quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Parte VI

q) O Novo Iskra. Oportunismo nas Questões de Organização
Para analisar a posição de princípio do novo Iskra é preciso sem dúvida tomar como base os dois folhetins do camarada Axelrod(1), Expusemos anteriormente em pormenor o significado concreto de uma série das suas palavrinhas preferidas, e agora devemos tentar abstrair-nos desse significado concreto e seguir o desenrolar do pensamento que levou a "minoria" (por este ou aquele motivo fútil e mesquinho) a adotar precisamente essas palavras de ordem e não outras, e examinar o significado destas palavras de ordem no terreno dos princípios, independentemente da sua origem, independentemente da "cooptação". Vivemos agora sob o signo das cedências: façamos pois uma cedência ao camarada Axelrod e "tomemos a sério" a sua "teoria".
A tese fundamental do camarada Axelrod (n.0 57 do Iskra) é a seguinte: "Desde o início o nosso movimento conteve duas tendências opostas, cujo antagonismo mútuo não podia deixar de desenvolver-se e repercutir-se nele paralelamente ao seu próprio desenvolvimento." A saber: "O objetivo proletário do movimento (na Rússia) é, em princípio, o mesmo que o da social-democracia do Ocidente." Mas no nosso país a influência sobre as massas operárias provém "de um elemento social que lhes é estranho" - a intelectualidade radical. Assim, o camarada Axelrod assinala que existe no nosso partido um antagonismo entre as tendências proletária e intelectual-radical.
Nisso o camarada Axelrod tem seguramente razão. Que este antagonismo existe (e não só no partido social-democrata russo), é questão fora de dúvida. E mais. Toda a gente sabe que é este antagonismo que explica em grande parte a divisão da social-democracia contemporânea em social-democracia revolucionária (também chamada ortodoxa) e oportunista (revisionista, ministerialista, reformista), divisão que também se manifestou claramente na Rússia no decurso dos dez últimos anos do nosso movimento. Toda a gente sabe também que é precisamente a social-democracia ortodoxa que exprime as tendências proletárias do movimento, enquanto a social-democracia oportunista exprime as tendências intelectuais-democráticas.
Mas, ao abordar de perto este fato notório, o camarada Axelrod, temeroso, começa a recuar. Não faz a mínima tentativa para analisar como se manifestou esta divisão na história da social-democracia russa em geral, e no nosso congresso do partido em particular - embora o camarada Axelrod escreva precisamente acerca do congresso! Como toda a redação do nosso Iskra, o camarada Axelrod manifesta um medo mortal das atas deste congresso. Não devemos admirar-nos disso depois de tudo o que foi exposto anteriormente, mas da parte de um "teórico" que pretende estudar as diversas tendências do nosso movimento, é um caso original de fobia da verdade. Depois de ter afastado, em virtude dessa particularidade que o caracteriza, os materiais mais recentes e mais exatos sobre as tendências do nosso movimento, o camarada Axelrod procura salvação no campo dos doces sonhos. "O marxismo legal ou semimarxismo deu, pois um chefe literário aos nossos liberais - diz ele. - Então, porque é que essa menina travessa que é a história não havia de dar à democracia burguesa revolucionária um chefe formado na escola do marxismo revolucionário, ortodoxo?" Sobre este sonho, doce para o camarada Axelrod, só podemos dizer que, se acontece a história fazer travessuras, isso não justifica as travessuras do pensamento de uma pessoa que se propõe analisar essa história. Quando por
detrás do chefe do semimarxismo surgia o liberal, as pessoas que queriam (e sabiam) estudar o fundo das suas "tendências", não invocavam possíveis travessuras da história, mas dezenas e centenas de exemplos da psicologia e da lógica desse chefe, particularidades de toda a sua fisionomia literária, que traíam o reflexo do marxismo na literatura burguesa216. Mas se o camarada Axelrod, que pretendeu analisar as "tendências revolucionárias em geral e as tendências proletárias no nosso movimento", não soube revelar nada, absolutamente nada, que demonstrasse a existência de determinadas tendências nestes ou naqueles representantes dessa ala ortodoxa que ele detesta, apenas se passou a si mesmo um solene atestado de indigência. Os assuntos do camarada Axelrod devem andar bem mal, se já só lhe resta invocar as g possíveis travessuras da história!
A outra referência do camarada Axelrod - aos "jacobinos" - é ainda mais instrutiva. O camarada Axelrod não desconhece, provavelmente, que a divisão da social-democracia contemporânea em revolucionária e oportunista, há já muito tempo, e não só na Rússia, deu azo a "analogias históricas com a época da grande revolução francesa". O camarada Axelrod não ignora, provavelmente, que os girondinos da social-democracia contemporânea recorrem, sempre e em toda a parte, aos termos "jacobinismo", "blanquismo"217, etc., para caracterizar os seus adversários. Não imitemos pois o camarada Axelrod na sua fobia da verdade, e consultemos as atas do nosso congresso: talvez encontremos nelas material para analisar e verificar as tendências que estamos a estudar e as analogias que estamos a examinar.
Primeiro exemplo. A discussão do programa no congresso do partido. O camarada Akímov ("Martínov) declara: "O parágrafo sobre a conquista do poder político (sobre a ditadura do proletariado), em comparação com todos os outros programas sociais-democratas, foi redigido de tal maneira que pode ser interpretado, como foi de fato interpretado pelo camarada Plekhánov, no sentido de que o papel da organização dirigente deverá relegar para segundo plano a classe por ela dirigida e isolar a primeira da segunda. Por isso a definição das nossas tarefas políticas é exatamente igual à feita por "A Vontade do Povo" (p. 124 das atas). O camarada Plekhánov e outros iskristas respondem ao camarada Akímov acusando-o de oportunismo. Não acha o camarada Axelrod que esta discussão nos mostra (nos fatos e não nas imaginarias travessuras da história) o antagonismo entre os jacobinos atuais e os girondinos atuais na social-democracia? E se o camarada Axelrod falou dos jacobinos, não será porque se encontrou (devido aos erros que cometeu) na companhia dos girondinos da social-democracia?
Segundo exemplo. O camarada Possadóvski põe a questão de um "sério desacordo" sobre a "questão fundamental" do "valor absoluto dos princípios democráticos" (p. 169). Juntamente com Plekhánov, nega o seu valor absoluto. Os líderes do "centro" ou do pântano (Egórov) e dos anti-iskristas (Goldblat) erguem-se decididamente contra isso, considerando que Plekhánov "imita a táctica burguesa" (p. 170) - esta é precisamente a idéia do camarada Axelrod sobre a relação entre ortodoxia e tendência burguesa, com a única diferença de que Axelrod deixa esta idéia no ar, enquanto
Goldblat a relaciona com debates concretos. Nós perguntamos uma vez mais: não crê o camarada Axelrod que também esta discussão nos mostra palpavelmente o antagonismo no nosso congresso entre jacobinos e girondinos da social-democracia contemporânea? Não gritará o camarada Axelrod lontra os jacobinos porque se encontrou na companhia dos girondinos?
Terceiro exemplo. A discussão do § 1 dos estatutos. Quem defende "as tendências proletárias no nosso movimento", quem sublinha que o operário não receia a organização, que o proletário não simpatiza com a anarquia, que aprecia o estímulo da palavra de ordem "organizai-vos!", quem põe em guarda contra a intelectualidade burguesa, imbuída até à medula de oportunismo? Os jacobinos da social-democracia. E quem introduz de contrabando no partido os intelectuais radicais, quem se preocupa com os professores, com os estudantes de liceu, com os isolados, com a juventude radical? O girondino Axelrod juntamente com o girondino Líber.
Com que falta de habilidade o camarada Axelrod se defende da "falsa acusação de oportunismo" abertamente espalhada no congresso do nosso partido contra a maioria do grupo "Emancipação do Trabalho"! Defende-se de tal maneira que confirma a acusação, retomando a batida cantilena bernsteiniana sobre o jacobinismo, o blanquismo, etc.! Grita acerca do perigo que representam os intelectuais radicais para fazer esquecer os seus próprios discursos no congresso do partido e que respiravam solicitude com esses mesmos intelectuais.
As "terríveis palavras": jacobinismo, etc., não exprimem absolutamente nada a não ser oportunismo. O jacobino, ligado indissolutamente à organização do proletariado, consciente dos seus interesses de classe, é justamente o social-democrata revolucionário. O girondino, que suspira pelos professores e os estudantes de liceu, que receia a ditadura do proletariado, que sonha com o valor absoluto das reivindicações democráticas, é justamente o oportunista. Só os oportunistas podem ainda, na nossa época, ver um perigo nas organizações de conspiradores, quando a idéia de reduzir a luta política às proporções de uma conspiração foi mil vezes refutada na literatura, foi há muito tempo refutada e posta de lado pela vida, quando a primordial importância da agitação política de massas foi explicada e repisada até à exastão. O verdadeiro motivo deste medo da conspiração, do blanquismo, não é esta ou aquela característica que se manifestou no movimento prático (como Bernstein e C.ª há muito tentam em vão demonstrar), mas a timidez girondina do intelectual burguês, cuja mentalidade se manifesta tantas vezes entre os sociais-democratas contemporâneos. Nada mais cômico que estes esforços desesperados do novo Iskra para dizer uma palavra nova (cem vezes repetida no seu tempo), pondo em guarda contra a táctica dos revolucionários-conspiradores franceses dos anos quarenta e sessenta (n.º 62, editorial)218. Num próximo número do Iskra os girondinos da social-democracia contemporânea indicar-nos-ão, sem dúvida, um grupo de conspiradores franceses dos anos quarenta para quem a importância da agitação política entre as massas operárias, a importância dos jornais operários como meio principal da influência do partido sobre a classe, teria sido um á-bê-cê aprendido e assimilado há muito.
A tendência do novo Iskra para repetir, como se fossem palavras novas, coisas já ditas e verdades elementares mais do que conhecidas não é contudo nada casual, mas consequência inevitável da situação em que se encontram Axelrod e Mártov, que caíram na ala oportunista do nosso partido. A situação obriga. São obrigados a repetir as frases oportunistas, têm de recuar para tentar descobrir num passado longínquo uma justificação qualquer da sua posição, indefensável do ponto de vista da luta no congresso e dos matizes e divisões do partido que nele se revelaram. As elucubrações akimovistas sobre o jacobinismo e o blanquismo, o camarada Axelrod acrescenta lamentações também akimovistas, de que não só os "economistas" mas també os "políticos" foram "unilaterais", se "apaixonaram" excessivamente, etc., etc. Quando se lêem os ribombantes discursos sobre este tema do novo lskra, que presunçosamente pretende estar acima de todas essas parcialidades e paixões, perguntamo-nos com espanto: Quem retratam eles? Onde ouvem estes discursos2l9? Quem ignora que a divisão dos sociais-democratas russos em economistas e políticos já passou à história há muito tempo? Percorrei o Iskra do último ou dos dois últimos anos antes do congresso do partido, e vereis que a luta contra o "economismo" perde intensidade e cessa completamente já em 1902, vereis que, por exemplo, em Julho de 1903 (n.0 43), se fala dos "tempos do economismo" como de uma coisa "definitivamente passada", considera-se o economismo "definitivamente enterrado", e as paixões dos políticos como um evidente atavismo. Por que motivo volta então a nova redação do Iskra a essa divisão definitivamente enterrada? Ter-nos-íamos batido no congresso contra os Akímov por causa dos erros que cometeram há dois anos na Rabótcheie Dielo? Se o tivéssemos feito seríamos perfeitamente imbecis. Mas todos sabem que não o fizemos, que lutamos contra os Akímov no congresso não por causa dos seus velhos erros, definitivamente enterrados, da Rabótcheie Dielo, mas por causa dos novos erros que cometeram com as suas apreciações e com as suas votações no congresso. Não foi pela sua posição na Rabótcheie Dielo, mas pela sua posição no congresso, que julgamos quais são os erros definitivamente liquidados e quais os que persistem ainda e precisam ser discutidos. Na época do congresso, a velha divisão em economistas e políticos já não existia, mas continuavam a existir diversas tendências oportunistas, que se exprimiram durante os debates e votações sobre uma série de questões, e que levaram finalmente a uma nova divisão do partido em "maioria" e "minoria". A essência da questão é que a nova redação do Iskra procura, por razões facilmente compreensíveis, dissimular a relação existente entre esta nova divisão e o oportunismo atual no nosso partido, e é por isso que ela é obrigada a recuar da nova divisão para a antiga. A incapacidade de explicar origem política da nova divisão (ou o desejo, por espírito de cedência, de lançar um véu(2) sobre esta origem), obriga a repisar tudo o que se disse da antiga divisão, que já há muito tempo passou à história. Toda a gente sabe que e a nova divisão se baseia numa divergência nas questões de organização, que começou por uma controvérsia sobre princípios de organização (§ 1 dos estatutos) e que terminou por uma "prática" digna de anarquistas. A antiga ivisão em economistas e políticos tinha por base uma divergência principalmente sobre as questões de táctica.
Este afastamento das questões mais complexas, e verdadeiramente atuais e candentes da vida do partido, para tratar de questões há muito resolvidas e artificialmente desenterradas, tenta justificá-lo o novo Iskra com divertidas elucubrações a que não se pode dar outro nome senão seguidismo. Por obra e graça do camarada Axelrod, atravessa todos os escritos do novo Iskra como um traço vermelho a profunda "idéia" de que o conteúdo é mais importante que a forma, o programa e a táctica são mais importantes que a organização, que "a vitalidade de uma organização e diretamente proporcional ao volume e valor do conteúdo que traz aos movimento", que o centralismo não é "algo que se baste a si mesmo", não é um "talismã universal", etc., etc. Grandes e profundas verdades! Com efeito, o programa é mais importante que a táctica, e a táctica é mais importante que a organização. O alfabeto é mais importante que a etimologia, e a etimologia é mais importante que a sintaxe - mas que dizer de pessoas que, tendo reprovado no seu exame de sintaxe, hoje se dêem ares importantes e se gabem de ter que estar mais um ano na classe inferior? Sobre questões de princípio em matéria de organização o camarada Axelrod raciocinou como um oportunista (§1), na organização agiu como um anarquista (congresso da Liga). E agora aprofunda a social-democracia: as uvas estão verdes! Propriamente, o que é a organização? E apenas, uma forma. O que é o centralismo? Não é um talismã. O que é a sintaxe? E menos importante que a morfologia, é apenas a forma de unir os elementos da morfologia ... "Não estará de acordo conosco o camarada Alexándrov - pergunta triunfalmente a nova redação do Iskra - se dissermos que o congresso contribuiu muito mais para a centralização da ação do partido elaborando o programa do partido, do que adotando os estatutos, por mais perfeitos que pareçam estes últimos?" (n.0 56, suplemento). E de esperar que esta sentença clássica adquira uma celebridade histórica não menos vasta e não menos durável que a famosa frase do camarada Kritchévski de que a social-democracia como a humanidade se atribui sempre tarefas realizáveis. É exatamente do mesmo calibre a profundidade de pensamento do novo Iskra. Porque é que a frase do camarada Kritchévski foi ridicularizada? Porque este, com uma banalidade que tentava fazer passar por filosofia, procurava justificar o erro de uma parte dos sociais-democratas em questões de táctica e a sua incapacidade de colocar corretamente as tarefas políticas. E exatamente o que acontece com o novo Iskra que, com a banalidade de que o programa é mais importante do que os estatutos, e as questões de programa são mais importantes que as questões de organização, justifica o erro de uma parte dos sociais-democratas em matéria de organização, a instabilidade própria de intelectuais que conduziu alguns camaradas à fraseologia anarquista! Não será isto seguidismo? Não será isto gabar-se de ter que estar mais um ano na classe inferior?

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