro grupo nom só possuía todos os meios de produçom –a terra e as ferramentas, por muito primitivas que fossem na altura—, senom que tinham também os homens. Este grupo era conhecido como o dos proprietários de escravos, enquanto os que trabalhavam e subministravam o trabalho a outros eram conhecidos como escravos.
Esta forma foi seguida na história por outra: o feudalismo. Na grande maioria dos países, a escravatura, no decurso do seu desenvolvimento, evoluiu para a servidume. A divisom fundamental da sociedade era: os terratenentes proprietários de servos, e os camponeses servos. Mudou a forma dos relacionamentos entre os homens. Os possuidores de escravos consideravam os escravos como a sua propriedade; a lei confirmava este conceito e considerava o escravo como um objecto que pertencia integralmente ao proprietário de escravos. No que ao camponês servo di respeito, subsistia a opressom de classe e a dependência, mas nom se julgava que os camponeses fossem um objecto de propriedade do terratenente proprietário de servos; este apenas tinha direito a apossar-se do seu trabalho, a obrigá-los a executarem certos serviços. Na prática, como todos vocês sabem, a servidume, nomeadamente na Rússia, onde subsistiu mais tempo e revestiu as formas mais brutais, nom se diferenciava em nada da escravatura. Mais tarde, com o desenvolvimento do comércio, o aparecimento do mercado mundial e o desenvolvimento da circulaçom monetária, dentro da sociedade feudal surgiu umha nova classe, a classe capitalista. Da mercadoria, a troca de mercadorias e o aparecimento do poder do dinheiro, surgiu o poder do capital. Durante o século XVIII, ou por melhor dizer, desde os fins do século XVIII e durante o século XIX, explodírom revoluçons em todo o mundo. O feudalismo foi abolido em todos os países da Europa Ocidental. Rússia foi o derradeiro país onde isto aconteceu. Em 1861, produziu-se também na Rússia umha mudança radical, como conseqüência disso, umha forma de sociedade foi substituída por outra: o feudalismo foi substituído polo capitalismo, sob o qual continuou a existir a divisom em classes, bem como diversas pegadas e sobrevivências do regime de servidume, mas fundamentalmente a divisom em classes assumiu umha forma diferente.
Os donos do capital, os donos da terra e os donos das fábricas constituíam e continuam a constituir, em todos os países capitalistas, umha insignificante minoria da populaçom, que governa totalmente o trabalho de todo o povo e, portanto, governa, oprime e explora toda a massa de trabalhadores, a maioria dos quais som proletários, trabalhadores assalariados, que ganham a vida no processo de produçom, só a vender a sua mao-de-obra, a sua força de trabalho. Com a passagem ao capitalismo, os camponeses, que foram divididos e oprimidos sob o feudalismo, tornárom-se, em parte (a maioria) em proletários, e em parte (a minoria) em camponeses ricos, quem por sua vez contratárom trabalhadores e constituírom a burguesia rural.
Este facto fundamental –a passagem da sociedade, das formas primitivas de escravatura ao feudalismo, e por último ao capitalismo— é o que devem vocês ter sempre presente, já que apenas lembrando este facto fundamental, enquadrando todas as doutrinas políticas neste quadro fundamental, estarám em condiçons de valorizar devidamente essas doutrinas e compreender o quê é que se proponhem. Pois cada um destes grandes períodos da história da humanidade –o escravista, o feudal e o capitalista— abrange dezenas e centenares de séculos, apresenta umha tal quantidade de formas políticas, umha tal variedade de doutrinas políticas, opinions e revoluçons, que só poderemos chegar a compreender esta enorme diversidade e esta imensa variedade –nomeadamente relativamente às doutrinas políticas, filosóficas e outras dos eruditos e políticos burgueses—, desde que soubermos ferrar firmemente, como a um fio orientador fundamental, esta divisom da sociedade em classes, essas mudanças das formas da dominaçom de classes, e se analisarmos, deste ponto de vista, todos os problemas sociais— económicos, políticos, espirituais, religiosos, etc.
Se vocês considerarem o Estado do ponto de vista desta divisom fundamental, verám que antes da divisom da sociedade em classes, como já tenho dito, nom existia qualquer Estado. Mas quando surge e se afiança esta divisom da sociedade em classes, quando surge a sociedade de classes, também surge e se afiança o Estado. A história da humanidade conhece dezenas e centos de países que tenhem passado ou estám a passar na actualidade pola escravatura, o feudalismo e o capitalismo. Em cada um deles, apesar das enormes mudanças históricas que tivérom lugar, apesar de todas as vicissitudes políticas e de todas as revoluçons relacionadas com este desenvolvimento da humanidade e com a transiçom da escravatura ao capitalismo, passando polo feudalismo, e até chegar à actual luita mundial contra o capitalismo, vocês perceberám sempre o surgimento do Estado. Este foi sempre determinado aparelho à margem da sociedade e consistente num grupo de pessoas dedicadas exclusiva ou quase exclusivamente ou principalmente a governar. Os homens dividem-se em governados e em especialistas em governar, que se colocam por cima da sociedade e som chamados governantes, representantes do Estado. Este aparelho, este grupo de pessoas que governam os mais, toma posse sempre de certos meios de coerçom, de violência física, que se exprima esta violência sobre os homens com a maça primitiva, que o faga em tipos mais aperfeiçoados de armas, na época da escravatura, ou nas armas de fogo inventadas na Idade Média ou, por último, nas armas modernas, que no século XX som verdadeiras maravilhas da técnica e se baseiam integralmente nos últimos logros da tecnologia moderna. Os métodos de violência mudárom, mas em toda a parte existiu um Estado, existiu em cada sociedade, um grupo de pessoas que governavam, mandavam, dominavam e que, para conservarem o seu poder, dispunham de um aparelho de coerçom física, de um aparelho de violência, com as armas que correspondiam ao nível técnico da dada época. E apenas examinando estes fenómenos gerais, perguntando-nos por quê é que nom existiu Estado nengum quando nom havia classes, quando nom havia exploradores e explorados, e por quê ocorreu quando ocorrêrom as classes; só assim é que acharemos umha resposta definida à pergunta de qual é que é a essência e a significaçom do Estado.
O Estado é umha máquina para manter a dominaçom de umha classe sobre outra. Quando nom existiam classes na sociedade, quando, antes da época da escravatura, os homens trabalhavam em condiçons primitivas de maior igualdade, em condiçons em que a produtividade do trabalho era ainda muito baixa e quando o homem primitivo quase nem podia conseguir os meios indispensáveis para a existência mais tosca e primitiva, entom nom surgiu, nem podia fazê-lo, um grupo especial de homens afastados especialmente para governarem e dominarem o resto da sociedade. Apenas quando apareceu a primeira forma da divisom da sociedade em classes, quando ocorreu a escravatura, quando umha classe determinada de homens, ao se concentrar nas formas mais rudimentares do trabalho agrícola, pudo produzir excedente, e quando este excedente nom resultou absolutamente necessário para a mísera existência da classe dos proprietários dos escravos, entom, para que esta pudesse afiançar-se cumpria que aparecesse um Estado.
E apareceu o Estado escravista, um aparelho que deu poder aos proprietários de escravos e lhes permitiu governar os escravos. A sociedade e o Estado eram na altura muito mais reduzidos do que na actualidade, possuíam meios de comunicaçom incomparavelmente mais rudimentares; nom existiam naquela altura os modernos meios de comunicaçom. As montanhas, os rios e os mares eram obstáculos incomparavelmente maiores do que hoje, e o Estado formou-se dentro dos limites geográficos muito mais estreitos. Um aparelho estatal tecnicamente fraco servia a um Estado confinado dentro de limites relativamente estreitos e com umha esfera de acçom limitada. Mas, de qualquer maneira, existia um aparelho que obrigava os escravos a permanecerem na escravatura, que mantinha umha parte da sociedade subjugada e oprimida pola outra. É impossível obrigar a maior parte da sociedade a trabalhar em forma sistemática para a outra parte da sociedade sem um aparelho permanente de coerçom. Enquanto nom existírom classes, nom houvo um aparelho desse tipo. Quando ocorrêrom as classes, sempre e em toda a parte, à medida que a divisom crescia e se consolidava, ocorria também umha instituiçom especial: o Estado. As formas de Estado eram muito variadas. Já durante o período da escravatura, achamos diversas formas de Estado nos países mais avançados, mais cultos e civilizados da época, por exemplo na antígua Grécia e na antiga Roma, que se baseavam integralmente na escravatura. Já tinha surgido naquela altura umha diferença entre monarquia e república, entre aristocracia e democracia. A monarquia é o poder de umha só pessoa, a república é a ausência de autoridades nom eleitas; a aristocracia é o poder de umha minoria relativamente pequena, a democracia o poder do povo (democracia em grego significa literalmente poder do povo). Todas estas diferenças surgírom na época da escravatura. Apesar destas diferenças, o Estado da época escravista era um Estado escravista, quer se tratasse de umha monarquia, quer de umha república, aristocrática ou democrática. Em todos os cursos de história da antigüidade, ao escuitarem a conferência sobre este tema, falarám-lhes da luita livrada entre os Estado monárquicos e os republicanos. Mas o facto fundamental é que os escravos nom eram considerados seres humanos; nom apenas nom eram considerados cidadaos, quanto que nem sequer eram considerados seres humanos. O direito romano considerava-os como bens. A lei sobre o homicídio, para nom mencionarmos outras leis de protecçom da pessoa, nom amparava os escravos. Defendia apenas os proprietários de escravos, os únicos que eram reconhecidos como cidadaos com plenos direitos. Tanta fazia que governasse umha monarquia ou umha república; tanto umha como outra eram umha república dos proprietários de escravos ou umha monarquia dos proprietários de escravos. Estes gozavam de todos os direitos, enquanto os escravos, perante a lei, eram bens; e contra o escravo nom apenas podia perpetra-se qualquer tipo de violência, mas inclusivamente matar um escravo nom era considerado delito. As repúblicas escravistas diferiam na sua organizaçom interna; havia repúblicas aristocráticas e repúblicas democráticas. Na república aristocrática participava nas eleiçons um reduzido número de privilegiados; na república democrática participavam todos, mas sempre todos os proprietários de escravos, todos salvo os escravos. Deve levar-se em conta este facto fundamental, já que deita mais luz do que qualquer outro sobre o problema do Estado, e apresenta a nu a natureza do Estado.
O Estado é umha máquina para que umha classe reprima outra, umha máquina para a sustentaçom a umha classe de outras classes, subordinadas. Esta máquina pode apresentar diversas formas. O Estado escravista podia ser umha monarquia, umha república aristocrática e mesmo umha república democrática. Na realidade, as formas de governo variavam extraordinariamente, mas a sua essência era sempre a mesma: os escravos nom gozavam de qualquer direito e continuavam a ser umha classe oprimida; nom eram considerados seres humanos. Achamos o mesmo no Estado feudal.
A mudança na forma de exploraçom transformou o Estado escravista em Estado feudal. Isto tivo umha enorme importáncia. Na sociedade escravista, o escravo nom gozava de qualquer direito e nom era considerado um ser humano; na sociedade feudal, o camponês achava-se sujeito à terra. O principal traço da servidume era que os camponeses (e naquela altura os camponeses constituíam a maioria, desde que a populaçom urbana era ainda muito pouco desenvolvida) eram considerados sujeitos à terra; daí é que deriva este conceito mesmo: a servidume. O camponês podia trabalhar certo número de dias para si próprio na parcela que lhe assinalava o senhor feudal; os restantes dias o camponês servo trabalhava para o seu senhor. Subsistia a essência da sociedade de classes: a sociedade baseava-se na exploraçom de classe. Apenas os proprietários da terra desfrutavam de plenos direitos; os camponeses nom tinham qualquer direito. Na prática a sua situaçom nom diferia muito da situaçom dos escravos no Estado escravista. No entanto, tinha-se aberto um caminho mais amplo para a sua emancipaçom, para a emancipaçom dos camponeses, já que o camponês servo nom era considerado propriedade directa do senhor feudal. Podia trabalhar umha parte do seu tempo na sua própria parcela; podia, por assim dizer, ser, até certo ponto, dono de si próprio; e ao alargarem-se as hipóteses de desenvolvimento da troca e dos relacionamentos comerciais, o sistema feudal foi-se desintegrando progressivamente e fôrom-se alargando progressivamente as possibilidades de emancipaçom da classe camponesa. A sociedade feudal foi sempre mais complexa do que a sociedade escravista. Havia um importante factor de desenvolvimento do comércio e a indústria, cousa que, mesmo nessa época, conduziu ao capitalismo. O feudalismo predominava na Idade Média. E também aqui diferiam as formas do Estado; também aqui achamos a monarquia e a república, embora se manifestasse esta última de maneira muito mais fraca. Mas sempre se considerava o senhor feudal como o único governante. Os camponeses servos careciam de quaisquer direitos políticos.
Nem sob a escravatura nem sob o feudalismo podia umha minoria de pessoas dominar a enorme maioria sem recorrer à coerçom. A história está cheia de constantes tentativas das classes oprimidas por se libertarem da opressom. A história da escravatura fala-nos de guerras de emancipaçom dos escravos que durárom décadas inteiras. O nome de "espartaquistas", entre parênteses, que tenhem adoptado agora os comunistas alemáns –o único partido alemám que realmente luita contra o jugo do capitalismo—, adoptárom-no devido a que Espartaco foi o herói mais destacado de umha das mais grandes sublevaçons de escravos que tivo lugar há por volta de dous mil anos. Durante vários anos, o Império romano, que semelhava omnipotente e que se apoiava por inteiro na escravatura, sofreu o choque e as sacudiduras de umha extensa revolta de escravos, armados e agrupados num vasto exército, sob a direcçom de Espartaco. Afinal fôrom derrotados, apresados e torturados polos proprietários de escravos. Guerras civis como estas surgem ao longo de toda a história da sociedade de classes. O que acabo de assinalar é um exemplo da mais importante destas guerras civis na época da escravatura. Do mesmo modo, toda a época do feudalismo acha-se semeada por constantes sublevaçons dos camponeses. Na Alemanha, por exemplo, na Idade Média, a luita entre as duas classes –terratenentes e servos— assumiu amplas proporçons e transformou-se numha guerra civil dos camponeses contra os terratenentes. Todos vocês conhecem exemplos semelhantes de constantes revoltas dos camponeses contra os terratenentes feudais na Rússia.
Para manterem a sua dominaçom e assegurar o seu poder, os senhores feudais necessitavam de um aparelho com o que pudessem subjugar umha enorme quantidade de pessoas e submetê-las a certas leis e normas; e todas essas leis, no fundamental, reduziam-se a umha só cousa; a manutençom do poder dos senhores feudais sobre os camponeses servos. Tal era o Estado feudal, que na Rússia, por exemplo, ou nos países asiáticos muito atrasados (nos quais ainda impera o feudalismo) diferia na sua forma: era umha república ou umha monarquia. Quando o Estado era umha monarquia, reconhecia-se o poder de um indivíduo; quando era umha república, num ou outro grau era reconhecida a participaçom de representantes eleitos da sociedade terratenente; isto acontecia na sociedade feudal. A sociedade feudal representava umha divisom em classes na qual a imensa maioria –os camponeses servos— estava totalmente submetida a umha insignificante minoria, aos terratenentes, donos da terra.
O desenvolvimento do comércio, o desenvolvimento do intercámbio de mercadorias, conduzírom à formaçom de umha nova classe, a dos capitalistas. O capital conformou-se como tal em fins da Idade Média, quando, depois da descoberta da América, o comércio mundial adquiriu um desenvolvimento enorme, quando aumento a quantidade de metais preciosos, quando a prata e o ouro se tornárom em meios de troco, quando a circulaçom monetária permitiu a certos indivíduos acumular enormes riquezas. A prata e o ouro fôrom reconhecidos como riqueza em todo o mundo. Declinou o poder económico da classe terratenente e cresceu o poder da nova classe, os representantes do capital. A sociedade reorganizou-se de modo tal, que todos os cidadaos semelhavam ser iguais, desapareceu a velha divisom em proprietários de escravos e escravos, e todos os indivíduos fôrom considerados iguais perante a lei, para além do capital que possuíssem –proprietários de terras ou pobres homens sem mais propriedade do que a sua força de trabalho, todos eram iguais perante a lei. A lei protege todos por igual; protege a propriedade dos que a tenhem, contra os ataques das massas que, ao nom possuírem qualquer propriedade, ao nom possuírem mais do que a sua força de trabalho, se vam tornando mais pobres e arruinando-se aos poucos até se converterem em proletários. Tal é a sociedade capitalista.
Nom podo demorar na sua análise pormenorizada. Já voltarám vocês a isso quando estudarem o programa do partido: terám daquela umha descriçom da sociedade capitalista. Esta sociedade foi avançando contra a servidume, contra o velho regime feudal, sob a consigna da liberdade. Mas era a liberdade para os proprietários. E quando se desintegrou o feudalismo, cousa que aconteceu em fins do século XVIII e começos do século XIX, --na Rússia aconteceu mais tarde do que noutros países, em 1861—, o Estado feudal foi deslocado polo Estado capitalista, que proclamava como consigna a liberdade para todo o povo, que afirma exprimir a vontade do povo todo e nega ser um Estado de classe. E é neste ponto que se iniciou umha luita entre os socialistas, que brigam pola liberdade de todo o povo, e o Estado capitalista, luita que conduziu hoje à criaçom da República Socialista Soviética e que se está a estender ao mundo inteiro.
Para compreendermos a luita principiada contra o capital mundial, para percebermos a essência do Estado capitalista, devemos lembrar que quando ascendeu o Estado capitalista contra o Estado feudal, entrou na luita sob a palavra de ordem da liberdade. A aboliçom do feudalismo significou a liberdade para os representantes do Estado capitalista e serviu aos seus fins, já que a servidume desabava e os camponeses tinham a possibilidade de possuir em plena propriedade a terra adquirida por eles mediante um resgate ou, em parte polo pagamento de um tributo; isto nom interessava ao Estado; protegia a propriedade sem importar-se com a sua origem, pois o Estado se baseava na propriedade privada. Em todos os Estados civilizados modernos, os camponeses tornárom em proprietários privados. Inclusivamente quando o terratenente cedia parte das suas terras aos camponeses, o Estado protegia a propriedade privada, ressarcindo o terratenente com umha indemnizaçom, permitindo-lhe obter dinheiro pola terra. O Estado, por assim dizer, declarava que ampararia totalmente a propriedade privada e lhe outorgava toda a classe de apoio e protecçom. O Estado reconhecia os direitos de propriedade de todo lojista, fabricante e industrial. E esta sociedade, baseada na propriedade privada, no poder do capital, na sujeiçom total dos operários despossuídos e as massas trabalhadoras dos camponeses, proclamava que o seu regime se baseava na liberdade. Ao luitar contra o feudalismo, proclamou a liberdade de propriedade e sentia-se especialmente orgulhosa de que o Estado tivesse deixado de ser, supostamente, um Estado de classe.
Porém, o Estado continuava a ser umha máquina que ajudava o capitalistas a manterem submetidos os camponeses pobres e a classe operária, embora na sua aparência exterior fosse livre. Proclamava o sufrágio universal e, por meio dos seu defensores, pregadores, eruditos e filósofos, que nom era um Estado de classe. Inclusivamente, agora, quando as repúblicas socialistas soviéticas tenhem começado a combater o Estado, acusam-nos de sermos violadores da liberdade e de erigirmos um Estado baseado na coerçom, na repressom de uns por outros, enquanto eles representam um Estado de todo o povo, um Estado democrático. E este problema, o problema do Estado, é agora, quando principiou a revoluçom socialista mundial e quando a revoluçom triunfa nalguns países, quando a luita contra o capital se tem agudizado em extremo, um problema que tem adquirido a maior importáncia e pode dizer-se que se tem tornado no problema mais candente, no foco de todos os problemas políticos e de todas as polémicas políticas do presente.
Qualquer que for o partido que tomarmos na Rússia ou em qualquer dos países mais civilizados, vemos que todas as polémicas, discrepáncias e opinions políticas giram agora à volta da conceiçom do Estado. É o Estado, num país capitalista, numha república democrática – nomeadamente em repúblicas como a Suíça ou Norte-América—, nas repúblicas democráticas mais livres, a expressom da vontade popular, a resultante da decisom geral do povo, a expressom da vontade nacional, etc., ou o Estado é umha máquina que permite aos capitalistas desses países conservarem o seu poder sobre a classe operária e os camponeses e camponesas? Eis o problema fundamental a cuja volta giram todas as polémicas políticas no mundo inteiro. O quê se di sobre o bolchevismo? A imprensa burguesa deita doestos sobre os bolcheviques. Nom acharám um só jornal que nom repita a acusaçom na moda de que os bolcheviques violam a soberania do povo. Se os nossos mencheviques e eseristas, na sua simpleza de espírito (e porventura nom simpleza, ou talvez simpleza da que di o provérbio que é pior do que a ruindade) julgam que inventárom e decobrírom a acusaçom de que os bolcheviques violárom a liberdade e a soberania do povo, enganam-se do jeito mais ridículo. Hoje, todos os jornais mais ricos dos países mais ricos, que gastam dezenas de milhons na sua difusom e disseminam mentiras burguesas e a política imperialista em dezenas de milhons de exemplares, todos esses jornais repetem esses argumentos e acusaçons fundamentais contra o bolchevismo, a saber: que a Norte-América, a Inglaterra e a Suíça som Estados avançados, baseados na soberania do povo, enquanto a república bolchevique é um Estado de bandidos em que nom se conhece a liberdade e que os bolcheviques som violadores da ideia da soberania do povo e mesmo chegárom ao extremo de dissolverem a Assembleia Constituinte. Estas terríveis acusaçons contra os bolcheviques repetem-se no mundo todo. Estas acusaçons conduzem-nos directamente à pergunta: o quê é o Estado? Para compreendermos estas acusaçons, para podermos estudá-las e adoptar a respeito delas umha atitude plenamente consciente, e nom examiná-las baseando-se em boatos, mas numha firme opiniom própria, devemos ter umha clara ideia do que é que é o Estado. Temos ante nós Estados capitalistas de todo o tipo e todas as teorias que na sua defesa se elaborárom antes da guerra. Para respondermos correctamente à pergunta, devemos examinar com umha focagem crítica todas estas teorias e concepçons.
Já lhes aconselhei que recorressem ao livro de Engels A origem da família, a propriedade privada e Estado. Nele di-se que todo Estado em que existe a propriedade privada da terra e os meios de produçom, em que domina o capital, por democrático que for, um Estado capitalista, umha máquina em maos dos capitalistas para o subjugamento da classe operária e dos camponeses pobres. E o sufrágio universal, a Assembleia Constituinte ou o Parlamento som meramente umha forma, umha espécie de obriga de pagamento, que nom muda a essência do assunto.
As formas de dominaçom do Estado podem variar: o capital manifesta o seu poder de um modo onde existe umha forma e doutro onde existe outra forma, mas o poder está sempre, essencialmente, em maos do capital, quer com a existência do voto restrito ou outros direitos, quer se trate de umha república democrática ou nom; na realidade, quanto mais democrática for, mais grosseira e cínica é a dominaçom do capitalismo. Umha das repúblicas mais democráticas do mundo som os Estados Unidos de Norte-América, e no entanto, em nengures (e quem tiver estado lá após 1905 provavelmente o saiba) é tam cru e abertamente corrompido como na Norte-América o poder do capital, o poder de umha presa de multimilionários sobre toda a sociedade. O capital, desde que existe, domina a sociedade inteira, e nengumha república democrática, nengum direito eleitoral pode mudar a essência do assunto.
A república democrática e o sufrágio universal representárom um enorme progresso comparado com o feudalismo: permitírom ao proletariado atingir a sua actual unidade e solidariedade e formar fileiras compactas e disciplinadas que dam umha luita sistemática contra o capital. Nom existiu nada sequer semelhante a isto entre os camponeses servos e nem que falar já entre os escravos. Os escravos, como sabemos, sublevárom-se, amotinárom-se e principiárom guerras civis, mas nom podiam chegar a criar umha maioria consciente e partidos que dirigissem a luita; nom podiam compreender com clareza quais eram os seus objectivos, e mesmo nos momentos mais revolucionários da história fôrom sempre peons em maos das classes dominantes. A república burguesa, o Parlamento, o sufrágio universal, isso tudo constitui um imenso progresso do ponto de vista do desenvolvimento mundial da sociedade. A humanidade avançou para o capitalismo e foi o capitalismo somente, o que, mercê da cultura urbana, permitiu à classe oprimida dos proletários adquirir consciência de si própria e criar o movimento operário mundial; os milhons de operários organizados em partidos no mundo inteiro em partidos socialistas que dirigem conscientemente a luita das massas. Sem parlamentarismo, sem um sistema eleitoral, teria sido impossível este desenvolvimento da classe operária. É por isso que todas estas cousas adquirírom umha importáncia tam grande aos olhos das grandes massas do povo. É por isso que semelha tam difícil umha mudança radical. Nom som apenas os hipócritas conscientes, os sábios e os curas quem sustenhem e defendem a mentira burguesa de que o Estado é livre e que tem por missom defender os interesses de todos; o mesmo fam muitíssimas pessoas atadas sinceramente aos velhos preconceitos e que nom dam entendido a transiçom da sociedade antiga, capitalista, ao socialismo. E nom apenas as pessoas que dependem directamente da burguesia, nom apenas quem vivem sob o jugo do capital ou subornados polo capital (há grande quantidade de cientistas, artistas, cregos, etc., de todo o tipo ao serviço do capital), mas inclusivamente pessoas simplesmente influídas polo preconceito da liberdade burguesa, mobilizárom-se contra o bolchevismo no mundo inteiro, porque quando foi fundada a República Soviética, rejeitou as mentiras burguesas e declarou abertamente: vocês dim que o seu Estado é livre, quando na realidade, enquanto existir a propriedade privada, o Estado de vocês, embora for umha república democrática, nom é mais do que umha máquina em maos dos capitalistas para reprimir os operários,e quanto mais livre o Estado for, com maior clareza isto se há de patentear. Exemplos disto apresentam-no-los a Suíça, na Europa, e os Estados Unidos, na América. Em parte nengumha domina o capital em forma tam cínica e implacável e em parte nengumha a sua dominaçom é tam ostensível como nestes países, apesar de se tratar de repúblicas democráticas, por muito belamente que as pintem e por muito que nelas se fale de democracia, do trabalho e de igualdade de todos os cidadaos. O facto é que na Suíça e na Norte-América domina o capital, e qualquer tentativa dos operários por atingir a menor melhoria efectiva da sua situaçom, provoca imediatamente a guerra civil. Nestes países há poucos soldados, um exército regulara pequeno –a Suíça conta com umha milícia e todos os cidadaos suíços tenhem um fusil na sua morada, enquanto nos Estados Unidos, até há bem pouco, nom existia um exército regular—, de modo que quando estala umha greve, a burguesia arma-se, contrata soldados e reprime a greve; em nengumha parte a repressom do movimento operário é tam cruel e feroz como na Suíça e nos Estados Unidos, e em nengumha parte se manifesta com tanta força como nestes países a influência do capital sobre o Parlamento. A força do capital é-o tudo, a Bolsa é tudo, enquanto o Parlamento e as eleiçons nom som mais do que bonecos, títeres... Mas os operários vam abrindo cada vez mais o olhos e a ideia do poder soviético vai estendendo-se mais e mais. Nomeadamente depois da sangrenta matança pola que acabamos de passar. A classe operária adverte cada vez mais a necessidade de luitar implacavelmente contra os capitalistas.
Qualquer que for a forma com que se encubra umha república, por democrática que for, se for umha república burguesa, se conservar a propriedade privada da terra, das fábricas, se o capital privado mantiver toda a sociedade na escravatura assalariada, quer dizer, se a república nom levar à prática o que se proclama no programa do nosso partido e na Constituiçom soviética, daquela esse Estado é umha máquina para que uns reprimam outros. E devemos pôr esta máquina em maos da classe que terá de derrocar o poder do capital. Devemos rechaçar todos os velhos preconceitos à volta de o Estado significar a igualdade universal; pois isto é umha fraude: enquanto existir exploraçom nom poderá existir igualdade. O terratenente nom pode ser igual ao operário nem o homem faminto igual ao saciado. A máquina, chamada Estado, e ante a que os homens se inclinavam com supersticiosa veneraçom, porque acreditavam no velho conto de que significa o Poder do povo todo, o proletariado rechaça e afirma: é umha mentira burguesa. Nós temos arrancado aos capitalistas esta máquina e temos tomado posse dela. Utilizaremos essa máquina, o garrote, para liquidar toda exploraçom; e quando toda hipótese de exploraçom tiver desaparecido do mundo, quando já nom houver proprietários de terras nem proprietários de fábricas, e quando nom existir já umha situaçom em que uns estám saciado enquanto outros padecem fame, só quando tiver desaparecido devez a hipótese disto, relegaremos esta máquina para o lixo. Entom nom existirá Estado nem exploraçom. Tal é o ponto de vista do nosso partido comunista. Espero que voltaremos a este tema em futuras conferências, voltaremos a ele umha e outra vez.

Notas
1. A Universidade Comunista I.M. Sverdlov fundou-se sobre a base de uns cursos de agitadores e instrutores, organizados em 1918, adjuntos ao Comité Executivo Central de toda a Rússia. Mais tarde, os cursos fôrom reorganizados em Escola de Trabalhos dos Soviets. Depois da resoluçom, adoptada polo VIII Congresso do PC(b) da Rússia, de organizar umha escola superior adjunta ao CC para preparar quadros do Partido, a Escola transformou-se em Escola Central de Trabalhos dos Soviets e do Partido; no segundo semestre de 1919 por decisom do Buró de Organizaçom do CC do PC(b) da Rússia, a Escola recebeu o nome de Universidade Comunista I.M.Sverdlov. Lenine deu nela duas conferências acerca do Estado. O texto da Segunda, pronunciada em 29 de Agosto de 1919, nom foi conservado.

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