quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A adoção do programa contribui mais para a centralização do trabalho do que a adoção dos estatutos. Como esta banalidade, que se quer fazer passar por filosofia, cheira a intelectual radical muito mais próximo do decadentismo burguês do que da social-democracia! Porque a palavra centralização, nesta famosa frase, é tomada em sentido já puramente simbólico. Se os autores desta frase não sabem ou não querem pensar, pelo menos deviam recordar o simples fato de que a adoção do programa, juntamente com os bundistas, longe de conduzir à centralização do nosso trabalho comum, nem sequer nos preservou da cisão. A unidade em questões de programa e questões de táctica é uma condição necessária, mas de modo nenhum suficiente, para a unificação do partido, para a centralização do trabalho do partido (santo Deus! que coisas elementares se é obrigado a repisar, nestes tempos em que todas as noções se confundiram!). Para obter este último resultado é necessária além disso a unidade de organização, inconcebível, num partido que tenha superado por pouco que seja os limites de um círculo de família, sem estatutos aprovados, sem subordinação da minoria à maioria, sem subordinação da parte ao todo. Enquanto não tínhamos unidade nas questões fundamentais de programa e de táctica, dizíamos claramente que vivíamos numa fase de dispersão e de círculos, declarávamos francamente que antes de nos unificarmos era preciso demarcar os campos, não falávamos sequer de formas de organização comum, mas tratávamos exclusivamente das novas questões (então verdadeiramente novas) da luta contra o oportunismo em matéria de programa e de táctica. Agora essa luta, todos reconhecemos, assegurou já uma unidade suficiente, formulada no programa do partido e nas resoluções do partido sobre a tática; agora temos de dar o passo seguinte, e, como todos estamos de acordo, demo-lo: elaboramos as formas de uma organização única, em que se fundem todos os círculos. Arrastaram-nos agora para trás semidestruindo estas formas, arrastaram-nos para trás para uma conduta anarquista, para a frase anarquista, para o restabelecimento do círculo em vez da redação do partido, e justificam este passo atrás dizendo que o alfabeto é mais útil ao discurso correto do que o conhecimento da sintaxe!

A filosofia do seguidismo, que há três anos florescia em questões de tática, renasce agora, aplicada à questões de organização. Tomai este raciocínio da nova redação. "A orientação social-democrata combativa - diz o camarada Alexándrov - deve ser assegurada no partido não só pela luta ideológica mas também por determinadas formas de organização." A redação ensina-nos: "Não está mal este confronto da luta ideológica e das formas de organização. A luta ideológica é um processo, enquanto as formas de organização são apenas ... formas" (juro que isto está impresso tal e qual no n.º 56, suplemento, p. 4, coluna 1, em baixo!) "que devem revestir-se de um conteúdo que se modifica e se desenvolve - o trabalho prático em vias de desenvolvimento do partido". Isto é como a anedota de que uma granada é uma granada e uma bomba é uma bomba! A luta ideológica é um processo e as formas de organização são apenas formas que revestem um conteúdo! Tráta-se de saber se a nossa luta ideológica se revestirá de formas mais elevadas, as formas de uma organização de partido obrigatória para todos, ou as formas da antiga dispersão e dos antigos círculos. Arrastaram-nos para trás, de formas superiores para formas mais primitivas, e afirmam para justificar isso que a luta ideológica é um processo e que as formas são apenas formas. Exatamente do mesmo modo que o camarada Kritchévski no seu tempo nos arrastava para trás, da tática-plano para a tática-processo.

Vede estas frases pretensiosas do novo Iskra sobre "a auto-educação do proletariado" dirigidas contra aqueles de quem se diz que a forma os impede de ver o conteúdo (n.0 58, editorial). Não será isso akimovismo número dois? O akimovismo número um tinha justificado o atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata no que se refere a colocar questões de táctica, alegando um conteúdo mais "profundo" da "luta proletária", a auto-educação do proletariado. O akimovismo número dois justifica o atraso de uma certa parte da intelectualidade social-democrata quanto às questões da teoria e da prática da organização pelo argumento não menos profundo de que a organização é apenas uma forma e o essencial é a auto-educação do proletariado. O proletariado não receia a organização nem a disciplina, saibam-no os senhores que se preocupam tanto com o irmão mais novo! O proletariado não se importará que os senhores professores e estudantes de liceu, que não queiram entrar numa organização, sejam considerados como membros do partido porque trabalham sob o controlo de uma organização. Toda a vida do proletariado o educa para a organização de modo muito mais radical que a muitos intelectuaizinhos. O proletariado, por muito pouco que compreenda o nosso programa e a nossa táctica, não se porá a justificar o atraso da organização argumentando que a forma é menos importante que o conteúdo. Não é ao proletariado, mas a certos intelectuais do nosso partido, que falta a auto-educação no espírito de organização e disciplina, no espírito de hostilidade e desprezo pelas frases anarquistas. Os Akímov número dois caluniam o proletariado, dizendo que este não está preparado para a organização, tal como os Akímov número um o caluniaram dizendo que não estava preparado para a luta política. O proletário que se tenha tornado social-democrata consciente e que se sinta membro do partido rejeitará o seguidismo em matéria de organização com o mesmo desprezo com que rejeitou o seguidismo nas questões de táctica.

Tomai enfim este profundo pensamento de "Praktik" no novo Iskra. "Compreendida no seu verdadeiro sentido, a idéia de uma organização centralista "de combate" - diz - que unifique e centralize a atividade" (em itálico, para sublinhar a profundidade) "dos revolucionários naturalmente só tomaria corpo no caso de essa atividade existir" (Novo e inteligente!); "a própria organização, como forma" (escutai, escutai!) "só pode desenvolver-se simultaneamente" (o sublinhado é do autor, como de resto em toda esta citação) "com o desenvolvimento do trabalho revolucionário que constitui o seu conteúdo" (n.0 57). Não vos faz isto recordar mais uma vez o herói da epopéia popular que, à vista de um cortejo fúnebre, exclamava: oxalá tenhais sempre algo que levar! Não haverá seguramente um único militante prático (sem aspas) no nosso partido que não compreenda que é precisamente a forma da nossa atividade (ou seja, a organização) que há muito está atrasada - terrivelmente atrasada - em relação ao conteúdo, e que os gritos aos atrasados: acertai passo! não vos adianteis! - só podem vir dos simplórios do partido. Tentai comparar, por exemplo, o nosso partido ao ~und. Não há a mínima dúvida de que o conteúdo(3) do trabalho do nosso partido é infinitamente mais rico, mais diversificado, mais amplo e mais profundo que o do Bund. Maior a envergadura teórica, mais desenvolvido o programa, mais extensa e mais profunda a ação sobre as massas operárias (e não apenas sobre os artesãos organizados), mais variadas a propaganda e a agitação, mais vivo o ritmo do trabalho político dos responsáveis e dos militantes de base, mais grandiosos os movimentos populares durante as manifestações e greves gerais, mais enérgica a atividade entre as camadas não proletárias. E a "forma"? A "forma" do nosso trabalho está atrasada em comparação com a do Bund a um ponto inadmissível; a ponto de saltar aos olhos, e de corar de vergonha quem quer que não trate dos assuntos do seu partido "metendo o dedo no nariz". O atraso da organização do trabalho em comparação com o seu conteúdo é o nosso ponto fraco, já o era muito antes do congresso, muito antes da constituição do CO. A falta de desenvolvimento e a instabilidade da forma não permitem fazer sérios progressos no desenvolvimento do conteúdo, provoca uma estagnação vergonhosa, conduz a um desperdício de forças e faz com que os atos não correspondam às palavras. Todos estão fartos de sofrer com esta discordância - e eis que vêm os Axelrod e os "Praktik" do novo Iskra pregar-nos o profundo pensamento: a forma deve desenvolver-se de modo natural apenas simultaneamente com o conteúdo!

Eis onde conduz um ligeiro erro em matéria de organização (§1), se alguém se põe e aprofundar uma tolice e a fundamentar filosoficamente uma frase oportunista. A passos prudentes, com tímidos ziguezagues!220 - já ouvimos este refrão aplicado às questões de táctica; ouvimo-lo hoje aplicado às questões de organização. O seguidismo em questões de organização é um produto natural e inevitável da mentalidade do individualista anarquista, quando este último se põe a erigir em sistema de concepções, em divergências de princípio particulares, os seus desvios anarquistas (talvez acidentais de início). No congresso da Liga vimos os começos deste anarquismo, no novo iskra vemos as tentativas de o erigir em sistema de concepções. Estas tentativas confirmam admiravelmente o que já se disse no congresso do partido sobre a diferença de pontos de vista entre o intelectual burguês que se liga à social-democracia e o proletário que tomou consciência dos seus interesses de classe. Por exemplo, esse mesmo "Praktik" do novo Iskra, cuja profundidade de pensamento já conhecemos, acusa-me de conceber o partido como uma "imensa fábrica", com um diretor - o Comitê Central - à frente (n.0 57, suplemento). "Praktik" não suspeita sequer de que a palavra terrível que lançou trai imediatamente a mentalidade do intelectual burguês, que não conhece nem a prática nem a teoria da organização proletária. Precisamente a fábrica, que a alguns parece apenas um espantalho, representa a forma superior de cooperação capitalista, que unificou e disciplinou o proletariado, o ensinou a organizar-se, o pôs à cabeça de todas as outras camadas da população trabalhadora e explorada. Precisamente o marxismo, ideologia do proletariado educado pelo capitalismo, ensinou e ensina aos intelectuais inconstantes a diferença entre o lado explorador da fábrica (disciplina baseada no medo de morrer de fome) e o seu lado organizador (disciplina baseada no trabalho em comum, unificado pelas condições em p que se realiza a produção altamente desenvolvida do ponto de vista técnico). A disciplina e a organização, que ao intelectual burguês tanto custam a adquirir, são facilmente assimiladas pelo proletariado, justamente graças a essa "escola" da fábrica. O medo mortal a essa escola, a incompreensão absoluta da sua importância como elemento de organização, caracterizam precisamente a maneira de pensar que reflete as condições de existência pequeno-burguesas, e gera esse aspecto do anarquismo que os sociais-democratas alemães chamam Edelanarchismus, ou seja, o anarquismo do senhor "distinto", o anarquismo senhorial, diria eu. Este anarquismo senhorial é particularmente característico do niilista russo. A organização do partido parece-lhe uma monstruosa "fábrica", a submissão da parte ao todo e da minoria à maioria surge-lhe como uma "servidão" (ver os folhetins de Axelrod), a divisão do trabalho sob a direção de um centro fá-lo lançar gritos tragicômicos contra a transformação dos homens em "engrenagens e parafusos" (e vê uma forma particularmente intolerável dessa transformação na transformação dos redatores em colaboradores), a simples alusão aos estatutos de organização do partido provoca nele um gesto de desprezo e a observação desdenhosa (dirigida aos "formalistas") de que se poderia perfeitamente dispensar os estatutos.

É inacreditável, mas é um fato: é precisamente esta a observação edificante que o camarada Mártov me dirige no n.º 58 do Iskra , citando, para lhe dar mais peso, as minhas próprias palavras da Carta a um camarada. Não será isso "anarquismo senhorial", não será seguidismo justificar com exemplos extraídos da época de dispersão, da época dos círculos, a manutenção e glorificação do espírito de círculo e da anarquia numa época em que já está constituído o partido?

Antes, porque não precisávamos nós de estatutos? Porque o partido era formado por círculos isolados que não tinham entre si qualquer ligação orgânica. Passar de um círculo para outro dependia exclusivamente da "livre vontade" de um indivíduo, que não tinha perante si qualquer expressão bem definida da vontade do todo. As questões controversas dentro dos círculos não eram resolvidas com base em estatutos, "mas pela luta e pela ameaça de retirada", como eu escrevia na Carta a um camarada(4), apoiando-me na experiência de uma série de círculos em geral, e em particular na do nosso próprio grupo de seis redatores. Na época dos círculos, isto era natural e inevitável; mas não passou pela cabeça de ninguém elogiá-lo, fazer disto um ideal, todos lamentavam esta dispersão, todos sofriam com isso e ansiavam pela fusão dos círculos dispersos numa organização do partido formalmente constituída. E agora que se efetuou a fusão, arrastam-nos para trás, servvem-nos, como se fossem princípios superiores de organização, frases anarquistas! Às pessoas habituadas ao amplo roupão e às pantufas do oblomovismo221 doméstico dos círculos, estatutos formais parecem-lhes de estreito, apertado, pesado, vil, burocrático, opressivo, um estorvo para o livre "processo" da luta ideológica. O anarquismo senhorial não compreende que são necessários estatutos formais precisamente para substituir a ligação limitada dos círculos por uma ampla ligação de partido. A ligação no interior dos círculos ou entre os círculos não devia nem podia tomar forma definida, porque se baseava na amizade pessoal ou numa "confiança" incontrolada e não fundamentada. A ligação de partido não pode nem deve assentar nem numa nem noutra, mas em estatutos formais, idos "burocraticamente" (do ponto de vista do intelectual relaxado), cuja observância estrita é o único meio que nos garante contra a arbitrariedade e os caprichos dos círculos, contra o regime de questiúnculas instituído no círculos e classificado de livre "processo" da luta ideológica.

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