quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução Democrática

V. I. Lénine
Julho de 1905
Prólogo
Nos momentos de revolução é muito difícil conseguir acompanhar os acontecimentos, que fornecem uma prodigiosa quantidade de material novo para apreciar as palavras de ordem tácticas dos partidos revolucionários. A presente brochura foi escrita antes dos acontecimentos de Odessa(1*). Indicámos já em Proletári[N230] (n.° 9, A Revolução Ensina)(2*) que esses acontecimentos obrigaram, mesmo aqueles sociais-democratas que criaram a teoria da insurreição-processo e negavam a propaganda a favor de um governo provisório revolucionário, a passar ou começar a passar de facto para o lado dos seus contraditores. A revolução ensina, indubitavelmente, com uma rapidez e uma profundidade que parecem incríveis nos períodos pacíficos de desenvolvimento político. E, o que é particularmente importante, ensina não só os dirigentes, mas também as massas.
Não há a menor dúvida de que a revolução ensinará o espírito social-democrata às massas operárias da Rússia. A revolução confirmará na prática o programa e a táctica da social-democracia, mostrando a verdadeira natureza das diversas classes sociais, mostrando o carácter burguês da nossa democracia e as verdadeiras aspirações do campesinato, revolucionário no sentido democrático-burguês, mas portador não da ideia da «socialização» mas de uma nova luta de classes entre a burguesia camponesa e o proletariado rural. As velhas ilusões do velho populismo, que se manifestam de modo tão evidente, por exemplo, no projecto de programa do «partido dos socialistas-revolucionários», na questão do desenvolvimento do capitalismo na Rússia, na questão do espírito democrático da nossa «comunidade rural» e na questão do significado da vitória completa da insurreição camponesa, todas essas ilusões serão dissipadas implacável e definitivamente pela revolução. Esta dará pela primeira vez o autêntico baptismo político às diferentes classes. Estas classes sairão da revolução com uma fisionomia política definida, porque se terão revelado não só nos programas e palavras de ordem tácticas dos seus ideólogos, mas também através da acção política aberta das massas.
É indubitável que a revolução nos ensinará, que ensinará as massas populares. Mas a questão, para o partido político em luta, consiste agora em ver se saberemos nós ensinar alguma coisa à revolução, se saberemos aproveitar-nos da justeza da nossa doutrina social-democrata, da nossa ligação com o proletariado, a única classe consequentemente revolucionária, para imprimir à revolução a marca proletária, para levar a revolução até à verdadeira vitória, decisiva, efectiva e não verbal, para paralisar a instabilidade, a ambiguidade e a traição da burguesia democrática.
Devemos dirigir todos os nossos esforços para este fim. E consegui-lo depende, por um lado, do acerto com que avaliemos a situação política, de que sejam justas as nossas palavras de ordem tácticas, e, por outro, de que essas palavras de ordem sejam apoiadas pela força combativa real das massas operárias. Todo o trabalho habitual, regular, corrente de todas as organizações e grupos do nosso partido, o trabalho de propaganda, agitação e organização, está orientado no sentido de fortalecer e ampliar a ligação com as massas. Este trabalho é sempre necessário, mas nos momentos revolucionários menos que nunca pode ser considerado suficiente. Nestes momentos, a classe operária sente-se instintivamente impelida para a acção revolucionária aberta e nós devemos saber colocar acertadamente os objectivos dessa acção, com o objectivo de os difundir depois do modo mais amplo possível e de fazer com que sejam compreendidos. É preciso não esquecer que o pessimismo corrente sobre a nossa ligação com as massas encobre agora com especial frequência as ideias burguesas relativas ao papel do proletariado na revolução. É indubitável que temos de trabalhar ainda muitíssimo para educar e organizar a classe operária, mas actualmente toda a questão consiste em saber onde deve residir o centro de gravidade político principal desta educação e desta organização. Nos sindicatos e nas associações legais ou na insurreição armada, no trabalho de criação de um exército revolucionário e de um governo revolucionário? A classe operária educa-se e organiza-se tanto num como noutro. Tanto um como outro são, naturalmente, necessários. Toda a questão, na revolução actual, se reduz, entretanto, a saber onde deve residir o centro de gravidade da educação e da organização da classe operária, se no primeiro ou no segundo.
O desenlace da revolução depende do seguinte: desempenhará a classe operária o papel de auxiliar da burguesia, embora seja um auxiliar poderoso pela intensidade do seu ataque contra a autocracia, mas politicamente impotente, ou assumirá o papel de dirigente da revolução popular. Os representantes conscientes da burguesia apercebem-se perfeitamente disso. É por essa razão que a Osvobojdénie exalta o akimovismo[N231], o «economismo» na social-democracia, o qual coloca actualmente em primeiro plano os sindicatos e as associações legais. Por isso é que o Sr. Struve aplaude (n.° 72 da Osvobojdénie) o aparecimento das tendências de princípios do akimovismo no neo-iskrismo. É por isso que arremete também contra a odiada estreiteza revolucionária das resoluções do III Congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia[N232].
As acertadas palavras de ordem tácticas da social-democracia têm agora importância particular para a direcção das massas. Não há nada mais perigoso do que subestimar a importância das palavras de ordem tácticas conformes com os princípios nas épocas revolucionárias. Por exemplo, o Iskra [N233], no n.° 104, passa-se de facto para o lado dos seus contraditores na social-democracia, mas, ao mesmo tempo, fala com desdém da importância das palavras de ordem e resoluções tácticas que se adiantam à vida, que indicam o caminho pelo qual avança o movimento com uma série de reveses, erros, etc. Pelo contrário, a elaboração de resoluções tácticas acertadas tem uma importância gigantesca para o partido que pretende dirigir o proletariado no espírito dos firmes princípios do marxismo e não simplesmente deixar-se arrastar na cauda dos acontecimentos. Nas resoluções do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia e da conferência da parte que se separou do partido(3*), temos a expressão mais precisa, mais meditada, mais completa das concepções tácticas, não expostas por alguns autores de modo casual, mas sim aprovadas pelos representantes responsáveis do proletariado social-democrata. O nosso partido está à frente de todos os outros com um programa preciso e aceite por todos. Ele deve também dar aos outros partidos exemplo de uma atitude rigorosa em relação às suas resoluções tácticas, contrariamente ao oportunismo da burguesia democrática da Osvobojdénie e à fraseologia revolucionária dos socialistas-revolucionários, os quais só durante a revolução se lembraram de apresentar um «projecto» de programa e se ocuparam pela primeira vez da questão de saber se a revolução que se processa ante os seus olhos é burguesa.
Eis porque consideramos que a tarefa mais urgente da social-democracia revolucionária é estudar cuidadosamente as resoluções tácticas do III congresso do Partido Operário Social-Democrata da Rússia e da conferência, assinalar os desvios dos princípios do marxismo que as mesmas contêm, esclarecer as tarefas concretas do proletariado social-democrata na revolução democrática. A este trabalho é consagrada a presente brochura. Comprovar a nossa táctica do ponto de vista dos princípios do marxismo e dos ensinamentos da revolução é necessário também para todo aquele que queira preparar realmente a unidade de táctica como base da futura unificação completa de todo o Partido Operário Social-Democrata da Rússia, e não limitar-se unicamente a palavras de exortação.
Julho de 1905.
N. Lénine

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